População global: a Europa encolhe
A Europa declina e luta para evitar implodir, mas a maior parte do mundo cresce com uma pujança fulgurante.
Nas últimas seis décadas, a população da Ásia triplicou. Nos próximos 35 anos, a população africana duplicará, enquanto a Europa verá a sua população decrescer. A Europa, que controlava grande parte do mundo no início do século passado, representará menos de 6% da população global no final deste século. A União Europeia, que se autodenomina como “A Europa” mas que contém menos de metade da área da Europa e apenas dois terços da sua população, apenas representará 4% da população global no final do presente século. Em 1950, a população da Europa era tripla da da África Subsaariana, mas em 2100 os africanos dessa região serão cinco vezes mais que os europeus.
A quase totalidade do crescimento demográfico mundial das próximas décadas ocorrerá nos países em desenvolvimento. Este facto poderia ser apenas moderadamente relevante se não sucedesse também que, simultaneamente, a taxa de crescimento económico nos países em desenvolvimento será muito superior ao da Europa. O resultado conjunto destas duas tendências será devastador para a proeminência europeia que Bruxelas ainda supõe que existe.
Uma população mundial muito maior obviamente representa um número impressionante de novos consumidores de recursos. No entanto, a crescente pressão do consumo global é muito superior à que decorreria simplesmente de um maior número de seres humanos. De facto, os impressionantes ritmos de crescimento económico nas nações em desenvolvimento induzirão no conjunto desses países uma acrescida prosperidade, modernização, maior qualidade de vida e maior poder de compra. Por outras palavras, a população mundial, em particular a das nações em desenvolvimento, não cresce simplesmente; o consumo per capita aumentará intensamente. O resultado será uma fortíssima aceleração da pressão sobre os recursos do planeta, desde a expansão das áreas aráveis e da exploração dos oceanos até ao consumo de energia, água e recursos minerais.
Existe um risco muito real de se registarem graves guerras regionais e globais ao longo deste século, em consequência da luta pelo controle daquele tipo de recursos essenciais para a vida de cada comunidade. Contudo, também é importante desdramatizar algumas perceções neste contexto.
A evolução tecnológica tem sido revolucionária e sê-lo-á ainda mais nas próximas décadas, criando novas soluções e novas metodologias. Foi essa progressão da tecnologia que, apesar de tudo, nos permite atualmente sobreviver razoavelmente num planeta com mais de sete mil milhões de pessoas. Há 200 anos, a população mundial era um sétimo do número atual e, se a tecnologia não tivesse evoluído desde então, a população global que hoje ostentamos não teria sobrevivido com a tecnologia dessa altura. A evolução tecnológica acumulada nestes dois séculos permitiu que a produtividade de cada ser humano tenha aumentado enormemente. A produção per capita neste período aumentou cerca de 1100%. É isso, essencialmente, que hoje permite à Humanidade sobreviver com os recursos disponíveis. Esta evolução tecnológica acelerará com os anos e permitirá novas vias para fazer mais, consumindo menos recursos, num contexto de crescimento demográfico que continuará, mas em desaceleração. Apesar de tudo, existirão riscos importantes de grave vulnerabilidade. A excessiva exploração dos oceanos é um desses casos e a produção de alimentos induzirá períodos e riscos muitíssimo preocupantes, num planeta onde mil milhões de seres humanos já se confrontam com fome grave.
A água, da qual dois terços são usados na agricultura, irá escassear em algumas regiões do mundo. Uma população mundial de 11 mil milhões, que será atingida no final deste século, não poderia viver com os níveis de consumo energético que hoje exercemos. Mas, como sucedeu no passado, também no futuro muito se progredirá no que se refere a conservação e eficiência energéticas e a novas tecnologias de produção de energia. Aquele nível de 11 mil milhões de indivíduos também seria insustentável no plano da alimentação se presumirmos as tecnologias atuais de produção de alimentos e os nossos atuais padrões de consumo no mundo mais desenvolvido, para o qual tenderão a entrar os países hoje em desenvolvimento. Na próxima década entrarão na classe média mundial (a grande consumidora) mais de mil milhões de novos consumidores nas nações emergentes. A biotecnologia e a genética serão fulcrais para a sobrevivência da Humanidade e para evitar graves guerras pelo acesso a alimentos.
A geografia do consumo de recursos mudará ao longo das próximas décadas, deslocando-se gradualmente da Europa, da América do Norte e do Japão para as nações em desenvolvimento. A Europa declina e luta para evitar implodir, mas a maior parte do mundo cresce com uma pujança fulgurante.
Nas próximas décadas, os fatores atrás sublinhados conferirão às nações agora em desenvolvimento um poder financeiro, político e militar que não detinham no passado. Será um novo mundo, com uma nova correlação de poderes, com novos atores que possuem diferentes visões do mundo, dos valores e do indivíduo. Será um mundo mais complexo em que a Europa será cada vez mais minoritária em população, em poder de produção, em força de consumo, em capacidade financeira e em influência política. O narcisismo míope dos discursos mais “europeístas” contribui para um estado de negação das realidades que, afinal, poderá constituir uma das maiores ameaças para o futuro europeu, porque agora acreditamos em dogmas em lugar de construirmos outras estratégias mais inteligentes. Contrariamente ao que sucedeu ao longo de séculos, o mundo não estará a crescer à imagem do Ocidente. O mundo está a crescer, quantitativa e qualitativamente, mas fora da Europa e dos seus parâmetros.
Enquanto nos distraímos com as irrelevâncias que cada político ou “personalidade” produz diariamente, terão os cidadãos, os empresários e os políticos europeus consciência daquilo que a atual e as futuras gerações terão que enfrentar? Terão os nossos jovens a perceção de que no mundo atual existem quase dois mil milhões de jovens e crianças com menos de 15 anos, que essencialmente crescem nas nações emergentes mas com os quais os nossos jovens terão que competir? Não compreendem os portugueses que, muitíssimo para além do problema do défice e da dívida nos próximos anos, faltam a Portugal e à Europa uma visão estratégica do futuro, uma estratégia e ideias inteligentes e diferentes para confrontar um mundo que cresce e muda radicalmente?
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico