Chineses do Montepio querem comprar negócio do petróleo da Gulbenkian
Se o acordo vier a ser fechado, é o segundo grande negócio da CEFC, depois dos seguros do grupo Montepio. Para a Gulbenkian, é uma viragem radical.
O gigante chinês da energia, a CEFC, poderá vir a ser o novo dono da Partex, a petrolífera da Fundação Calouste Gulbenkian, soube o PÚBLICO. Depois de ter anunciado no final do ano passado a compra dos seguros do grupo Montepio e a transferência para Portugal da sede dos seus negócios financeiros, a CEFC já tinha mostrado vontade de aumentar as suas operações no país e estar presente nos países africanos de língua portuguesa e no Brasil.
A administração da Fundação Gulbenkian emitiu nesta quinta-feira um comunicado em que anuncia esta viragem radical na sua história. Sem identificar a entidade compradora, afirma que se “encontra neste momento em processo de negociações com o grupo interessado” para a alienação da sua participação na Partex. A petrolífera, tradicionalmente com negócios de petróleo e gás especialmente no Médio Oriente participa também em concessões em Angola e no Brasil.
Caso se concretize o negócio, a instituição corta com uma parte fundamental das suas origens: o negócio do petróleo e a colecção de arte foram os dois grandes activos que Calouste Gulbenkian deixou à Fundação.
As negociações com a CEFC encontram-se em fase adiantada, ao que o PÚBLICO apurou. Fonte da fundação respondeu que “as negociações estão em curso, são complexas e estão naturalmente ao abrigo de um acordo de confidencialidade”.
A entidade actualmente presidida por Isabel Mota justifica que “tem vindo a equacionar a alienação dos investimentos nos combustíveis fósseis (que representaram cerca de 18% dos activos em 2017), tendo em conta uma nova matriz energética e os seus objectivos em prol da sustentabilidade, na linha do movimento internacional seguido por outras fundações”.
O negócio do petróleo e gás natural e as aplicações em mercados financeiros são as duas fontes de financiamento das actividades de filantropia da Fundação, que se tem esforçado por manter o valor do seu património que tende a cair. O mais recente que é conhecido, relativo a 2016, é de de 2530 milhões de euros.
Os últimos anos mostraram que em momentos de crise, o petróleo tem servido de almofada à volatilidade dos mercados, permitindo manter sem sobressaltos as actividades da Fundação. Mas a explicação oficial é a de que, saindo do petróleo, baixa o risco: “a gestão da carteira da FCG tem tido como principais preocupações a optimização do binómio rentabilidade/risco. Sendo a Partex o activo mais concentrado numa só indústria e sobretudo numa região, esta operação concorre também para este objectivo”.
Do lado da Partex, a que preside António Costa Silva, os últimos anos têm procurado reforçar o negócio do gás natural face ao petróleo, privilegiando o combustível que é visto como transição e de complemento com as energias renováveis, para um mix energético menos poluente.
Há alguns anos, porém, que a administração se inclina para o desinvestimento nesta área, especialmente desde o tempo de Artur Santos Silva na presidência, tendo começado por mudar o modelo de gestão das aplicações dando mais peso aos analistas financeiros. No relatório e contas que assinalou o seu último ano à frente da Gulbenkian, em 2016, o também ex-presidente do BPI acentuava o “desempenho satisfatório” da carteira de activos financeiros, ao mesmo tempo que apontava que nos cinco anos anteriores “a Partex atribuiu à Fundação, durante o período, cerca de 300 milhões de euros em dividendos, cerca de metade dos quais pagos com a transferência de activos relacionados com energias renováveis, mas gerou uma rentabilidade média anual negativa de 3,2%”.
A Gulbenkian não tem estado apenas vendedora das concessões de combustíveis fósseis. As energias renováveis de que Santos Silva falava são a participação de 25% no Fundo NovEnergia, que se dedica à energia eólica, solar e mini-hídrica na Europa, e que integrava as contas da Partex. O NovEnergia, de cuja posição a Gulbenkian está vendedora há dois anos, deverá ser alienado também a um grupo chinês.
Mas, adianta a mesma fonte, está “em aberto a hipótese de continuar a investir em energias renováveis”, valorizando o lançamento de “um novo Programa de Sustentabilidade para os próximos cinco anos em que os dois temas fundamentais são a Produção e o Consumo Sustentáveis e a economia azul”.
E o que diria Calouste Gulbenkian sobre este passo? “O testamento é omisso quanto a esta questão. A obrigação do Conselho de Administração é a filantropia e garantir a perpetuidade da Fundação. A decisão para iniciar estas negociações conta com o consenso total do Conselho”.