O centro e o “centrão”
Uma vitória de Rui Rio seria sempre uma vitória de António Costa, pois a posição de Rio funciona como uma espécie de primárias no PSD onde o PS também intervém e pode indirectamente votar.
Ontem um militante explicou-me porque apoiava Rui Rio. Referia-me que este foi fundamental “ao enfrentar o Pinto da Costa” e “travar a hegemonia do FC Porto!”, revelando aqui um surpreendente consolo clubístico. Por vezes os candidatos podem viver alheados das razões por que são apoiados mas no fundo sabem que vivem de uma percepção da imagem e de uma certa representação mimetizada colectivamente. Há quem explore isso até ao tutano, de pessoas simples como o João Mendonça a intelectuais como Pacheco Pereira. Só muda a narrativa.
Nessa representação, Rui Rio pouco lhe interessava ter um nível elevado de exposição que pudesse destruir essa síntese de pessoa altamente credível que pôs as contas e os poderosos do Porto na ordem. Isso justifica toda a sua teimosia em detalhar propostas e em querer debater. Por outro lado, Pedro Santana Lopes seria aprisionado não na discussão das suas ideias para futuro, mas numa espécie de cápsula do tempo, onde os portugueses seriam convidados a entrar e a confrontarem-se apenas com a sua curtíssima experiência governativa de 2004. Esta outra representação serviria para impedir que os militantes pudessem comparar os candidatos em presença: de um lado um poço de credibilidade atestada apenas pelo resumo de uma vida autárquica numa única função. Esses 12 anos serviriam in illo tempore para conservar Rui Rio como um possível líder. E do outro, um candidato cujo passado recente seria totalmente substituído por simples frames de 2004, trocando-se 35 anos de vida pública e de concretizações com bastante notoriedade e brilhantismo por cinco meses de uma experiência governativa.
Esta estratégia intencionalmente incidental, reforçada no seu último capítulo a partir da “quadratura do círculo”, veio abrir caminho a um neo-bloco central por Rui Rio. Primeiro, o ensaio desta estratégia só poderia ser bem sucedido com uma utilização da argumentação socialista. Rio teria que atravessar para o lado socialista e desenterrar a argumentação de toda a campanha socrática de inícios de 2005. Trouxe-nos de lá a ideia de que Jorge Sampaio tinha razão e a repetição das trapalhadas que tanto os socialistas exploraram. Os próprios o teriam esquecido, não fosse o próprio Costa ter reconduzido Santana pelo seu mérito de gestão inquestionável na provedoria da Santa Casa e o PSD o ter qualificado com o melhor candidato para Lisboa em 2017. Tudo isto foi praticamente ontem, não há 14 anos. Atravessado no caminho de Rui Rio, Pedro Santana Lopes teria que ser combatido com armas de socialistas acabando por colocar Rio a falar mais do PS do que de propostas para o PSD. Ou melhor, a falar de um futuro com o PS em vez de convencer os portugueses de que o futuro do país passa pelo PSD.
Alguns dirão que se deveu menos a uma acção concertada e que esta direcção rumo a uma aproximação do PSD ao PS da parte de Rui Rio se explica na desorientação de “Lisboa” que o próprio apelidou de “corte”. Só um candidato perfeitamente perdido proporia na recta final uma cripto-aliança com os socialistas sob o argumento da estabilidade governativa, depois de nada dizer na sua moção. Este homem que alguns acham que só fala para o país, inventou esta tese de que o melhor para o partido é uma certa proximidade ao PS suspendendo aqui a história do partido acabando a construir o maior fosso dentro do PSD desde o Congresso da Figueira da Foz que trouxe a Nova Esperança para o poder.
Um verdadeiro líder mobiliza para a vitória e não se centra na derrota e face a isto alguns apoiantes de Rio terão começado a duvidar se o próprio quer mesmo ganhar as eleições no PSD ao insistir nesta direcção. Faz sentido. Luis Montenegro, perante um teatro a abarrotar no apoio a Santana Lopes no distrito de onde provêm o director de campanha de Rio, falou em lógica “suicidária” e muitas pessoas nos pediram para travar esta autêntica loucura.
Interessa menos o argumento de que o PS nunca viabilizou no passado qualquer Governo minoritário do PSD. O grave da situação é sentir que um candidato a líder já está a assumir um ano e meio antes das eleições legislativas qual será o seu apoio, ainda mesmo sem conhecer os resultados. Por que razão os eleitores irão preferir o PSD se já sabem que o PS terá o apoio do PSD? Rio quer fazer-nos convencer que está a fazer um grande bem a Portugal porque assim retirará da base de apoio do Governo o BE e o PCP. Este pensamento além de ser discutível democraticamente, pois qualquer coligação parlamentar é constitucional e legítima, não tem correspondência política alguma pois a liderança socialista escolheu, enquanto Costa for líder do PS o seu campo de alianças preferencial. A atitude de Rio é por isso uma oferta inconsequente, uma prenda de Reis a Costa sem este a pedir e as eleições do PSD uma nova oportunidade para o PS, caso Pedro Santana Lopes não tenha a maioria para travar isto.
O argumento de que o PSD já apoiou três vezes governos minoritários do PS não colhe, pois a grande diferença é que nunca qualquer líder do PSD anunciou previamente à eleição essa posição. O que é natural é reagir em função do resultado e do contexto concreto. Porque se terá apressado a falar em Bloco Central e já em viabilização pré-eleitoral? Das duas uma: ou por pura desorientação na “corte” ou é uma tentativa de marcar terreno dizendo com este argumento que precisa de mais tempo e que o PSD não lhe pode exigir uma vitória em 2019?
Enquanto Pedro Santana Lopes afirmou com clareza e expressou na sua moção a recusa de um Bloco Central antes ou depois da eleição, Rio nada disse para depois tudo dizer, talvez mais do que alguma vez poderíamos aceitar. Percebemos melhor agora que para si, afinal, o centro político é isto: levar o PSD para próximo do PS e aproximar o PS ao PSD para evitar uma "geringonça".
Com esta estratégia Rio revela que não fala para o país, pois prefere manter-se na órbita do poder, mesmo que o PSD passe a ser um partido secundário, um atrelado do PS. Infelizmente não percebe que a grande vantagem do nosso sistema proporcional é precisamente a geração de várias combinações possíveis de maiorias parlamentares, mas é fundamental preservar no regime dois partidos que ao disputarem o grande centro no eleitorado compitam entre si e garantam a existência de alternância no regime. Rio confunde o centro com o “centrão” pois o centro apresenta uma via de centro-esquerda e uma via de centro-direita, que Rio abomina; o "centrão" junta os dois maiores partidos o que pode e certamente abrirá a porta ao crescimento dos partidos mais pequenos que ocuparão, no caso, o BE à esquerda ou o PP à direita, o papel de oposicão e de alternativa nas políticas, ou até mesmo abrir com sucesso outra porta a movimentos e a futuros partidos “populistas” ou estes não fossem realidade já em 14 dos 22 governos europeus.
Rio colocou já o PSD numa posição de tamanha fragilidade a ponto de só poder ser evitada com uma grande derrota hoje nas urnas. Uma vitória de Rui Rio seria sempre uma vitória de António Costa, pois a posição de Rio funciona como uma espécie de primárias no PSD onde o PS também intervém e pode indirectamente votar ao verificarmos a existência de um lado que simpatiza com Costa e lhe assegurou já a sua manutenção no poder. Costa que foi derrotado em 2015 por Passos Coelho ganharia agora as eleições internas no PSD e asseguraria já uma vitória antecipada e só os militantes podem travar isso. A disponibilidade de Pedro Santana Lopes veio a revelar-se mais preciosa do que muitos imaginariam.