Uma promessa de futebol dividida em partes desiguais
Há 30 anos, a Jugoslávia era a melhor equipa jovem e preparava-se para dominar o futebol mundial, mas a guerra meteu-se pelo meio.
Foram os piores tempos para a Jugoslávia como país e os melhores dos tempos para a Jugoslávia como nação desportiva. Nos anos 1980 e princípio dos anos 1990, a Jugoslávia rivalizava com as grandes potências desportivas mundiais em vários campos, dos courts de ténis (Monica Seles) às quadras de basquetebol (a brilhante geração de Petrovic, Kukoc, Divac, Radja que conquistou títulos europeus mundiais e olímpicos) e às piscinas de pólo aquático. No futebol também houve uma promessa de grandes conquistas, com uma equipa que se apresentou com estrondo ao conquistar o Mundial sub-20, em 1987. Mas esta geração que tinha Boban, Prosinecki, Mijatovic e Suker não teve tempo para mais conquistas. Menos de quatro anos depois, a Jugoslávia deixava de existir.
A 25 de Outubro de 1987, fez nesta quinta-feira 30 anos, a “Geração Dourada” do futebol jugoslavo conquistava, no Chile, o título mundial de juniores (venceu nos penáltis a República Federal da Alemanha) e deixava o mundo de água na boca em antecipação pelo que viria na década seguinte. Mas poucas histórias do futebol mundial serão de uma oportunidade tão incrivelmente perdida como a do futebol na Jugoslávia, desencontros atrás de desencontros para uma selecção que sobreviveu até ao limite ao mesmo tempo que o país, antes colado pelo autoritarismo de Tito, dava lugar a vários países diferentes.
Até aos anos 1980, o futebol jugoslavo não estava, propriamente, no topo do mundo. Tinha tido um bom período nos anos 1960, com um segundo lugar no Euro 60 (derrota na final com a União Soviética) e um quarto lugar no Mundial 62 (derrota com a Checoslováquia nas meias-finais), mais um segundo posto no Euro 68 (derrota frente à Itália com recurso a finalíssima) e um quarto no Euro 76, organizado pela própria Jugoslávia, nos tempos em que a fase final do torneio só tinha quatro equipas – desaire com a Alemanha no prolongamento. No futebol jovem, também não havia grande tradição. Apenas uma presença em Mundiais sub-20, mas não foram além da fase de grupos no Japão em 1979.
E não foi com grande vontade ou grandes expectativas que a Jugoslávia foi para o Chile disputar o Mundial júnior de 1987. A federação jugoslava quase que foi obrigada pela FIFA a mandar uma equipa e foi a própria federação a impedir que alguns dos maiores talentos daquela geração estivessem na lista do treinador Mirko Jozic – Alen Boksic, Vladimir Jugovic e Sinisa Mihajlovic ficaram em casa porque os responsáveis entendiam que era melhor para a carreira deles. Outros ficaram de fora por lesão, ou por castigo, e Slaven Bilic, que era desta geração, também não fez a viagem.
Apenas um jornalista jugoslavo acompanhou a equipa à América do Sul e só conseguiu convencer os seus patrões a fazer a viagem, não pelas potenciais conquistas desportivas, mas porque havia uma grande comunidade jugoslava a viver em Santiago do Chile. “Ninguém esperava muito da equipa”, recordou ao Guardian o jornalista, em 2007. “Pensávamos que seriam três jogos e casa. Mas quando os jogadores chegaram ao Chile, o rosto deles mudou. Estavam num país bonito, muito bem instalados, e com tantas raparigas…” Falava-se de festas no hotel, com álcool e mulheres, mas nada disso parecia afectar os jovens jugoslavos, que se passearam pela fase de grupos com três vitórias em três jogos e um incrível registo de 12 golos marcados e três sofridos – 4-2 ao Chile, 4-0 à Austrália e 4-1 ao Togo.
As dificuldades subiram de nível na fase a eliminar. Começaram com uma vitória por 2-1 sobre um Brasil que daria poucos internacionais – César Sampaio e André Cruz foram os que tiver melhor carreira -, num jogo em que Prosinecki garantiu o apuramento, aos 88’. Depois veio um 2-1 frente República Democrática da Alemanha de Matthias Sammer – Suker marcou o golo da vitória. Na final, encontro marcado com a outra Alemanha, liderada pelo artista Andy Moller. Boban marcou, aos 85’, Marcel Witeczek, que seria o melhor marcador do torneio (7 golos), empatou, aos 87’, de penálti. A igualdade continuou no prolongamento e seguiu-se para o desempate nos penáltis. Witeczek falhou o primeiro da Alemanha, Boban marcou o último da Jugoslávia e a selecção que não esperava nada ficou com tudo.
A Jugoslávia estava lançada para dominar o futebol mundial, com esta geração e com alguns um pouco mais veteranos. Já sem Tito, um país chamado Jugoslávia desintegrava-se, e emergiam os nacionalismos das diferentes repúblicas, e o antagonismo feroz entre elas. O país ainda sobreviveu tempo suficiente para mandar a sua selecção de futebol ao Mundial de Itália, em 1990, já com uma mão cheia dos jovens campeões de 1987.
Nesta selecção não estava o mais talentoso, Boban, o artista croata do Dínamo de Zagreb. Poucos meses antes do torneio, houve, no estádio Maksimir, em Zagreb, um Dínamo de Zagreb-Estrela Vermelha que foi muito para lá da rivalidade futebolística, marcado por confrontos entre sérvios e croatas, com as forças de segurança no estádio a juntarem-se aos adeptos do Estrela Vermelha. Boban participou nesses confrontos, foi visto a agredir um polícia que estava a bater num adepto do Dínamo e tornou-se num símbolo do nacionalismo croata. Por isso, não foi ao Mundial e, sem ele, a Jugoslávia ficou-se pelos quartos-de-final, eliminada pela Argentina, que seria “arrastada” por Maradona para mais uma final.
Em 1991, três repúblicas declararam independência, Croácia, Eslovénia e Macedónia, a guerra civil instalou-se e uma selecção chamada Jugoslávia qualificava-se para o Euro 92 na Suécia. Devido à guerra, a Jugoslávia foi afastada do torneio e entrou a Dinamarca para protagonizar uma das grandes surpresas da história do Euro – Schmeichel e companhia estavam de férias, aceitaram o convite de última hora e ganharam. Em 1991, o Estrela Vermelha, ainda com gente de diferentes repúblicas (entre eles o croata Prosinecki, o sérvio Mihajlovic, ou o macedónio Pancev), foi campeão europeu com uma vitória nos penáltis sobre o Marselha.
Até 2003, ainda houve uma selecção chamada Jugoslávia, mas só com Sérvia e Montenegro – três anos depois, Montenegro também declarou a sua independência e passou a ter uma selecção autónoma. De todas as repúblicas da Jugoslávia, foi a Croácia quem melhor sobreviveu em termos futebolísticos. Boban, Prosinecki, Jarni, Boksic, Suker, eram croatas e foram eles a base de uma talentosa Croácia que deu nas vistas no Euro 96 e no Mundial 98 – foi eliminada nas meias-finais pela futura campeã França, mas ganhou o jogo do terceiro lugar frente à Holanda. Os feitos da selecção sérvia nunca se aproximaram da Croácia, e mesmo a Eslovénia independente já esteve em mais Mundiais que a Sérvia autónoma.
O que é indiscutível é a qualidade que havia naqueles miúdos de Jozic. Dessa selecção de 18 jogadores, 12 foram internacionais A, incluindo um que jogou pela selecção de Hong Kong. Deu vencedores de Liga dos Campeões, melhores marcadores europeus, segundos classificados nas votações para melhores do mundo, deu campeões em vários países. Muitos foram grandes jogadores em grandes equipas europeias, mas nada conquistaram nas respectivas selecções. O que esses miúdos teriam feito juntos depois de crescerem é uma pergunta que vai ficar sem resposta.