Ministério da Saúde vai negociar combate ao excesso de sal com a indústria

Imposto caiu mas Governo avalia novas formas de combater excesso de sal. As negociações com representantes da indústria e distribuição vão avançar “muito em breve”.

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Rui Gaudêncio

Há outra forma de combater o excesso de sal na dieta dos portugueses que não passe pela aprovação de um imposto em alguns produtos? O assunto estará a ser estudado pelo Ministério da Saúde, depois de a medida sobre a taxa sobre o sal, proposta pelo Governo no Orçamento do Estado (OE) para 2018, ter sido eliminada por iniciativa do CDS-PP. Apesar de não querer avançar, para já, com nenhuma proposta alternativa concreta, parece claro que a luta contra o excesso de sal vai continuar.

Ainda não se sabe muito bem como nem quando, mas a questão do sal vai voltar à mesa do debate político. “O Ministério da Saúde irá iniciar muito em breve a negociação com os sectores da indústria e distribuição, com vista à reformulação dos produtos com excesso de sal”, adiantou esta segunda-feira ao PÚBLICO fonte do gabinete de comunicação do ministério.

Em Novembro de 2017, a medida do Governo que previa um novo imposto sobre produtos como bolachas, biscoitos, batatas fritas e flocos de cereais com excesso de sal, acabou por ser eliminada do OE para 2018. A proposta de eliminação deste artigo foi apresentada pelo CDS-PP e foi aprovada com os votos a favor do PSD e do CDS-PP e com a abstenção do PCP (o PS e o BE votaram contra). Na altura, os centristas argumentaram que a medida apenas serviria para arrecadar mais receita e que a via fiscal não é a melhor forma de promover a adopção de um estilo de vida saudável. O Governo calculou que o novo imposto pudesse render algo como 30 milhões de euros que, referiam, teriam como destino o Serviço Nacional de Saúde, especificamente “para a prossecução dos programas para a promoção da saúde e para a prevenção da doença”.

Do debate no final do ano passado sobrou apenas a proposta do PCP, que foi aprovada por unanimidade, para que, em 2018, o Governo aprove um “plano de metas de redução da quantidade de açúcar, sal e ácidos gordos trans [um tipo especial de gordura] presentes nos alimentos embalados e refeições pré-confeccionadas ou fornecidas em refeitório até 2020”.

O exemplo do açúcar

A eliminação da taxa sobre o sal não foi uma boa notícia para muitos especialistas. Quatro dias antes, o ex-director-geral da Saúde, Francisco George, assinava um artigo de opinião no PÚBLICO como médico especialista em saúde pública com o título “Inadiável reduzir sal”. “Está cientificamente demonstrada a relação causal, em cascata, do excesso de sal na alimentação, que leva a aumento de pressão nas artérias e que, por sua vez, ‘cansa’ o coração na sua missão de ‘bomba’ para fazer circular o sangue a todas as células do corpo”, argumentava. Pedindo o envolvimento de todos – “cidadãos, famílias, sociedade civil, titulares de cargos políticos, através de todos os meios” –, Francisco George concluía ainda: “Compreende-se assim que haja necessidade de explorar todos os mecanismos capazes de conduzirem a este objectivo da sociedade em reduzir o excesso de sal nos alimentos. Todos.”

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o consumo máximo de cinco gramas de sal (o equivalente a uma colher de chá rasa) por dia para um adulto e três gramas para uma criança. Em Portugal, com uma média de consumo diária entre os 8 e 10 gramas de sal, há mais de três milhões de pessoas afectadas pela hipertensão arterial.     

Já depois de sabermos que o imposto não ia avançar, o director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável lamentou esta decisão. Agora que a medida não foi “a mal”, talvez possa ir “a bem”, admite Pedro Graça ao PÚBLICO, considerando que a taxa poderia ter ajudado a “acelerar um processo de reformulação da indústria”. “Vejo duas possibilidades, uma delas passa por melhorar a capacidade de o Estado comunicar os riscos deste consumo excessivo. Ainda há muita displicência dos portugueses em relação aos riscos do sal”, considera. A outra saída (que deverá coexistir com a melhoria de comunicação) é, diz Pedro Graça, “estabelecer acordos com a indústria, pedindo-lhes que fomentem uma auto-regulação, com uma meta definida, aceitando o envolvimento de um observador externo e independente que deverá avaliar se o compromisso está a ser cumprido”.

Aliás, Pedro Graça lembra que a 29 de Dezembro foi publicado o despacho que aprovou a Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável. E o tema do sal está espalhado por todo o documento, nos vários “eixos estratégicos”. Desde “monitorizar o teor de sal” de uma longa lista de alimentos – pão e cereais de pequeno-almoço, carnes e derivados de carne, refeições prontas a consumir, batatas fritas e outros snacks, molhos, sopas prontas a consumir, queijos e conservas de peixe e refeições produzidas pela restauração (sopa e prato de refeição) – até “incentivar a retirada de saleiros das mesas em estabelecimentos de restauração colectiva, propondo que os saleiros sejam dispensados apenas por solicitação explícita do cliente”. No documento lê-se ainda que o objectivo é “fazer com que o consumo de sal per capita se aproxime de cinco gramas por dia em 2020”.

No caso dos refrigerantes, os resultados da taxa sobre as bebidas açucaradas surgiram pouco tempo depois da entrada em vigor da medida, em Fevereiro de 2017, com a divulgação de dados preliminares. Passado quase um ano, “ainda não há dados definitivos relativos ao impacto da taxa sobre o açúcar”. “De qualquer forma, é de sublinhar o elevado sucesso da mesma, com uma redução substantiva do consumo das bebidas com mais elevado teor de açúcar, fruto da reformulação dos produtos pela indústria e eventual transferência do consumo pelos cidadãos para as bebidas menos açucaradas”, adianta o gabinete de comunicação do Ministério da Saúde. Sobre a mesma questão, a mesma fonte refere ainda que a medida “terá provocado a redução do consumo de cerca de 5000 toneladas de açúcar pelos portugueses em 2017”, de acordo com as estimativas. E conclui: “Trata-se de uma matéria que há pouco tempo foi fortemente elogiada pela OMS e que está a ser seguida pela Comissão Europeia como exemplo europeu de boas práticas.” Agora falta o sal. 

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