“É tudo gente doida: são todos malucos por orquídeas”
Investem tempo, dinheiro e adaptam as casas para albergar colecções de centenas de orquídeas. Viajam até lugares longínquos à procura de exemplares exóticos e para admirarem as condições em que estas plantas crescem e florescem. Do contacto com as orquídeas retiram “paz de espírito e tranquilidade”. Este é o Clube dos Orquidófilos.
É uma caracterização genérica que vem com sorriso e um tom carinhoso. “É tudo gente doida. São todos malucos por orquídeas.” Quem o diz é José Santos. E os “doidos” são os sócios do clube de que é presidente. O Clube dos Orquidófilos tem cinco anos e cerca de 260 sócios unidos pela mesma paixão: as orquídeas. Reúnem-se uma vez por mês nos workshops que José dirige na loja de jardinagem onde trabalha, a Jardins Sintra, juntam-se num piquenique anual para a assembleia geral, organizam passeios, exposições e viagens, e ainda lançam uma revista, três a quatro vezes por ano.
José Santos é de Vila Nova de Milfontes, mas vive em Lisboa. O interesse por orquídeas surgiu quando tinha apenas “dez ou 12 anos”, muito por causa de uma vizinha madeirense que foi morar para perto da sua casa. “Ela trazia orquídeas da Madeira e eu quando as vi achei-as algo completamente diferente. Sempre gostei das plantas mais exóticas e diferentes, fiquei deslumbrado com aquelas flores.” Hoje tem no seu apartamento em Benfica mais de 500 orquídeas, uns exemplares puros, outros híbridos (cruzamento de espécimes): “Tenho uma varanda e o terraço está tipo uma florestazinha tropical.”
As orquídeas habitam o imaginário popular há décadas. Na cultura, a orquídea negra foi protagonista no universo musical, literário e cinematográfico. Em 1973, uma personagem de nome Black Orchid (Orquídea Negra) sobrevoava Gotham City, ao lado de Batman. Seis anos depois, Stevie Wonder lançava uma canção com o mesmo nome. Porém, a primeira vez em que a orquídea negra foi a grande protagonista remonta ao ano de 1941 quando o escritor Rex Stout escrevia Black Orchids, um livro da saga policial protagonizada pelo detective Nero Wolfe. Além de detective, o personagem é orquidófilo e tem 20 mil orquídeas, elas próprias personagens dos livros, com as quais passa quatro horas diárias.
No entanto, tudo não passava da imaginação dos autores, uma vez que, segundo José Santos, a orquídea negra (Maxillaria schunkeana) só foi descoberta em 1993 pelo alemão Vital Schunk perto de Santa Leopoldina, no estado do Espírito Santo, Brasil.
A maior família botânica
Estamos no orquidário da Jardins Sintra e José Santos mostra a “famosa orquídea negra”. O preço marcado no pequeno vaso de plástico castanho é de 16 euros. “Esta é muito rara, é uma espécie da América do Sul”, diz, apontando para a pequena flor de cor vermelho-púrpura escuro. A planta tem apenas uma flor aberta e o tamanho pode equiparar-se à ponta de um dedo. No orquidário onde trabalha, há cerca de 300 plantas, pouco mais de uma centena de espécies, sendo os restantes exemplares híbridos. Muitos dos vasos não têm flor, restam as hastes e as folhas verdes. “Há orquídeas com floração muito curta, de dias, temos outras que demoram uns três meses em flor”, explica. Para isso, os vasos dispõem de uma fotografia para “as pessoas saberem qual é a flor”. A estação do ano actual, o Inverno, também é responsável pelo facto de o orquidário não estar repleto.
A família das orquídeas, Orchidaceae, “tem à volta de 28 mil espécies na natureza, sendo a maior família botânica existente no planeta. E estão sempre a descobrir espécies novas todos os anos”, conta José. Existem orquídeas em todos os continentes, menos na Antárctida. “A América do Sul, sobretudo na Colômbia e Equador, é o continente onde existe maior diversidade, por causa do clima e da sua grande variação. Na Ásia — Indonésia, Papua-Nova Guiné — há espécies muito esquisitas e diferentes. Já a Austrália tem orquídeas muito bonitas. E depois temos as europeias que são belas, mas muito pequeninas”, descreve o aficionado.
O que leva tantas pessoas a gostar de orquídeas? “Acho que é por ser uma planta exótica, misteriosa. E como são plantas epífitas — que vivem penduradas nas árvores e utilizam-nas como hospedeiro sem serem parasitas — são sempre especiais. Não se cultivam dentro de um vaso com terra, as que se cultivam dentro de um vaso têm, por exemplo, pedaços de cortiça.” Para além destas especificidades, as orquídeas “vêm de sítios misteriosos, como as florestas nebulosas da América do Sul, das montanhas dos Himalaias”. Para o presidente do Clube dos Orquidófilos, há “uma aura” que envolve estas plantas.
José Santos organiza viagens para os sócios que queiram ver de perto orquídeas em lugares remotos. “Primeiro íamos só à Europa, quando havia exposições ou ao congresso europeu de orquídeas organizado pelo European Orquich Council. Para lá das fronteiras europeias, já rumaram a Singapura, Malásia, Tailândia, Camboja, Costa Rica, Panamá e Equador. A “Green Trip” deste ano já está marcada para Madagáscar, um dos maiores produtores da planta da baunilha, que é uma orquídea. “É muito interessante ir aos habitats. Aqui, quase andamos com elas ao colo e lá elas estão penduradas numa árvore, ao vento e à chuva.”
Água a mais é, aliás, um dos principais problemas no cultivo das orquídeas. “Em Portugal são os Cymbidium que se dão melhor e podem ser cultivados no exterior. Nas plantas de interior são as Phalaenopsis, a orquídea mais famosa e que mais se vende a nível mundial.” A Tailândia cultiva para todo o mercado oriental e EUA, enquanto a Holanda é o principal fornecedor para a Europa. Nestes países, explica o orquidófilo, as estufas deram lugar às fábricas, “campos de futebol cheios de orquídeas iguais”, cultivadas por germinação in vitro. Ou seja, um processo controlado que resulta numa taxa de sucesso elevada, o que faz com que os preços das plantas sejam baixos, explica José Santos.
Hoje em dia as orquídeas são uma planta acessível devido ao cultivo intensivo. Mas nem sempre foi assim: “Houve uma altura em que algumas espécies tinham preços de uma casa. Hoje já temos orquídeas a sete ou oito euros. Algumas espécies muito específicas podem ir até aos 200 ou 300 euros”, revela o autor do livro A Paixão Pelas Orquídeas, sobre o cultivo destas plantas em Portugal.
O clube
É dia de workshop na Jardins Sintra e as pessoas que vão chegando ocupam os lugares sentados em frente ao projector montado do lado direito da loja. Ao fundo está o orquidário que se enche de sócios do clube.
Ina Dias vem de Oeiras e é umas das primeiras sócias. Usa um colar castanho com um pendente em forma de orquídea feito em filigrana de tom prateado e com uma pequena peça redonda e brilhante no centro. Colecciona orquídeas há oito anos e já conta mais de 300. “Adaptei a minha casa. Vivo num apartamento, fechei uma varanda e tentei criar o melhor clima possível”, conta. Tudo começou quando ia de férias ao Algarve e trazia Phalaenopsis. Assim que deixavam de dar flor, fazia o que muitas pessoas fazem, deitava-as fora. Até que alguém lhe disse para não fazer isso e esperar pelo ano seguinte, porque a planta haveria de florir de novo. Ina resolveu aprofundar o ciclo de vida destas plantas e encontrou o blogue Greenman, de José Santos. Depois de contactar o orquidófilo, percebeu que estava para breve uma exposição internacional destas plantas em Londres. Viajou com um grupo de oito pessoas e quando chegou à exposição ficou “de boca aberta ao ver a enorme variedade de orquídeas”.
Sissi Gonçalves também mora em Oeiras e é igualmente sócia do clube desde que este surgiu. A sua paixão por orquídeas começou quando era muito nova, quando via as revistas que o pai tinha trazido do Brasil. As orquídeas eram muito raras em Portugal: “Quando casei, já há 40 e tal anos, levei orquídeas no meu ramo de noiva. Foi muito difícil encontrá-las em Lisboa. Vinham da Madeira e eram raras, mas consegui encontrar numa florista que há na Rua Garrett.” Sissi tem perto de 200 orquídeas na sua casa, a maior parte na varanda e outras num “cantinho”, onde estão as mais sensíveis.
No workshop contam-se cerca de 70 participantes. Todos ouvem atentamente as explicações de José e aproveitam para tirar dúvidas ou ver os produtos que o orador mostra. Ao lado de alguns participantes estão vasos ou sacos com as orquídeas que no final vão ser dadas a José para serem observadas ou envasadas.
Maria do Céu é de Mafra e sempre nutriu uma paixão por flores — “quando não havia orquídeas, coleccionei cactos”. Quando começaram a aparecer as primeiras orquídeas, apaixonou-se e nunca mais parou. Perdeu a conta ao número destas plantas que tem, afirmando que “são muitas centenas”. É sócia do Clube dos Orquidófilos há três anos e nunca falha um workshop ou uma exposição. Se tiver algum problema, Maria do Céu diz que ele “acaba ali”, ao cuidar das suas plantas. E quantas horas passa na estufa? “Tardes, tardes inteiras. Todos os dias não, mas talvez dia sim, dia não.”
Já Maria Mafalda Scott tem as suas orquídeas bem contadas. Entre a estufa, o exterior e o interior da sua casa, há 228 exemplares. Faz um registo de cada uma e organiza-o num ficheiro digital, com todo o tipo de indicações. Para regar as 228 orquídeas, uma a uma, demora “à volta de cinco horas”. No Inverno são regadas de 15 em 15 dias e no Verão uma vez por semana.
Apesar de a maioria dos sócios presentes no encontro ser do sexo feminino, também há homens no clube, além do presidente. Luís Gonçalves é da Sertã e mora em Lisboa. A sua paixão por orquídeas começou há cerca de oito anos, quando a companheira lhe ofereceu uma Phalaenopsis, que ainda guarda na sua colecção de pouco mais de 200. Deste seu hobby, Luís retira “paz de espírito”. Para as regar, acorda mais cedo, “especialmente no Verão”, ritual que cumpre praticamente todos os dias.
Nuno Gama é o sócio número 27 do clube. Tem mais de 300 orquídeas num apartamento de 90 metros quadrados. “Na varanda e na sala e depois nos parapeitos das janelas, nos estores, penduradas, tudo tem orquídeas”, conta. Desta actividade retira “uma paz de espírito enorme — um escape”.