Fernando Pinto, o gestor que resistiu a tudo até à privatização da TAP
Chegou à transportadora área em 2000 para negociar com Swissair, num processo de pouca duração. Agora, 17 anos depois, despede-se do cargo com a sensação de "missão cumprida".
A chegada de Fernando Pinto a Lisboa, a 19 de Outubro de 2000, teve honras de notícia por parte do Diário Económico. Afinal, não era todos os dias que um gestor profissional, de nacionalidade brasileira, vinha com uma equipa de fora para liderar uma das mais emblemáticas empresas públicas, em processo de privatização.
Para a comissão de trabalhadores (CT) de então, o caso enquadrava-se na “vergonha nacional” que se passava com a transportadora aérea. “Coloca-se à frente da TAP um administrador que foi despedido da Varig [da qual saiu em ruptura]”, acusava a CT.
Fernando Pinto era mesmo classificado como o homem dos suíços, numa alusão à Swissair, escolhida em 1998 para ficar uma fatia do capital à TAP. A sua missão, para a qual foi convidado pelo ministro socialista Jorge Coelho, era fechar a venda mas, poucos meses depois, a empresa suíça caiu por terra. A partir daqui, a privatização ficou como a missão por cumprir de Fernando Pinto (até há pouco tempo).
Aliás, dos 17 anos que cumpriu à frente dos destinos da TAP, como administrador-delegado, presidente do conselho de administração ou presidente executivo, o gestor separa esse ciclo da sua vida profissional em dois momentos, em que o primeiro, formado por quinze anos, foi o da “sobrevivência da empresa”. Isto por causa da falta de financiamento, até porque a partir de determinada altura o Estado deixou de poder apoiar a empresa devido às regras de concorrência europeias.
Quinze anos "de sobrevivência"
Na carta de despedida que mandou esta quinta-feira aos trabalhadores do grupo TAP a oficializar a sua saída da liderança da empresa, Fernando Pinto faz a sua análise desse período: “Foram 15 anos de sobrevivência. Sobreviver à falta absoluta de capital, às imensas flutuações cambiais, à reestruturação da frota e por fim à chegada das low cost”.
O caminho foi crescer fora de fronteiras, com mais rotas no Brasil, África e Europa, e “tirar partido da posição geográfica do hub de Lisboa”. “Tornámo-nos então na companhia aérea líder nas ligações entre a Europa e o Brasil”, diz o gestor, que vai ser substituído no cargo por Antonoaldo Neves, administrador executivo da TAP desde Julho e ex-presidente executivo da Azul (criada por Neeleman, accionista da TAP).
Pelo meio, Fernando Pinto, hoje com 68 anos e fã de aviões (é piloto privado, de planadores e ultraleves), não deixou de ir às compras, e em 2006 comprou a Portugália ao Grupo Espírito Santo (GES). Na mesma altura assegurou também o controlo da Varig Manutenção e Engenharia (VEM), num negócio que ainda hoje causa polémica pelos prejuízos que a empresa tem acarretado para o grupo.
A compra envolveu a Geocapital, de Stanley Ho e Ferro Ribeiro -- que saiu do processo quando a Varig deixou de estar no tabuleiro -- e um dos seus gestores, Diogo Lacerda Machado. Este último, nomeado para a administração da TAP pelo Governo, veio recentemente a terreiro defender o negócio, afirmando que a Geocapital nada ganhou no processo e que foi a compra da VEM que permitiu à TAP crescer n Brasil (além, diz, do potencial futuro da VEM).
Mesmo assim, o negócio foi alvo de investigação por parte da Procuradoria-Geral da República, e Fernando Pinto chamado para depor na PJ. Isto sem consequências até hoje, e com o gestor, como afirmou em Outubro de 2014, de “consciência tranquila”.
Um novo ciclo
Entre altos e baixos, e já depois de ser conhecido pela sua capacidade de serenar os ânimos dos trabalhadores, o gestor tem em 2009 um ano negro em termos financeiros, com o grupo a registar um prejuízo histórico de perto de 290 milhões de euros.
Dois anos depois, a entrada da troika de credores em Portugal e o Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho dão um novo impulso à privatização, mas Fernando Pinto vê a venda a Gérman Efromovich derrapar à última da hora, no final de 2012, por falta de condições.
A missão inicial do gestor voltava à estaca zero e o cenário ia agravar-se, com greves que tiveram efeitos adversos nas contas. Finalmente, em 2015, Fernando Pinto assiste à privatização da empresa, com o executivo a vender 61% do capital ao consórcio Atlantic Gateway, de Humberto Pedrosa e David Neeleman.
O processo teve depois vários acertos, e a entrada em cena do executivo PS conduziu a mudanças, com o Estado a assegurar 50% do capital social (mas direitos económicos pouco expressivos). Era um novo marco para o gestor de origem brasileira que se manteve no cargo, depois de ter resistido a greves e contestações, a mudanças partidárias e de governos, estratégias de governação corporativa (teve um duro embate com Cardoso e Cunha quanto este era presidente do conselho de administração) e a várias conjunturas económicas.
Se Fernando Pinto não foi o gestor que esteve mais anos à frente de uma empresa pública deste 1974, está certamente no topo do ranking, o mesmo se passando para o tempo que esteve enquanto presidente de uma companhia área na actualidade.
“A TAP é hoje três vezes maior do que quando eu aqui cheguei e cresceu muito também neste dois anos de privatização”, diz o gestor na carta que enviou hoje aos trabalhadores. A abertura do capital, diz Fernando Pinto, “permitiu iniciar um novo ciclo”. “A meta que tinha imposto a mim e à minha equipa foi finalmente atingida. Era vital para a empresa, como se pode comprovar hoje, após este período de resultados extremamente positivos”, sublinha.
Para já, ainda não se sabe se o grupo conseguiu ter resultados líquidos positivos em 2017 (a última vez que tal aconteceu há 10 anos), mas a TAP transportou 14.274 mil passageiros no ano passado, o que representa uma subida de 21,7% face a 2016, e há novos aviões a caminho.
“O meu sentimento hoje é de absoluta realização profissional e pessoal. De missão cumprida. A empresa está no bom caminho e sinto-me plenamente realizado”, frisou o gestor no momento da sua despedida da liderança. O processo, no entanto, não será de separação total, já que Fernando Pinto ficará ligado à TAP pelo menos durante mais dois anos como assessor, prestando serviços de consultoria à empresa onde aterrou em Outubro de 2000.