O futuro do trabalho
São publicadas, quase diariamente, listas de profissões ameaçadas pelos novos desenvolvimentos tecnológicos.
A introdução de novas tecnologias tem sempre levantado dúvidas sobre o futuro dos empregos em áreas afectadas por essas tecnologias. A revolução industrial trouxe consigo a automação de diversas profissões, muitas delas monótonas e repetitivas, o que levou à destruição de numerosos empregos, principalmente na área das indústrias têxteis. Esta substituição do homem pela máquina no processo produtivo trouxe consigo muitas preocupações sobre o futuro desses empregos. Ficaram conhecidos os Luditas, um movimento maioritariamente constituído por trabalhadores da indústria têxtil, que destruíram diversas instalações fabris em protesto contra a introdução de automação. Embora a origem do nome seja incerta, o movimento acabou por ficar ligado a um mítico General Ludd, que seria o suposto líder, mas que realmente nunca existiu. Ainda hoje se usa o termo Ludita para caracterizar alguém que está contra a evolução tecnológica.
O futuro veio a demonstrar que a revolução industrial acabou por criar mais empregos do que aqueles que destruiu, de maior qualidade, com maior valor acrescentado e, em geral, menos perigosos e desempenhados em melhores condições. Esta ideia de que os avanços tecnológicos conduzem, na generalidade, a uma melhoria da qualidade de vida das populações, criando mais e melhores empregos, que substituem aqueles que são destruídos pela própria tecnologia, tornou-se dominante entre os economistas. No entanto, não existe qualquer demonstração inatacável de que essa regra seja geral e universal. John Maynard Keynes, num ensaio globalmente optimista publicado em 1930, advertiu para os perigos do “desemprego tecnológico... criado pela descoberta de mecanismos que economizem trabalho, mais rápida que a descoberta de novas utilizações para esse trabalho”. Numerosos autores, entre os quais Ryan Avent (The Wealth of Humans) e Andrew McAfee (The Second Machine Age) têm veiculado preocupações semelhantes, mas mais informadas e actualizadas.
Estas dúvidas estão, em parte, relacionadas com aquilo que os economistas chamam a falácia do “bolo do trabalho” (“lump of labour”, em inglês), a ideia de que existe apenas uma quantidade limitada de trabalho, e que essa quantidade de trabalho terá de ser distribuída pelos interessados, sejam eles máquinas ou seres humanos. A experiência de umas centenas de anos permitiu-nos aprender que os desenvolvimentos tecnológicos, associados a outros factores, contribuem, de facto, para aumentar este bolo, criando novas necessidades e, com elas, novos empregos. Porém, uma parte das preocupações não deriva desta falácia, e, realmente, não existe nenhuma lei da física ou da economia que garanta que os novos empregos criados serão tantos e tão bons quantos os empregos destruídos.
Umas centenas de anos depois, estas questões colocam-se novamente, agora motivadas pela introdução das novas tecnologias digitais, entre as quais a robótica e a inteligência artificial. Estas tecnologias vieram potenciar as capacidades já existentes dos sistemas de informação, resultantes da evolução tecnológica que conduziu aos computadores modernos, aos telemóveis e a outros aparelhos baseados em tecnologias digitais. Colocam-se agora, essencialmente, as mesmas perguntas que se colocaram nos séculos XVIII e XIX, com o aparecimento da máquina a vapor e o domínio da electricidade: irão as máquinas substituir os seres humanos em numerosas profissões e fazer escassear os empregos, que deixarão de existir em número suficiente para todos?
São publicadas, quase diariamente, listas de profissões ameaçadas pelos novos desenvolvimentos tecnológicos, entre os quais aparece como particularmente relevante a inteligência artificial. Estas listas de profissões ameaçadas variam bastante, conforme os estudos, mas incluem tipicamente contabilistas, vendedores e retalhistas, profissionais de apoio ao cliente, jornalistas, juristas, dactilógrafos, gestores e condutores de veículos e até mesmo algumas especialidades médicas. Curiosamente, uma recente lista do Economist incluía, em lugar proeminente duma destas listas, os economistas!
Não temos realmente informação suficiente para saber se a quarta revolução industrial (como convencionou chamar-se ao conjunto de mudanças tecnológicas que se avizinha, baseadas em tecnologias de informação e comunicação, inteligência artificial, telemóveis inteligentes e robótica) irá, tal como as anteriores, contribuir para a criação de mais e melhores empregos, em substituição dos que irão desaparecer. Como em todas as transformações tecnológicas, é possível perceber quando e como começam, mas é muito difícil prever quando e como irão terminar. Embora seja possível estimar as profissões que estão mais ameaçadas pela tecnologia, com base na informação disponível, é difícil adivinhar quão inteligentes serão as máquinas daqui a umas dezenas de anos, ou que novas profissões irão aparecer, como consequência dos novos desenvolvimentos tecnológicos.
Porém, é possível afirmar, com grande confiança, que os sistemas baseados em inteligência artificial, usando ou não sistemas robóticos, irão substituir profissões cada vez mais qualificadas. Cirurgias executadas por robots, sem intervenção humana, radiografias analisadas por sistemas inteligentes, aviões conduzidos por pilotos automáticos e crónicas desportivas redigidas por programas já não pertencem à ficção científica: são uma realidade dos nossos dias ou sê-lo-ão muito em breve.
Significa isto que as novas profissões, aquelas que os computadores não serão suficientemente inteligentes e flexíveis para desempenhar, serão cada vez mais sofisticadas, e exigirão cada vez mais capacidade, inteligência e criatividade. A qualificação e a educação serão, seguramente, cada vez mais importantes, e muitas das coisas que deveremos ensinar aos nossos jovens são diferentes das que eram ensinadas no passado. Mas não existem muitas dúvidas que poderemos vir a assistir a uma séria desadaptação entre as capacidades e as competências de grandes franjas da população e as necessidades dos empregadores do futuro. Esta desadaptação já se verifica agora, a um nível muito significativo. Existem milhares de empregos por preencher nas áreas das tecnologias de informação e comunicação e, porém, existem também muitas pessoas que não conseguem arranjar emprego. Esta situação tenderá a agravar-se, no futuro, à medida que cresce a complexidade das tarefas que podem ser desempenhadas por computadores, máquinas, programas e robots.
Max Tegmark, no seu recém-publicado livro Life 3.0, refere (e ilustra) uma metáfora introduzida por Hans Moravec em 1998, a ideia de que a crescente inteligência dos computadores se assemelha ao efeito do aquecimento global, levando a uma subida progressiva do nível dos oceanos, inundando locais cada vez mais altos. De forma análoga, a crescente sofisticação dos computadores e dos programas permitirá substituir seres humanos em empregos cada vez mais complexos. Nesta metáfora, a altitude do local corresponde à complexidade da função desempenhada. Os locais mais altos (as profissões mais complexas) ficarão a seco durante mais tempo mas, por fim, a automação levará a que quase todos os territórios sejam cobertos pela água e a que a esmagadora maioria das funções seja desempenhada por máquinas, deixando a seco apenas os cumes das montanhas mais altas.
Importa, desde já, analisar e antecipar as consequências desta previsível evolução e, em particular, os impactos que terá na redistribuição da riqueza gerada pela sociedade do futuro. Caso contrário, corremos o risco de evoluirmos para uma sociedade em que uma pequena fracção da população disporá de recursos cada vez significativos, convivendo com o resto da população que, cada vez mais, será incapaz de contribuir para a sociedade, e ficará, cada vez mais, sujeita a situações de exclusão e pobreza. O recente evento da COTEC, que teve lugar em Mafra, e que se centrou exactamente nesta questão, o futuro do trabalho, foi uma bem-vinda contribuição para uma importante discussão, que urge desde já iniciar.