Migração é pedra no caminho de uma relação entre UE e África
Cimeira na Costa do Marfim discute apoio ao desenvolvimento e políticas migratórias.
Os governantes da União Europeia estão reunidos com os da União Africana durante dois dias na Costa do Marfim numa cimeira em que a imigração, embora não seja oficialmente o tema principal, domina o debate. “Há um interesse comum em acabar com a imigração ilegal, quando há relatos de que jovens africanos estão a ser vendidos como escravos na Líbia”, afirmou esta quarta-feira a chanceler alemã Angela Merkel, à chegada à cimeira UE-África em Abidjan.
A UE quer ter um novo começo nas relações com o continente africano – o que não é uma novidade, enquanto ambição, mas tem sido um falhanço várias vezes repetido. As relações Europa-África têm sido condicionadas pelas preocupações de segurança, os riscos do terrorismo, os azedumes do passado colonial e vários outros fantasmas que assombram a relação dos europeus com África.
“Há uma década, em 2007, a cimeira UE-África em Lisboa aprovou a construção de uma nova parceria política estratégica para o futuro”, sublinhou ao Politico Geert Laporte, vice-director do Centro Europeu de Gestão de Políticas do Desenvolvimento. Mas essa parceria nunca se concretizou. “Nunca lidámos com os motivos profundos da desconfiança entre as nações africanas e europeias”, explicou Laporte, que cita como motivos a fraqueza das instituições africanas fracas, uma política de exteriores da UE incoerente e o passado colonial partilhado.
O produto de todos estes anos de África e Europa de costas voltadas são as correntezas de populações em movimento que tentam chegar aos países europeus, em busca de trabalho, uma vida digna, correndo riscos inimagináveis. Afogam-se no Mediterrâneo, ao serem amontoados por traficantes de pessoas em embarcações lançadas a partir da costa líbia sem condições para navegar, na expectativa de serem salvos pela Marinha ou organizações humanitárias antes de se afundarem ou chegarem à costa.
Mas essa é apenas a última fase do seu martírio: estes imigrantes tornaram-se presas de traficantes que chegam a vendê-los em mercados, como escravos, na Líbia, como foi possível ver numa reportagem da CNN, divulgada em meados deste mês – já antes existissem relatos desta situação, alguns até com a chancela de fontes oficiais alemãs.
A Comissão Europeia, e países como a França, a Itália, e a Alemanha, têm promovido activamente um esquema para criar campos de detenção neste país para migrantes sem documentos, para evitar que cruzem o Mediterrâneo e cheguem à Europa – muito criticado pelas organizações de defesa dos direitos humanos.
Desde 2015 que a alta representante da UE para as relações exteriores, Federica Mogherini, é acusada pelas organizações não-governamentais, como a Human Rights Watch, Amnistia Internacional e Médicos Sem Fronteiras, entre outras, de promover uma “política de externalização das fronteiras”, com países como a Líbia ou o Níger, em que delega a gestão dos fluxos migratórios através de África para estes países. O modelo é semelhante ao acordo da UE com a Turquia, para manter afastados das fronteiras europeias os refugiados do Médio Oriente.
Catherine Ray, a porta-voz de Mogherini, contesta a utilização do termo “externalização das fronteiras”, explica o Le Monde. “O objectivo essencial é lutar contra os traficantes e salvar vidas”, afirma, repetindo o mantra que a UE tem usado, considerado indefensável tanto pelas Nações Unidas como pelas organizações de defesa dos direitos humanos, que denunciam as condições de vida nos campos de detenção na Líbia.
O objectivo da cimeira em Abidjan é ser muito mais do que sobre a migração. Quer-se falar sobre apoio ao desenvolvimento, criação de emprego, criação de oportunidades nos países de origem para criar alternativas à imigração. “Investir na juventude para um futuro sustentável” é um dos motes. Mogherini, na semana passada, anunciou um plano de investimento para África que garantiu que poderia captar pelo menos 44 mil milhões de euros em fundos privados até 2020.