Voluntários da Web Summit dizem que são “pagos a preço de ouro” (almoço incluído)
Não são só jovens que vêm trabalhar de borla à Web Summit. Há muitos estudantes, mas também há trabalhadores que tiraram folga dos empregos a tempo inteiro para se voluntariarem na feira. Queixam-se da desorganização, mas dizem que a experiência vale a pena.
É fácil encontrá-los. Equipados como uma t-shirt azul, às oito da manhã, centenas de voluntários da Web Summit já estão de pé, em frente à FIL e ao Altice Arena a dar direcções e a responder às perguntas de milhares de visitantes. Lá dentro, ajudam a arrumar o material, fazer o registo dos convidados, organizar micro-reuniões entre investidores e startups e a assegurar que não falta nada às 59 mil pessoas que compraram um bilhete para aquela que é considerada a maior feira de tecnologia do mundo.
Não ganham dinheiro pelo esforço, o que para vozes críticas é “exploração do proletariado milenial”. Os voluntários, porém, têm outra perspectiva.
“É ridículo dizer que estamos aqui como escravos”, diz ao PÚBLICO Miguel Correia, um estudante de Engenharia de 22 anos, que lidera uma equipa de voluntários na feira. “Só cá está quem quer. Se as condições são muito más para alguns, podem sempre sair. A meu ver, estou a ser pago a preço de ouro pelas horas que trabalho.”
Os últimos bilhetes vendidos, antes do evento, com tudo incluído, custavam 1500 euros (ou seja, se os voluntários estivessem a ser pagos, eram 100 euros à hora pelo mínimo de 15 horas exigidas). A lista de convidados deste ano, que podem ouvir, inclui o secretário-geral das Nacões Unidas, António Guterres, o antigo candidato presidencial americano Al Gore e vários executivos de todas as grandes empresas tecnológicas.
“Ser voluntário é melhor do que alguns bilhetes grátis”, frisa Correia. “O ano passado consegui um grátis, como estudante universitário, mas só tinha acesso ao palco principal. Não podia vir à feira, e conhecer startups. Prefiro trabalhar e ter acesso a tudo.”
Tem o almoço incluído (água ou chá, um prato principal pré-definido e uma peça de fruta) e nos tempos livres, à semelhança de outros jovens voluntários, aproveita para falar com as startups e empresas, ou trocar contactos na rede profissional Linkedin.
Empresas também enviam voluntários
Mas não são só jovens que vêm trabalhar de borla à Web Summit. Muitos são trabalhadores que tiraram folga dos empregos a tempo inteiro para se voluntariarem na feira. Alguns empregadores apoiam a iniciativa.
“A empresa onde eu trabalho dá-me uma facilidade em participar nestes eventos, porque considera que a podem valorizar”, diz José Santiago, 45 anos, um gestor de operações de uma empresa de electrónica. Em troca do tempo que passa fora do trabalho, na Web Summit, tem apenas de escrever um relatório sobre o que aprendeu no evento e que pode beneficiar a empresa.
“Como me inscrevi como voluntário, o único custo para a empresa são as minhas horas de trabalho”, diz Santiago. “Em vez de me pagarem uma formação adicional, estou cá.”
Além disso, os voluntários têm acesso privilegiado a muitos espaços na Web Summit. “Posso chegar a alguns palcos, ao backstage e ver todo o processo de organização do evento”, conta a francesa Marion Cayla-Faure, de 25 anos, que veio de Manchester, no Reino Unido. A viagem e alojamento ficaram por sua conta, mas a empresa de realidade virtual onde trabalha não desconta tempo de férias da jovem em troca de um relatório sobre o que descobre em Lisboa.
“Há um pouco de desorganização na gestão dos voluntários, mas é tolerável”, admite Cayla-Faure. “Por vezes, as nossas funções alteram-se à última hora.”
José Santiago é mais crítico. “A organização tem sido má. Ontem e hoje, por exemplo, ninguém sabia o que íamos fazer quando começámos.” A preparação para o evento resumiu-se apenas a uma sessão de uma hora, durante a quarta-feira passada, e a vários ficheiros de PDF enviados para o email.
Diz que é particularmente problemático para pessoas como Cayla-Faure. “Eu não tenho custos, mas para as pessoas de fora a frustração com a organização deve ser grande”, diz Santiago. “Ontem estive 45 minutos na fila de almoço dos voluntários e acabei por desistir e comprar um hambúrguer, porque eu queria aproveitar a minha hora de almoço para ver a feira.”
Conseguiu. “Vi o Dr Oz [um cirurgião e personalidade de televisão dos EUA], na área da saúde, que é algo que me interessa, mas ainda quero ver o Al Gore. Se a Web Summit fizesse o que promete, seria perfeito para os voluntários.”
O PÚBLICO tentou contactar a organização da Web Summit para recolher informações sobre a gestão do voluntariado, mas não obteve resposta até à data de publicação deste artigo. Durante uma conferência de imprensa na manhã de quinta-feira, o director da Web Summit, Paddy Cosgrave, acentuou que o trabalho dos voluntários é fundamental. Este ano participaram perto de dois mil voluntários, com uma média de idade de 21 anos.
Para o estudante de Engenharia Miguel Correia, as críticas não fazem sentido. “A organização nunca vai ser perfeita. É um evento enorme. A confusão faz parte”, diz o jovem.
“É uma opção nossa estar aqui”, acrescenta José Próspero, 19 anos. O estudante de Economia do Barreiro está a faltar a algumas aulas para participar na feira, mas vê a experiência como uma “oportunidade enriquecedora” para conhecer empresas e trocar contactos. “As próprias empresas com quem falo dizem-me para as adicionar ao Linkedin e enviar um currículo, caso queira, no futuro, juntar-me às suas equipas. Estou cá porque quero e fora das horas de trabalho. Sou tratado como outro convidado qualquer. Só que não paguei.”
Actualizado às 10h50, 9 de Novembro de 2017: Artigo editado com o comentário do director da Web Summit, Paddy Cosgrave, sobre os voluntários na Web Summit.