Trump na Ásia para dar garantias aos aliados e simular uma negociação com Xi

O que está em jogo nesta digressão diplomática é a credibilidade das garantias americanas perante a ascensão da China. Os actores regionais querem avaliar a determinação americana em manter o seu estatuto na região Ásia-Pacífico.

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Donald e Melania Trump no Havai, a última paragem antes da digressão asiática JONATHAN ERNST/REUTERS

Após uma escala de dois dias no Havai, o Presidente Donald Trump começa hoje no Japão uma longa e difícil digressão diplomática na Ásia até 12 de Novembro. Viajará depois para a Coreia do Sul, China, Vietname e Filipinas. Parte numa posição de fraqueza, refém da investigação em curso nos Estados Unidos sobre a “conexão russa”. Uns têm os olhos em Pequim, outros na Coreia do Sul e na ameaça norte-coreana, mas o que está em jogo é muito mais largo: assegurar aos aliados regionais que os EUA continuam a ser os garantes da ordem regional perante a ascensão da China e que não abdicarão do seu estatuto na Ásia-Pacífico.

Tóquio será aparentemente a etapa mais fácil. O primeiro-ministro Shinzo Abe é o primeiro “amigo” da América na Ásia, mas um aliado “ansioso”, não apenas em relação à ameaça norte-coreana, mas sobretudo perante o temor duma hegemonia chinesa na região.

Abe reserva a Trump uma recepção calorosa e “familiar”, com uma partida de golfe pelo meio. A imprensa japonesa fala em “clima de optimismo”. Um alto funcionário afirma que as actuais relações nipo-americanas “são as melhores das últimas décadas”.

O Japão não tem alternativa à aliança americana. A Constituição pacifista limita a sua capacidade militar. Apelos recentes para que Tóquio aceda à arma nuclear são significativos da desconfiança perante o “guarda-chuva” americano, mas não constituem uma opção credível. O secretário de Estado, Rex Tillerson, e o secretário da Defesa, James Mattis, reafirmaram na semana passada o compromisso americano com a segurança do Japão. Mas Abe quer ouvir essa garantias da boca de Trump, dizem os analistas.

Por trás da amizade, há desconfiança. Os japoneses não gostam do “America First” de Trump. Há divergências nas relações comerciais, acentuadas pela retirada americana da Parceria Transpacífica (TPP). Mas, se não houver gaffes de Trump, tudo correrá bem. Escreve o Japan Times: “O mais importante é mostrar à China que o Japão e os EUA mantêm uma estreita relação e que não há divergências de que [Pequim] possa tirar partido.”

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A crítica escala em Seul

Trump desembarca em Seul na terça-feira. Conferenciará com o Presidente Moon Jae-in e discursará na Assembleia Nacional sul-coreana. O discurso será lido à lupa pelos observadores. Nesta escala misturam-se muitos jogos e três actores: Coreia do Sul, Estados Unidos e China.

A ameaça de Trump sobre a possibilidade de uma acção militar preventiva contra a Coreia do Norte criou uma grande ansiedade no Sul. “Senhor Trump, eu vivo na Coreia do Sul e o senhor mete-me medo”, escreveu há semanas um editorialista. Para Trump, a ameaça poderia ser um modo de assustar a China e forçá-la a estrangular economicamente Pyongyang. Mas, para os sul-coreanos, essa ameaça implica o risco de uma hecatombe. Para a generalidade dos políticos e analistas sul-coreanos, “Kim é racional e não é suicida” ao ponto de usar a arma nuclear e destruir o país e o regime.

Por outro lado, o Presidente Moon é mais “pacifista” do que a sua antecessora, Park Geun-hye, e mais favorável a uma negociação com Pyongyang. Se a aliança americana é vital para Seul, Moon põe condições a Washington: “Ninguém deverá autorizar ou decidir uma acção militar na Península da Coreia sem o acordo sul-coreano.”

A escalada norte-coreana forçou Seul a aceitar a instalação do sistema antimíssil THAAD, que Pequim vê como uma forma de “contenção” da China. Em Setembro, Moon aceitou o seu alargamento, o que motivou represálias económicas da China. Entretanto, Moon decidiu fazer uma “pausa” e recusa a hipótese de integração num sistema antimíssil regional que significaria uma aliança trilateral entre Washington, Tóquio e Seul.

Por sua vez, logo a seguir ao Congresso do Partido Comunista (PCC), Xi Jinping mudou a sua política sul-coreana e anulou as retaliações que estavam a fazer crescer sentimentos antichineses. Xi pretende abrir uma nova fase de relações amistosas entre os dois países e, indirectamente, provocar uma fissura entre Seul e Washington. É neste quadro que Trump tem de demonstrar o seu talento para fazer “grandes negócios”. E, no dia seguinte, terá outro “exame” em Pequim.

Na Cidade Proibida

É a etapa mais ambígua. O primeiro ponto que os analistas sublinham é o contraste entre as situações dos dois líderes. Depois do congresso do PCC, Xi Jinping está numa posição de força e tem as mãos livres, enquanto Trump está domesticamente debilitado. Xi pensará que Trump precisa mais dele, por causa da Coreia do Norte, do que ele de Trump. Terão um interesse comum: um bom comunicado final. Xi gostará de mostrar ao partido que sabe lidar com a América e Trump precisa de exibir uma “vitória diplomática” quando regressar a Washington.

Em cima da mesa estarão os eternos diferendos comerciais em que, segundo os analistas, Xi deverá fazer algumas concessões que Trump poderá exibir. Mais difícil é prever o que dirão sobre a Coreia do Norte.

“Não haverá ‘grandes negócios’ — nem sobre comércio, nem sobre a Coreia do Norte, nem sobre o Mar do Sul da China. Um ‘grande negócio’ exigiria tempo e pensamento e a Administração não fez muito em nenhum destes planos nos últimos dez meses”, resume a analista Elizabeth Economy, do Council on Foreign Relations.

Xi estenderá carpetes encarnadas a Trump. Se as relações entre os dois países são de rivalidade, serão muito cordiais entre os dois líderes. Trump considerou que, depois do congresso do partido, Xi parece “um rei”. Diz haver “química” entre eles. Xi tratá-lo-á com “pompa e circunstância”. Farão uma visita privada à “Cidade Proibida” e terão um jantar íntimo no Zhongnahai, o bairro privativo dos dirigentes.

O que está em jogo?

Trump irá depois ao Vietname, onde participará numa reunião de líderes da Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC) e se reunirá com o Presidente vietnamita, Tran Dai Quang. Terminará o périplo em Manila, com o jantar de encerramento da cimeira da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) em que encontrará o Presidente local, Rodrigo Duterte.

O que parece estar em causa nesta digressão é a credibilidade dos EUA na região da Ásia-Pacífico. O pano de fundo é a ideia de que a estatura global da China está a crescer, enquanto a da América declina, observa o Financial Times. Xi Jinping fez aprovar um plano estratégico para colocar a China no topo da cena mundial em 2050. E, neste momento, desconhece-se qual a estratégia da América para responder à crescente afirmação chinesa.

O analista chinês Yan Xuetong, muito próximo das posições oficiais, escreveu pouco antes do congresso do PCC que a China ainda não é uma superpotência e será prudente. “É difícil imaginar que a China se torne numa potência mundial dominante sem que os seus vizinhos a aceitem como líder regional.”

É precisamente o que está em jogo. O balanço da digressão de Trump será dado pela confiança dos actores regionais quanto ao futuro de uma ordem regional construída em torno da aliança americana e quanto à determinação da América em manter o seu estatuto na região.

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