Já há poucas amêndoas cocas no Algarve. Quem serão as pessoas loucas que as deixam desaparecer?

Esta é uma riqueza imensa que está a desaparecer e que é preciso tratar com o respeito cultural e, sobretudo, comercial que merece

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Não há mês do ano em que não me surpreenda com as qualidades escondidas da nossa gastronomia. Este mês, a Maria João e eu passámos o tempo a comer umas amêndoas pequenas e redondas que nos deu uma grande amiga nossa: são as amêndoas cocas. Pronunciam-se “coucas” mas não sei se levam acento circunflexo.

São fáceis de descascar e facílimas de comer. São deliciosas cruas, tendo um suave travo amargo — não completamente diferente das amêndoas amargas — que reforça a “amendoasidade”. Torradas são melhores ainda.

A melhor e mais rápida maneira de tirar a pele é encharcando-as três vezes em água a ferver. Eu gosto de descascá-las em cima de um tabuleiro para ver um filme ao mesmo tempo. Não é preciso olhar para os dedos. É só apalpar, apertar e apanhar o miolo.

Depois é importante secá-las. Quanto mais secas melhor torram. Apanha-se a primeira água com panos de cozinha mas para terminar não há nada como um secador de cabelo diligentemente aplicado.

Quando estiverem todas secas, levam-se a um forno previamente aquecido até 2/3 do máximo, num tabuleiro de alumínio, liberalmente temperadas de flor de sal e pimenta preta acabada de moer. De dois em dois minutos é preciso sacudi-las e virá-las, para torrarem por igual.

Se não estiver sempre a espreitá-las elas queimam-se. As cocas são particularmente melindrosas por serem tão redondinhas. Também é um grande erro tirá-las antes do tempo. Não pode haver parte delas que fique branquinha porque ficam moles — o contrário de torradas.

A cor ideal é café com leite. Como elas continuam a torrar depois de sair do forno é boa ideia deitá-las para um tabuleiro frio e colocá-las numa corrente de ar para arrefecerem mais depressa.

É uma parvoíce comê-las enquanto estão quentes porque ainda estão moles. Só quando ficam morninhas-frescas é que adquirem o magnífico estaladiço.

As amêndoas torradas são o acompanhamento perfeito para muitas bebidas — escolha-se uma bebida que esteja à altura das amêndoas. Elas merecem.

Infelizmente, as amêndoas cocas custam à volta de 6 euros o quilo. Digo infelizmente porque a este preço não compensa apanhá-las. Ir ao Algarve e ver as amendoeiras abandonadas é um espectáculo trágico e enfurecedor.

Veja-se um trabalho da jornalista Maria Augusta Casaca que está online com o título “Maior colecção de árvores de fruto está no Algarve”.

Visitou o justamente famoso Centro de Experimentação Agrária de Tavira, onde o engenheiro João Costa, um herói dos agricultores de Tavira, recolheu e plantou 120 variedades de amendoeira.

Não, não é gralha. Não tem um zero a mais. Não são 12 variedades — são cento e vinte. Ana Arsénio, da Associação In Loco, partilhou generosamente o levantamento “Características dos frutos das variedades de amendoeira do Algarve”, cuja primeira parte, lindamente ilustrada, está disponível online. Este trabalho tem a garantia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade do Algarve, sob a responsabilidade de Maria Alcinda Ramos Neves e Maria da Graça Costa Miguel.

Examinam-se cerca de 30 variedades de amendoeira, apesar de algumas poderem ser muito parecidas, variando apenas nas localidades onde foram encontradas. As autoras sublinham esta ambiguidade. O que diferencia, por exemplo, as amêndoas cocas das amêndoas cocas de Santa Catarina?

Vou apenas citar um parágrafo fundamental que diz calmamente o que se deve fazer: “Neste trabalho pretendemos sensibilizar o público para a existência no Algarve de um património genético rico, o qual os algarvios devem salvaguardar. Assim, sempre que possível deve-se plantar amendoeiras de variedades regionais, pois a melhor forma de uma variedade se perpetuar é mantê-la em cultivo, sobretudo nesta espécie que tem uma longevidade relativamente pequena comparada com outras, como a oliveira ou a alfarrobeira.”

É uma riqueza imensa que está a desaparecer e que é preciso tratar com o respeito cultural e, sobretudo, comercial que merece.

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