PGR arrasa decisão de anterior Governo tomada em vésperas das eleições

Empresa de Carlos Pimenta da área da energia foi autorizada a mudar licença de eólica para solar. Negócio custaria 42 milhões ao Estado - nas contas do Governo actual, que rejeitou nove pedidos idênticos.

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Artur Trindade, o ex-secretário de Estado da Energia, é o autor da portaria arrasada pela PGR evr Enric Vives-Rubio

O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) arrasou a decisão, tomada em vésperas das eleições de 2015, de modificar uma licença de produção de energia eólica para solar fotovoltaica, obtida em concurso público pela Generg, uma empresa de produção de energia a partir de fontes renováveis, presidida pelo ex-secretário de Estado do Ambiente, Carlos Pimenta.

A autorização de mudança da fonte primária de produção no contrato celebrado com o Estado foi dada a 2 de Outubro de 2015, dois dias antes das eleições legislativas, através de despacho assinado pelo então secretário de Estado da Energia, Artur Trindade. A empresa beneficiária é a Generg, cujo presidente do conselho de administração, Carlos Pimenta, integra a direcção do think tank Plataforma para o Crescimento Sustentável, presidido por Jorge Moreira da Silva, que era à data o ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia.

Analisada a portaria que fundamentava o despacho - também ela assinada por Artur Trindade em Maio desse ano e que permitia a mudança de fonte de energia aos centros electroprodutores com licença atribuída -, o Conselho Consultivo da PGR conclui, num parecer a que o PÚBLICO teve acesso, que aquela “é inconstitucional e ilegal”, “constitui usurpação da função legislativa”, além de violar “o princípio da preferência ou proeminência da lei”. O que determina a sua nulidade, ou seja, não pode produzir quaisquer efeitos.

Mais: considera que a decisão viola ainda os princípios da concorrência, igualdade de tratamento e transparência em relação aos outros operadores que participaram no concurso público de 2008 em que a Generg obteve aquela licença de produção.

O actual secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, tinha pedido em Julho parecer ao Conselho Consultivo da PGR, por ter dúvidas quanto à legalidade da portaria 133/2015, publicada pelo seu antecessor. Agora, Jorge Seguro Sanches afirma que o Governo se revê no despacho da PGR, que já homologou.

Esta decisão não impede a empresa de produzir energia solar para a rede pública, mas terá de o fazer sem subsídios. Ou seja, não irá ser paga a preço premium, mas ao preço geral. Se a portaria de Artur Trindade fosse válida, isso representaria um sobrecusto para o Estado na ordem dos 42 milhões de euros - nas contas do actual Governo.

A Generg tinha uma licença de produção de energia eléctrica obtida no “concurso para atribuição de capacidade de injecção de potência na rede do sistema eléctrico de serviço público e pontos de recepção associados para energia eléctrica produzida em centrais eólicas”. O contrato tinha sido celebrado em Maio de 2009 e previa uma potência de 25 megawatts. O órgão consultivo da PGR começa por analisar o concurso público de 2008 e a sua fundamentação jurídica, para escrutinar em que medida seria legal a mudança de fonte de energia contratada com a empresa.

“Tendo o procedimento concursal e a celebração do contrato sido realizados ao abrigo do regime estabelecido no decreto-lei 312/2001, constata-se que esse diploma não continha qualquer disposição a permitir a subsequente mudança da fonte primária de energia”, quadro legal que a PGR afirma “subsistir” na legislação em vigor”. Por outro lado, acrescenta o parecer, no próprio concurso “apenas se admitia que o centro electroprodutor tivesse por fonte energia eólica, tendo ainda sido especificadas várias exigências nos esclarecimentos aos múltiplos concorrentes sobre condicionantes específicas do parque eólico”.

Na avaliação dos sete conselheiros que subscrevem o parecer, um deles um antigo juiz do Tribunal Constitucional, é “vedado à Administração, e em particular ao secretário de Estado da Energia”, modificar contratos administrativos celebrados com base em concursos, neste caso alterando-se a fonte primária de energia.

Segundo o parecer, os actos praticados pelo governante “são atingidos pela invalidade derivada da mácula originária da ilegalidade e inconstitucionalidade da norma da portaria por ele criada, sendo o resultado de um processo causal conformado pela usurpação da função legislativa”. Para ter valor legal, a alteração teria de ser concretizada através de regulamento (decreto regulamentar), o que exigiria a assinatura do primeiro-ministro e ministros responsáveis, a promulgação pelo Presidente da República e a referenda ministerial.

“O despacho do secretário de Estado da Energia de 2/10/2015 […] autoriza alterações substanciais ou essenciais do contrato administrativo celebrado na sequência de um concurso público por mera adenda negociada entre adjudicante e adjudicatário sem dar qualquer oportunidade a interessados […] nem sequer permitindo aos operadores económicos que concorreram e foram preteridos no concurso apresentarem propostas em face das novas condições estabelecidas (que derrogaram elementos essenciais das regras do procedimento concursal em que participaram)”, acrescentam os conselheiros.

“Essa violação dos princípios da concorrência, igualdade de tratamento e transparência configura, fora de um quadro de estado de necessidade, a prática de um acto com preterição total do procedimento legalmente exigido, o que implica a respectiva nulidade”, conclui o parecer, datado de 26 de Outubro.

Nove mudanças pedidas valiam 350 milhões

Mas não era a Generg a única beneficiária das decisões de Artur Trindade. A portaria analisada pela PGR abria as portas a todos os centros electroprodutores para pedirem mudança da fonte primária. A 20 de Novembro de 2015, já com o Governo em gestão (seis dias antes da tomada de posse do actual executivo), o então secretário de Estado publica um despacho em que determina o procedimento para efectuar essa alteração.

“Para tal, deve o produtor apresentar pedido dirigido ao membro do Governo responsável pela área da energia, demonstrando a impossibilidade de instalar o respectivo centro produtor associado à fonte primária inicialmente prevista, por razões que não lhe sejam imputáveis”, reza o despacho 45/SEEnergia/2015.

A esta mudança recorreram seis empresas além da Generg. Com base nas contas do actual Governo, só a Soares da Costa pediu a alteração de três hidroeléctricas para solares – duas em Tavira e uma em Castro Marim -, o que teria impacto na ordem dos 140 milhões de euros no Sistema Eléctrico Nacional. O mesmo fizeram a Hydrotua, a Enervouga, a Enercomparada e a Hidro Lourizela, que pretendiam mudar as suas mini-hídricas para centrais solares, enquanto a Generg e o Parque Eólico de Mirandela solicitaram a mudança de eólicas para solares. Se fossem aceites, estas mudanças poderiam representar um sobrecusto para o Estado de quase 350 milhões de euros.

Mas o actual Governo nunca aceitou aqueles pedidos e acabaria por anular a portaria polémica em Setembro passado. O caso da Gernerg era diferente, porque tinha já beneficiado de um despacho de Artur Trindade. Agora, a nulidade está confirmada pelo parecer da PGR.

N.D. Este artigo foi alterado, para explicar que as contas aos eventuais os prejuízos da decisão anulada são do actual Governo - o que erradamente não era mencionado no texto.

Este artigo foi alvo de um direito de resposta de Jorge Moreira da Silva

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