A urgência de reconstruir o universo Montepio
É preciso reconstruir o Montepio - e começar agora. Com cuidado, para a casa não cair, mas sem começar as obras pelo telhado. Antes que seja tarde de mais.
Foi a 3 de Janeiro. Mais uma vez, um ano depois, o Conselho Nacional de Supervisão Financeira deixou um aviso ao Ministério das Finanças: é preciso rever o enquadramento legal da Associação Mutualista Montepio Geral. A preocupação pode ser explicada em linguagem financeira: há uma falha grave na supervisão sobre a venda dos produtos financeiros da Mutualista aos balcões do Montepio Geral. Mas também pode ser dita de maneira compreensível para todos: o Montepio pode estar a fazer o mesmo que o BES fez. E ninguém parece importar-se.
Mas devia. Devia porque há um risco de que a venda destes produtos esteja a ser feita de forma pouco clara, como se se tratassem de simples depósitos bancários. Não são e ninguém o diz — como o PÚBLICO esta semana confirmou. Comprando gato por lebre, lá passa o risco para quem compra: se houver um problema na dona do Montepio, estes produtos não estão cobertos pelo Estado. E o cliente perde o dinheiro.
Sim, o caso exige há muito tempo intervenção do Estado português. Desde logo do Governo, que é quem supervisiona a Mutualista (sem meios nem conhecimento técnico na Segurança Social para o fazer em segurança).
Mas já vão quase cinco anos de avisos, sem que ninguém tenha feito o que é preciso. Passos Coelho começou a preparar um sistema de supervisão para as associações mutualistas, mas deixou-o na gaveta por divisões internas. Este Governo há dois anos que o promete — sem que nada aconteça. Ontem, no Parlamento, o ministro Vieira da Silva reconheceu o atraso. E prometeu já ter um projecto pronto para levar a Conselho de Ministros. Chega tarde, mas é urgente.
A verdade é gato escondido com rabo de fora. No Governo, como no Banco de Portugal, todos sabem que o risco de mexer no Montepio e na Mutualista é o de matar o paciente com o remédio. Dito de outra forma: aplicar à associação Mutualista as regras dos seguros poderia criar um buraco nas contas que rebentava com a instituição de uma só vez. Mas ficar de braços cruzados não é solução. E cada ano de crescimento do país é um ano desperdiçado no processo de “normalização” do Montepio.
O risco adensa-se a cada ano que passa. Como lhe contamos na edição de hoje, a pressão sobre o banco para que venda produtos da Mutualista subiu. E em cima disto está a entrada da Santa Casa no capital do Montepio. E as dificuldades que a Mutualista está a levantar ao auditor para que as suas contas sejam avaliadas antes da decisão final.
Dito tudo isto, é preciso reconstruir o Montepio — e começar agora. Com cuidado, para a casa não cair, mas sem começar as obras pelo telhado. Antes que seja tarde de mais.