Sempre houve um toque de Midas por aqui. Nas águas pouco profundas, já salgadas, mas ainda distantes da revolta do Atlântico. Nos areais (cada vez mais) intermináveis, no passado e num futuro que começa a desenhar-se de forma a poder atrair quem gosta de praia, é certo, mas também quem prefira longos passeios pela natureza (a pé, de bicicleta, de carro...), explorar a história ou até mesmo viver uma certa agitação.
Decidir o que fazer não é difícil. Bem próximo do cais onde atracam os ferries que fazem a ligação regular (e quase a qualquer hora) a Setúbal — um passeio que vale por si, mais ainda quando se tem a sorte de avistar os seus habitantes mais famosos: os golfinhos (atenção: há crias entre os animais) —, um centro de boas-vindas trata de expor tudo o que há a fazer por aqui, dando dicas e ideias. Não só em Tróia, como pelas redondezas. Afinal, Tróia não é só um destino por si, mas também um ponto a partir do qual se pode explorar toda uma região.
Mas, para já, quedamo-nos por aqui, saboreando a maresia, ao mesmo tempo que vamos percorrendo calmamente trilhos preparados para que se passeie sem perturbar a natureza. Os passadiços, recuperados e aumentados com as obras que transformaram Tróia num gigantesco estaleiro ao ar livre durante anos, deixam-nos pairar sobre as dunas, sem as perturbar. Mas essa é mesmo a ideia; penetrar na natureza sem que esta dê pela nossa presença. O resultado tem sido interessante de observar, com o crescimento do areal e a densificação da vegetação. Facto que, claro, permite um desenvolvimento das espécies animais — em torno de 600 vivem ou passam por aqui, uma vez que Tróia fica no trajecto migratório de várias aves que aproveitam a abundância de alimento, sobretudo junto às zonas pantanosas, do lado nordeste da península, para recuperar forças para o resto das suas viagens.
Mas já lá vamos. Para já, abraçamos a parte a norte e a noroeste, com vista para a serra da Arrábida. Pelo Trilho da Praia e Duna, por esta altura, é possível observar os pilritos-da-areia, pequenitas aves que costumam brincar com a ondulação, procurando alimento na areia que o mar deixa a descoberto. Ao longo deste percurso também é possível verificar a evolução das dunas: desde as embrionárias, por onde se desenvolvem os cordeirinhos-da-praia, planta que tem como missão reter a areia transportada pelo vento, até às mais antigas que já abrigam arbustos maiores. Entre as duas, dois tipos diferentes de dunas — uma que se distingue pelas cristas altas (a primária) e outra por ser porto de abrigo de pequenos arbustos aromáticos, como a perpétua-das-areias (a secundária).
Nas nossas costas, os empreendimentos. Uns que sobreviveram da Tróia "antiga"; outros, erguidos ao longo dos anos de intensas obras. No conjunto, a intenção passa por dar vida à península e atrair capital, mas, de acordo com o que defende a gestão do Tróia Resort, empresa da Sonae que também detém o jornal PÚBLICO, sobretudo por respeitar tempos e espaços. Daí que a construção esteja aquém do máximo de camas permitido e a ideia seja manter uma densidade populacional baixa, o que se reflecte de forma positiva no habitat que nos acolhe. Essa é a razão principal para que o conjunto de villas, townhouses (ambos para venda ou aluguer) e lotes (com projectos pré-aprovados que seguem as mesmas directivas) se espraiem de forma ao mesmo tempo harmoniosa e sem pressa, permitindo um ambiente de exclusividade e de contacto com a natureza. Além do mais, cada fogo, apesar de espaçoso e totalmente pronto a ocupar, também tem número limitado de camas.
Mergulhar na história
Poderíamos, por aqui, ir ter à praia. Mas, ainda que o sol teime em dar o ar da sua graça neste Inverno, as temperaturas convidam a outros mergulhos. Embrenhamo-nos por isso por outro passeio, desta vez pelo tempo, até aos dias em que o Império Romano se estendia até à Lusitânia.
Não se sabe muito bem como nem por que motivo vieram parar os romanos a Tróia. Mas não é difícil nem de imaginar nem de construir uma história. Afinal, como escreveu Hans Christian Andersen, "Tróia constitui matéria para todo um conto".
Nesta "Pompeia de Setúbal", como a descreveu o poeta dinamarquês, o acesso era fácil não só para as embarcações que chegavam de todo o império, como o local seria simples de defender, avistando-se ao longe quem se decidia aproximar. Certo é que a extensão desta povoação ainda está por determinar, sabendo-se que a descoberto está apenas uma ínfima parte, mas que deixa adivinhar perfeitamente a importância deste pólo cuja actividade percorreu seis séculos, desde I até VI d.C..
Os tanques colocados a descoberto têm uma dimensão impressionante. Mas ainda mais incrível é o estado de conservação de todas as estruturas expostas, que ficaram durante mais de mil anos abraçadas (e protegidas) pelas areias sopradas pelo vento que ainda hoje garante a manutenção das dunas. Neles não só o peixe que provinha das sobrepovoadas águas era salgado, como ainda se aprimoravam os molhos de peixe que viriam a fazer parte da dieta romana, sobretudo das famílias mais abastadas.
De Tróia, saía alimento para todo o império, sendo inclusive catalogado como o maior centro de produção de salgas de peixe do seu tempo. E a verdade é que foram encontradas ânforas — ou o que resta delas — provenientes desta pequena península um pouco por todo o território ocupado pelos romanos.
Monumento Nacional desde 1910, o complexo, que reúne ainda zona residencial, termas, necrópoles, um mausoléu e uma basílica paleocristã, deve a sua descoberta ao acaso e a sua exploração ao alto patrocínio da infanta (e futura rainha) Maria I. Entre o início das escavações e os dias que correm, muito desapareceu — caso das pinturas e pisos com mosaicos encontrados nas casas romanas na zona designada por Rua das Casas da Princesa em homenagem à infanta. Actualmente, explicam-nos, o que vai sendo descoberto nas ruínas não é desprezado: encontram-se peças expostas no local, mas também noutros espaços, como é o caso do Club House junto ao campo de golfe, onde o elogio ao passado é feito numa pequena sala-museu.
A visita às ruínas é constantemente acompanhada pelo esvoaçar de alguma ave que tem por perto poiso e alimento abundante, como que a querer-nos provar que a península ainda tem muito por onde crescer. Afinal, quase dois mil anos depois, e ao contrário do que os gauleses das tiras da dupla Albert Uderzo e René Goscinny os acusam, os romanos que encontraram lar em Tróia não eram nada loucos.