Curva de Keeling está imparável e o dióxido de carbono bate novo recorde
Os registos contínuos da concentração de dióxido de carbono na atmosfera começaram em 1958. Desde aí, a curva de Keeling, como é conhecido o gráfico que mostra essa concentração, não tem parado de subir. Em 2016, atingiu-se um valor que a Terra já não conhecia entre há três e cinco milhões de anos.
A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera alcançou um novo recorde em 2016, segundo os dados divulgados esta segunda-feira pela Organização Mundial de Meteorologia (OMM). O principal gás com efeito de estufa atingiu as 403,3 partes por milhão (ppm), ultrapassando as 400 ppm alcançadas em 2015. Temos de recuar no tempo três a cinco milhões de anos – quando a Terra era dois a três graus Celsius mais quente do que hoje e o nível do mar era dez a 20 metros mais alto – para encontrarmos valores idênticos de CO2 na atmosfera.
Para percebermos bem o aumento da concentração de CO2 na atmosfera, temos uma referência: a curva de Keeling. Em 1958, o químico norte-americano Charles Keeling quis medir de forma rigorosa a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera. Já nessa altura se suspeitava que o CO2 estava a aumentar na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis, mas as medições eram insuficientes.
Charles Keeling fez então aparelhos para medir o CO2. Depois, colocou-os no topo do vulcão Mauna Loa, no Havai, a mais de três mil metros de altitude. Um aparelho semelhante foi também instalado na Antárctida. Nesse ano, concluiu-se que havia uma concentração de CO2 de 316 ppm, o que quer dizer que para cada milhão de moléculas de diferentes gases na atmosfera 316 eram de dióxido de carbono. Surgia assim a curva de Keeling, que não tem parado de subir.
É de salientar que esse gráfico tem uma linha com altos e baixos em forma de serra: correspondem à diferença entre o Inverno e o Verão no Hemisfério Norte, onde há mais florestas na Terra. No Inverno, como as árvores estão sem folhas e não absorvem tanto CO2, os níveis deste gás têm valores maiores. Na Primavera, quando as plantas acordam, absorve-se mais CO2 e os níveis voltam a descer. Mesmo assim, os valores do ano seguinte têm ficado sempre acima dos valores do ano anterior. Se em 1970 a concentração de CO2 chegava às 327 ppm, em 1990 já alcançava as 354 ppm, e em 2005 (ano em que Charles Keeling morreu) as 379 ppm.
Em 2015 atingiu-se mesmo a meta das 400 ppm. E, no ano passado, chegou-se às 403,3 ppm, valor que a Terra não conhecia há cerca de três a cinco milhões de anos, segundo o boletim sobre os gases com efeito de estufa da OMM agora divulgado, onde estes resultados estão publicados. No período pré-industrial (antes de 1750), a concentração era de 280 ppm.
Entre as principais causas apontadas para esta subida em 2016, além das actividades humanas, como o uso de combustíveis fósseis, a agricultura intensiva e a desflorestação, está ainda o El Niño (fenómeno de transporte de uma massa de água quente desde a Austrália até às costas da América do Sul, por altura do Natal). O aumento dos níveis de CO2 e de outros gases com efeito de estufa podem causar assim “mudanças sem precedentes” nos sistemas climáticos e levar a “graves perturbações ecológicas e económicas”, refere o boletim.
Números que não mentem
“Sem um corte rápido no CO2 e noutras emissões de gases com efeito de estufa, iremos enfrentar aumentos de temperatura perigosos até ao fim deste século, bem acima do definido no Acordo de Paris”, avisa Petteri Taalas, secretário-geral da OMM num comunicado da organização. Estabelecido em 2015 na conferência sobre o clima da ONU, no Acordo de Paris 195 países comprometeram-se a limitar a subida da temperatura abaixo dos dois graus Celsius, ou, preferencialmente, dos 1,5 graus.
“Os números não mentem. Continuamos a emitir em excesso e isso precisa de ser revertido”, afirma no comunicado da OMM Erik Solheim, director do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, a propósito de um relatório da ONU que vai ser publicado esta terça-feira e no qual se analisam os compromissos políticos dos países para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e como é que isso irá ser posto em prática até 2030.
“Nos últimos anos, temos visto a enorme aceitação das energias renováveis, mas devemos redobrar os esforços para assegurar que estas novas tecnologias de baixo carbono possam prosperar. O que precisamos agora é de novas políticas globais e de um novo sentido de urgência”, frisa Erik Solheim. A nova conferência sobre o clima irá decorrer de 6 a 17 de Novembro, em Bona (Alemanha), e esses dois relatórios “fornecem uma base científica” para as negociações que se farão nesses dias, frisa o comunicado.
Também Pedro Viterbo, director do Departamento de Meteorologia e Geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), considera estes dados “muito preocupantes”. Em declarações à agência Lusa, explicou que os países europeus “estão a ‘puxar a carroça’ [para] não aumentar demasiado as emissões de poluentes, mas depois há o resto do mundo, há o Vietname, há a China” e há também o Presidente Donald Trump, que duvida das alterações climáticas e que quer que os Estados Unidos saiam do Acordo de Paris. “[A Índia] está a aumentar muito as emissões e neste momento é provavelmente o país que está a aumentá-las mais depressa”, salientou ainda.
“As gerações futuras irão herdar um planeta muito mais inóspito. O CO2 permanece na atmosfera durante centenas de anos e nos oceanos por muito mais tempo. As leis da física sugerem que enfrentaremos um clima mais quente e mais extremo no futuro. Não há uma varinha mágica para remover este CO2 da atmosfera”, considera Petteri Taalas.
Afinal, as últimas medições para 2017, do Instituto de Oceanografia Scripps (EUA), com data de 28 de Outubro, indicam que já se atingiram as 403,98 ppm. E assim vai subindo a curva de Keeling.