Zero aguarda que Governo corrija “manipulação grosseira” dos dados de reciclagem

Governo garante estar a seguir metodologia europeia, mas é acusado de dar como recicladas cerca de 269 mil toneladas de lixo que foram para aterro em 2016.

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Associação diz que lixo dado como reciclado foi parar ao aterro Fernando Veludo/NFACTOS

Portugal reciclou 38% dos resíduos urbanos em 2016, como se pode ler no Relatório do Estado do Ambiente recém-publicado? A associação Zero – Sistema Terrestre Sustentável diz que essa taxa não passou dos 30% e acusa o Governo de ter empolado os números para dar ideia de que Portugal está bem encaminhado para atingir a meta de 50% de lixo reciclado em 2020 inscrita no Plano Estratégico de Gestão de Resíduos (PERSU). Segundo a Zero, um quinto dos resíduos dados como reciclados em 2016 foi parar a aterro, e nunca deveria ter entrado nas contas, numa “manipulação grosseira” que, se não for corrigida, dará lugar a uma queixa à Comissão Europeia.

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O secretário de Estado do Ambiente e a Zero não se entendem quanto aos números da reciclagem de resíduos urbanos em Portugal. Os ambientalistas acusam a tutela de ter dado ordens à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para contabilizar como reciclados cerca de um quinto das quase 1299 mil toneladas de lixos que, segundo o Relatório do Estado do Ambiente, já disponível online, tiveram esse destino em 2016, quando, argumenta a Zero, essas 269 mil toneladas acabaram em aterros e, por isso, não podiam ter contabilizadas.

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O Governo garante que a metodologia de cálculo dos resíduos reciclados segue as orientações europeias. “Os valores apurados pela APA correspondem a informação prestada pelos sistemas intermunicipais e multimunicipais. A metodologia de cálculo utilizada para o Relatório do Estado do Ambiente observa os critérios seguidos em anos anteriores, única forma objectiva de proceder a uma comparação e uma trajectória de evolução do país nessa matéria e em consonância com o previsto no PERSU 2020”, lê-se num esclarecimento enviado ao PÚBLICO pelo gabinete de imprensa do ministério.

Mas a Zero diz precisamente o contrário e explicou-o numa carta enviada ao secretário de Estado Carlos Martins e assinada pelo presidente da associação, Francisco Ferreira. A carta tem a data de 12 de Janeiro, e Rui Berkemeyer, o porta-voz da Zero para esta área, estranhou que o governante tivesse afirmado, esta terça-feira, à TSF, não conhecer o método seguido pelos ambientalistas para chegar a este resultado discrepante. “Se não sabe é porque não leu, porque o e-mail foi-lhe enviado na segunda-feira”, afirmou este especialista da área dos resíduos.

Na carta enviada a Carlos Martins, e a que o PÚBLICO teve acesso, a Zero cita excertos da decisão da Comissão Europeia de 18 de Novembro de 2011, que estabelece as regras e métodos de cálculo para verificar o cumprimento dos objectivos de reciclagem e reutilização de resíduos. É com base neste documento que a associação diz ter chegado às discrepâncias que denuncia.

Nesta decisão, explicam, é referido que “o peso dos resíduos reciclados (...) deve ser determinado através do cálculo das entradas de resíduos na reciclagem final” e que “uma operação de preparação efectuada antes do envio dos resíduos para uma operação de valorização ou eliminação não constitui reciclagem final”. Por isso, acrescentam, “dos resíduos orgânicos que passarem numa operação de preparação, como o tratamento mecânico (TM), só devem ser contabilizados os que entrarem na operação de reciclagem final, ou seja os que entrarem efectivamente na valorização orgânica”.

Ora, denuncia a Zero, o Ministério do Ambiente está a contar como reciclados, “resíduos biodegradáveis que sofreram tratamento mecânico mas que depois não foram encaminhados para tratamento biológico, mas sim enviados para aterro ou incineração, tendo por esse motivo pago taxa de gestão de resíduo (TGR) da ordem dos 1,7 milhões de euros”. No fundo, acusa a associação, o Governo “obteve o melhor de dois mundos: recebeu a receita da TGR (…) e, em simultâneo, contabilizou os mesmos resíduos como reciclados para poder apresentar um melhor desempenho ambiental”.

Para Rui Berkemeyer, esta opção do Governo esconde “o colapso” da gestão de resíduos em Portugal, país que, agindo desta forma, dificilmente cumprirá as metas em 2020, assinala. E o problema, acrescenta, é que ao tentar disfarçar os problemas, a tutela dá aos sistemas de gestão de resíduos, e aos próprios cidadãos, um sinal errado, no sentido de que está tudo a correr bem. O país vai rever até meados deste ano o PERSU, e Berkemeyer avisa que quando a Comissão Europeia apenas permitir que seja utilizada pelos Estados-membros a fórmula de cálculo mais exigente contida na decisão de 2011, a situação relativa de Portugal vai ser pior ainda.

O Governo admite que “a nova Directiva Europeia sobre Resíduos terá uma densificação sobre os critérios de cálculo e reporte de informação aos organismos europeus” que pode levar a “eventuais mudanças sobre metodologias de cálculo”. A tutela explica que recentemente foi criado um grupo de trabalho para a revisão do PERSU 2020 no qual, assume “a matéria de metas e de metodologias de cálculo associadas poderá vir a ser analisada, sendo de admitir que as recomendações que venham a ser feitas possam conduzir a alterações, sempre alinhadas com as orientações europeias”.

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