Empresas tentam contornar novas regras nos recibos verdes

Novo regime poderá levar as entidades a dar preferência à contratação de serviços prestados por empresas unipessoais em vez de recorrerem a trabalhadores independentes, evitando a taxa de 7% e 10%.

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Governo deverá aprovar o novo regime na próxima semana, em Conselho de Ministros Rui Gaudêncio

O novo regime contributivo dos trabalhadores a recibos verdes, que deverá entrar em vigor em 2018 e a produzir efeitos no ano seguinte, poderá levar as empresas a contornar o aumento dos descontos para a Segurança Social, propondo aos trabalhadores que se constituam como empresa ou dando preferência à contratação de serviços prestados por empresas unipessoais. A estratégia não é nova, mas pode ter um incremento com a subida da taxa de desconto de 5% para 10% para as entidades responsáveis por mais de 80% do rendimento do trabalhador independente, e de zero para 7% no caso das entidades que beneficiam de mais de metade até 80% da actividade do trabalhador a recibos verdes.

No dia em que a comunicação social divulgou a intenção de aumentar os descontos das entidades contratantes, o PÚBLICO teve conhecimento de um caso de um trabalhador independente que recebeu uma proposta da entidade contratante a sugerir que constituísse uma sociedade ou, em alternativa, a rever a avença. O objectivo da empresa é claro: evitar os custos decorrentes da duplicação da taxa.

Esta reacção não surpreende Daniel Carapau, dirigente da associação Precários Inflexíveis, que lembra que mesmo com o regime actual já existe “uma pressão” para os trabalhadores independentes se constituírem como empresários”, algo que “poderá acentuar-se” com o novo regime. “São esquemas que devem ser condenados”, destaca.

A esta associação ainda não chegaram queixas semelhantes, as chamadas telefónicas e os mails recebidos nos últimos dias pedem sobretudo informação sobre a forma como o novo regime vai funcionar.

Ana Duarte, fiscalista da PwC, lembra que muitas empresas já não contratam serviços a trabalhadores independentes para não correrem o risco de lhes serem liquidados os 5% devidos pela entidade contratante, dando preferência a quem tenha constituído uma sociedade.

Porém, alerta, a constituição de uma sociedade por parte do trabalhador pode não ser vantajoso, uma vez que ele passará a emitir recibos verdes à sua própria sociedade “para que esta esteja em posição de prestar os serviços a terceiros, e consequentemente, será a sua própria sociedade a ser liquidada pelos 5% devidos pela entidade contratante”. Em alternativa, o trabalhador pode, em vez de emitir recibos verdes à sua própria sociedade, auferir um salário pago por esta, “mas nesse caso não beneficia do regime simplificado do IRS e terá de suportar os custos das contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores dependentes”, destaca a fiscalista.

“O incremento da taxa da entidade contratante e o alargamento da sua aplicação vai agravar este tipo de situações”, antecipa Ana Duarte.

José Soeiro considera que esta “é uma estratégia de chantagem sobre o processo” para as empresas “tentarem boicotar uma distribuição mais justa do esforço contributivo”. “A acontecer, equivaleria a uma fuga das empresas às suas obrigações contributivas, o que é inaceitável e ilegítimo à luz da lei. Mal estamos se a reacção das entidades contratantes é ameaçarem com uma retaliação contra trabalhadores que já têm estado desprotegidos e que já têm sido vítimas de um regime injusto. Não creio que uma estratégia desse tipo tivesse sucesso, a força da justiça destas alterações sobrepor-se-á a essas manobras”, afirma o deputado e um dos principais interlocutores das negociações com o ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva, no desenho do novo regime que irá a Conselho de Ministros na próxima semana.

O PÚBLICO questionou o Ministério sobre se antecipa este tipo de reacções por parte das entidades contratantes ou se, quando foi introduzida a contribuição de 5%, se verificou uma reacção semelhante, mas não teve resposta. Contudo, no desenho do novo regime este risco foi considerado, apurou o PÚBLICO.

Nas suas declarações públicas sobre o novo regime, o Ministro do Trabalho destacou que o objectivo das alterações é permitir que as contribuições suportadas pelos trabalhadores independentes tenham como referência os meses mais recentes de rendimento (será a média do trimestre anterior). Ao mesmo tempo, acrescentou, as entidades contratantes terão uma maior contribuição e será alargada a protecção social no desemprego e na doença, que classificou como “áreas frágeis”.

No regime em vigor, as entidades que representem mais de 80% do rendimento total de um trabalhador a recibo verde são obrigadas a descontar 5% para a Segurança Social. Esta taxa é aplicada sobre o valor total dos serviços prestados no ano anterior pelo trabalhador e o valor a pagar é comunicado no início de cada ano, pelos serviços da Segurança Social, às entidades contratantes.

Com as novas regras, as entidades responsáveis por mais de 80% do rendimento do trabalhador independente passam a descontar 10%. Além disso, alarga-se o conceito de “entidade contratante” a mais empresas, passando a abranger quem concentre mais de 50% dos rendimentos de um trabalhador a recibo verde. As entidades responsáveis por mais de 50% a  80% da remuneração do mesmo trabalhador, que agora não estavam obrigadas a descontar, passam a ter de pagar uma taxa de 7%.

De acordo com os dados do Governo, em 2016 havia 23 mil entidades obrigadas a descontar 5%. Com as alterações entre 43 a 45 mil entidades serão obrigadas a descontar pelos trabalhadores a recibos verdes.

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