Quem é o rapaz das Barbies portuguesas?

Quando a Mattel em Portugal quer fazer bonecas personalizadas é a Raul Silva Lopes que se dirige. O artesão de 35 anos criou uma impressionante oficina em casa.

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Foi há três anos, quando o irmão viajou para Nova Iorque, que Raul Silva Lopes, 35 anos, pediu-lhe para trazer uma Estátua da Liberdade. “Gosto de coleccionar objectos kitsch”, lembra. No regresso, Luís não trazia qualquer representação da Lady Liberty, mas uma Barbie Estátua da Liberdade que, sabia, o irmão iria gostar. Foi esta boneca que espoletou um sonho antigo. Em vez de uma carreira na arquitectura, onde se formou, Raul criou uma oficina onde faz Barbies personalizadas. É a este artesão que a Mattel recorre para criar uma Barbie Luísa Sobral ou uma Barbie Inês Castelo-Branco.

Na altura, Raul tinha “quatro ou cinco Barbies”, incluindo uma em casa da avó. O presente do irmão veio agitar uma paixão de criança. “Comecei a pensar fazer um jantar em que recordássemos os nossos brinquedos de infância”, lembra. “As amigas trouxeram as Barbies delas e foi uma paródia.” Raul publicou fotografias do evento nas redes sociais e começou a perceber, pelos comentários, que "havia ali qualquer coisa". Então, vivia em Almeirim, mas entretanto mudou-se para a casa que o viu crescer e que fica uns quilómetros acima de Santarém, algures na estrada nacional 3. Foi ali que construiu uma oficina com duas divisões para trabalhar e ainda uma salinha de acervo. Tudo isto em pouco menos de três anos.

O trabalho que começou a fazer não passou despercebido e foi convidado pela Mattel Portugal para colaborar numa série de projectos. Criou as Barbies à imagem da selecção feminina de futebol – que a empresa entregou às atletas, antes de partirem para o Mundial, na Holanda. E foi responsável pelas duas primeiras edições do Barbie Awards – a proposta da Mattel para homenagear mulheres que se destacam nas suas áreas, à semelhança do que fazem outras divisões da multinacional de brinquedos, como a italiana ou a espanhola. A última edição foi no início de Outubro e contou com a presença de homenageadas (com bonecas feitas à sua imagem) como a jornalista Clara de Sousa ou a música Mariza. Pela edição anterior passaram a apresentadora Catarina Furtado ou a chef Anna Lins, entre outras.

Em paralelo, Raul criou o seu negócio – The Doll Stylist – e recebe algumas encomendas de roupas e de bonecas personalizadas, que vende por 60 a 70 euros. “Tive uma mãe que quis oferecer um Ken GNR ao filho que estava prestes a acabar academia”, exemplifica.

É contudo dos projectos especiais que Raul mais se orgulha – chama-lhes os ex-líbris da sua colecção. Do acervo, retira duas caixas, para mostrar a Barbie “25 de Abril” – com um vestido encarnado vivo de “alta-costura”, cuja saia é decorada por dezenas de cravos cortados e cosidos à mão, descreve. E as Barbies “Lusitana Paixão”, inspiradas no “traje tradicional da cavaleira portuguesa”. Tem a devida saia, manga do casaco em balão, camiseiro com detalhes, chapéu, botas e restantes acessórios, todos feitos pelo próprio. Não estão à venda, mas se estivessem não as largava “por menos de 120 euros”.

“Gosto de explorar temas portugueses”, conta o artesão. “Esta é uma das minhas favoritas”, diz, apontando para a Barbie desenhada à imagem de Maria do Carmo Infante da Câmara, uma senhora de cabelo branco “de umas das maiores quintas daqui da zona”. A avó trabalhou para a criadora de cavalos e ainda hoje tem um grande carinho pela latifundiária. É uma “figura sempre exímia na feira da Golegã”, explica. “Cresci a ver uma fotografia dela lá em casa. A senhora tem mesmo muito charme.”

A história da família numa sala

A primeira vez que Raul usou a máquina de costura para fazer roupas em miniatura foi em 2015, quando entrou num concurso de bonecas da Convenção Nacional de Coleccionadores da Barbie, em Lisboa, cujo tema era “os saudosos anos 1980”. Recriou a imagem das Doce, no Festival da Canção de 1982. “Sabia que a Mattel ia estar lá e era uma maneira de mostrar aquilo que faço. Foi aí que a directora de marketing [da empresa, Sara Marçal] viu”, conta.

Desde então tem colaborado em vários projectos e em Abril, foi convidado para representar a Barbie no MEO Fan Event, em Lisboa.

É na garagem de sua casa que Raul que faz todo o “trabalho pesado” de carpintaria, colocando em prática os conhecimentos de arquitectura. Em cima de um móvel, exibe a casa de dois andares, com toldos às riscas em preto e branco, que construiu para a festa e que deu origem a tudo. Aponta ainda para uma outra casa de bonecas, com muretes construídos a partir de uma antiga mesa de apoio e uma vitrina de protecção feita de janelas de alumínio recicladas da “marquise de uns tios”.

“Sempre gostei muito de coisas antigas e comecei a reciclar mobiliário e outros objectos que ia encontrando no lixo”, justifica. A mesa de trabalho que ocupa boa parte da ampla sala trouxe-a do hospital onde trabalha como auxiliar de acção médica, em Santarém. A iluminar o tampo estão as luzes de fotografia que pertenceram outrora ao estúdio dos avós maternos – ambos fotógrafos de profissão. “O meu avô chegou a trabalhar como camaraman para a RTP. O meu pai também”, refere. Além dos candeeiros, as luzes servem ocasionalmente para iluminar as produções fotográficas que Raul publica regularmente nas redes sociais, com as Barbies em vários ambientes.

A sala respira a história da família: numa estante, os troféus de caça do bisavô paterno; num canto, algumas janelas dos tios ainda por usar; junto a uma coluna, a máquina de costura de pedal Singer herdada da bisavó – que o ensinou a costurar à mão –; e em cima da mesa, a vara de medição da mesma. Ao lado da relíquia, chama a atenção para uma serra potente que adquiriu recentemente: “Comprei esta máquina que é um espectáculo para cortar. A minha vida mudou.”

O antigo quarto de Raul é agora a sala de corte e costura, onde a “casa das fashionistas” – uma estrutura de três andares que construiu a partir de antigo armário – demanda toda a atenção. Mas também vale a pena espreitar as gavetas recheadas de tecidos e as caixas guardadas numa pequena salinha de acervo, sem luz.

O artesão mostra um caixote com roupas originais da Barbie desde a década de 1990, que tem catalogadas por ano e guardadas individualmente em plástico. Abre também, avisando que pode ser “um bocadinho mórbida”, uma das várias caixas com exemplares da Barbie clássica despida. Encontra grande parte destes objectos online e em feiras de segunda mão. Da última vez que contou, tinha 350 bonecas, mas, explica, não é um coleccionador. É que à parte de alguns exemplares de colecção, a grande maioria são modelos da playline e servem para usar nos seus projectos.

Raul trabalha a partir de peças acabadas. Por vezes, muda o cabelo ou a pintura da boneca, mas, observa, “não faz muito sentido estar a alterar os corpos, porque elas hoje em dia já têm formas distintas”. É o irmão – que vive em Lisboa e trabalha como actor e gestor de propriedades – que trata da comunicação do The Doll Stylist, bem como da tarefa concreta de mudar os cabelos às bonecas. O processo chama-se reroot: primeiro corta-se o cabelo todo, depois é preciso retirar a cabeça do tronco e raspar o resto por dentro com uma chave de fendas e, finalmente, implantam-se as mechas de cabelo em cada bocado do escalpe.

Na mesa de trabalho tem outra máquina de costura – esta, sim, funciona –, um engenho peculiar com pinças e uma lupa que usa para fixar as bonecas durante a pintura e versões miniatura de moldes de roupa.

Para já, ser artesão de bonecas ainda não é um negócio que dê sustento, mas é esse o futuro que Raul está a construir para si e para o irmão. “Já começo a ganhar dinheiro com o meu trabalho e é ai que quero apostar. Penso que daqui a seis meses a um ano vou estar a fazer algo mais parecido.” Olhando para o percurso dos últimos três anos, não lhe restam dúvidas que é esse o rumo.

Para já, Raul vai chegar a quem vê televisão. Este sábado, 28 de Outubro, estreia na RTP o programa Cosido à Mão, em que o artesão ribatejano é um dos 15 concorrentes autodidactas em busca do título de melhor costureiro do país.

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