Prolongar ou atenuar desequilíbrios?
Sobre a saída do Reino Unido da UE e a recomposição do Parlamento Europeu.
A União Europeia não é, nunca foi, um processo de integração entre iguais. A relação de forças no seu seio, entre os 28 Estados-membros, é evidenciada em larga medida pela distribuição de votos no Conselho e pela distribuição de lugares no Parlamento Europeu — os dois órgãos co-legisladores da UE.
No Conselho, onde estão representados os governos dos 28, seis Estados dispõem de 70% dos votos — Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha e Polónia. Os outros 22, no seu conjunto, não vão além de 30% dos votos. Mesmo se a decisão exige normalmente uma maioria também de Estados, a desigualdade está bem patente.
Está bom de ver para quem é que o Tratado de Lisboa foi “porreiro, pá”. Ironicamente, o Tratado consagrou relações de poder que prejudicam particularmente os Estados de “média dimensão”, como Portugal.
Os seis “grandes” dispõem também de mais de metade dos lugares no Parlamento Europeu. Portugal, desde a adesão, foi perdendo peso relativo no Conselho e lugares no Parlamento Europeu. De 25 para os actuais 21 deputados, os sucessivos alargamentos corresponderam a sucessivas perdas.
A decisão de saída do Reino Unido da UE, e a consequente saída dos seus 73 deputados, criou uma situação nova: pela primeira vez, a discussão sobre a recomposição do Parlamento Europeu faz-se tendo como pano de fundo não um alargamento mas sim uma saída.
A proposta de recomposição aprovada pela Comissão dos Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, com os votos favoráveis dos deputados do PS e PSD, e que em breve será discutida e votada em plenário, tem como elementos essenciais:
– Uma significativa redução do número total de deputados, em cerca de meia centena;
– O aumento do número de deputados a eleger por Estados-membros de “maior dimensão” (França, Espanha e Itália), sob pretexto da sua sub-representação face à Alemanha, e por alguns Estados-membros de “média dimensão” (como a Holanda, a Suécia ou a Irlanda), a par da discriminação negativa de outros, como Portugal, que mantém o número actual de deputados, não vendo assim compensada nenhuma das suas perdas anteriores;
– A perspectiva de criação, a prazo, de um “círculo eleitoral comum” ao nível da UE, com as chamadas “listas transnacionais”.
Esta proposta representa uma cedência aos interesses das principais potências, prolongando o desequilíbrio de poder hoje existente. No âmbito desta discussão, os deputados do PCP no Parlamento Europeu propõem um caminho alternativo que consideram mais adequado:
– A manutenção do número actual de deputados (751), criando assim melhores condições para dar expressão à pluralidade de representação de cada país e, dessa forma, para uma mais genuína expressão da vontade de cada povo;
– Assegurar uma recomposição do Parlamento Europeu que não acentue ou prolongue o desequilíbrio de poder existente nas instituições da UE. Pelo contrário, esse desequilíbrio deve justificar uma redistribuição de mandatos que compense prioritariamente os Estados-membros que, como Portugal, tendo perdido deputados com os alargamentos, foram também mais prejudicados pela relação de forças fixada pelo Tratado de Lisboa. O respeito por este princípio permitirá a recuperação dos quatro deputados perdidos por Portugal, que passaria a contar com 25;
– A rejeição das chamadas “listas transnacionais”, uma criação artificial, que nada tem a ver com a realidade europeia e que não contribui para a necessária construção de uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos.
Estas propostas, longe de corresponderem ao conjunto de alterações necessárias, de um ponto de vista institucional, para assegurar o princípio da igualdade entre Estados e corrigir os gravosos desequilíbrios hoje existentes, visam assegurar um compromisso político que garanta, no quadro da regra da proporcionalidade degressiva e do princípio de que nenhum Estado perderá deputados, uma justa compensação de Estados-membros como Portugal.
Sem ignorar dificuldades, a força destas propostas reside na sua justeza. Esta é uma daquelas (poucas) decisões que ainda exige unanimidade no Conselho, razão pela qual o Governo português terá aqui uma palavra decisiva.