Santana ataca Rio e afasta-se da herança “passista”
Candidato elogia Marcelo Rebelo de Sousa numa sessão com muitas figuras do PSD. E assume que quer construir uma alternativa à actual “frente de esquerda”. Santana não gosta da palavra "geringonça"
Num pavilhão com luz natural, mas organizado em modo de comício partidário – com bandeiras e dois ecrãs gigantes –, Pedro Santana Lopes apresentou-se como o candidato à liderança do PSD que quer “unir o partido”, demarcar-se de Rui Rio e trazer a agenda social para o espaço mediático num contraste com a linha seguida pelo ainda líder Pedro Passos Coelho.
Perante perto de mil militantes – com autarcas, dirigentes e deputados nas primeiras filas do pavilhão do centro de Exposições em Santarém –, Santana Lopes começou por responder à maior crítica que os apoiantes da candidatura adversária lhe fazem ainda que em surdina: a de ter disputado legislativas com José Sócrates, em 2005, e de ter permitido que o PS ganhasse com maioria absoluta. “Aprendi em 2004 e 2005 que a legitimidade do voto não se herda, conquista-se”, afirmou, acrescentando que não vai “comparar as causas da dissolução do Parlamento dessa altura” nem comparar “os governos que se seguiram nem os que “estão à espera de julgamento”, numa clara referência a Sócrates. A intervenção aconteceu, por sinal, no pavilhão onde José Sócrates protagonizou o primeiro congresso do PS depois de ser primeiro-ministro.
Assumindo a defesa do trabalho de Pedro Passos Coelho – “mesmo quando ninguém o defendia no espaço público” –, o antigo chefe de Governo levantou a sala quando apontou o dedo a Rui Rio por “patrocinar outros movimentos” contra o partido, numa alusão ao apoio a Rui Moreira contra Luís Menezes, nas autárquicas de 2013. Mas também não o poupou por ir ouvir os “elogios” de Vasco Lourenço na Associação 25 de Abril “quando Portugal se tentava salvar da bancarrota – nem de faltar a congressos para “não ofuscar” lideranças, como argumentou Rio para não comparecer na reunião magna do partido em 2016. Nem outras figuras próximas de Rio escaparam. Santana Lopes voltou à carga contra José Pacheco Pereira como já tinha feito no congresso em 2016: “Nunca fui para a Aula Magna fazer sessões com o Bloco de Esquerda”. E fez uma alusão a António Capucho, ainda que sem referir o nome: “Nunca fui para a Fundação Mário Soares – que respeito – como um ex-companheiro de partido que admite regressar – quando estávamos a conseguir chegar à saída limpa, em 2013, dizer que ‘a democracia está mais difícil, estamos a caminho de uma ditadura corporativa’, fazendo coro com os adversários do meu partido. Nunca o fiz”.
Assumindo que quer construir uma alternativa à actual “frente de esquerda” (não gosta da palavra “geringonça”, “eles têm carinho” por ela), Pedro Santana Lopes propõe-se dar prioridade à área social – “não compreendo que não haja um candidato que fale nisto” – referindo o combate à desertificação, os “mais idosos” e os “cuidados paliativos”. É a agenda social que lhe ocupou o tempo nos últimos anos como Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e que tem estado em segundo plano no discurso oficial do PSD dos últimos anos.
Do seu programa – que será elaborado por figuras como a actual vice-presidente do PSD Teresa Morais –, Santana Lopes salientou a necessidade de ligar o partido às universidades e de dar destaque – através de “líderes por cada área” – ao “ambiente”, “cultura”, “descentralização” “finanças” e “património”. Aos 61 anos, o candidato quer ser “esse porta-voz das novas gerações, dos novos talentos, dos quadros”.
Para se afirmar como alternativa, o candidato posiciona o partido. “Por um PSD cada vez mais PPD. O que significa o respeito pelas nossas origens, a nossa ideologia, de sermos a preocupação de ser mais um partido cada vez mais popular, que rejeita o predomínio de castas ou iluminados ou de professores de ética”, afirmou, rejeitando o “marxismo” e sublinhando o “humanismo e o liberalismo”. E, defendendo a repartição mais justa da riqueza, deu como exemplo os jovens licenciados a ganhar 600 euros. Não é – avisou – como está a fazer o Governo, mas a perspectiva não pode centrar-se nos números. “Consolidação orçamental sem dúvida nenhuma – mas Portugal não se pode fechar numa folha de Excel”, afirmou, numa demarcação clara do discurso financeiro que dominou a liderança de Passos Coelho.
O candidato quis ainda afastar-se da solução de apoio parlamentar com os partidos à esquerda do PS, apontando como exemplo das cedências dos socialistas a possibilidade de jovens de “15 e de 14 anos” poderem "tomar decisões fundamentais sobre as suas vidas”, leia-se a possibilidade de mudar de sexo. No posicionamento político, Santana Lopes reiterou que sempre foi contra o Bloco Central - “não é agora que sou candidato” –, mas reconheceu ter um ponto em comum com Rui Rio. “Eu defendo pactos de regime como o outro candidato. Não sei se serão as matérias. Mas pacto é pacto, é um ponto intermédio”, afirmou, num discurso de perto de uma hora, tempo que o candidato prometeu não repetir noutras intervenções públicas.
No triângulo oposição-governo-Presidente, Santana Lopes quis dar um certo conforto aos militantes sobre o comportamento de Marcelo Rebelo de Sousa e ao mesmo tempo deixou um elogio. “O PPD deve sentir orgulho no Presidente que tem”, disse, apesar de “ninguém poder compreender sempre” as atitudes de Marcelo Rebelo de Sousa. “Às vezes gostávamos de ouvir o Presidente mais distante do Governo em funções. Mas quero sublinhar: os Presidentes não devem ser oposição aos governos, mas podem e devem ser a voz da consciência nacional como foi agora o caso”, lembrou.
Por duas vezes, o social-democrata que já foi quase tudo no partido – assessor de Sá Carneiro, primeiro-ministro, secretário de Estado, líder parlamentar, eurodeputado, autarca e líder parlamentar – quis apresentar-se como se tivesse acabado de chegar: "O meu nome é Pedro Santana Lopes e assumo tudo o que fiz na minha vida, nos piores e nos melhores momentos". E até deu um toque sobre a sua vida privada: "Pai de cinco filhos, avô de 4 netos. Divorciado mas bem na sua vida pessoal".
Num momento da sua intervenção mais intimista, e em que já não seguia o discurso escrito, Santana Lopes disse julgar ter “algum mundo” e de já ter falado com alguns líderes mundiais “na sua língua natal” – como Vladimir Putin (Presidente russo que estudou em Dresden na Alemanha) e com Tony Blair, o antigo primeiro-ministro britânico.
Apesar da vivência, o antigo primeiro-ministro que nunca deixa de dizer PPD antes de PSD disse “gostar de estar com as bases” do seu partido. E desafiou a que os líderes das distritais organizassem debates para os candidatos. Alguns dos líderes que ouviram o apelo estavam nas primeiras filas do pavilhão, como era o caso de Bragança Fernandes, presidente da distrital do Porto, ainda que o apoie a título pessoal. Estiveram presentes ainda figuras do partido como Conceição Monteiro, secretária de Sá Carneiro.
No final, foram muitos os que o quiseram cumprimentar e tirar selfies com o candidato antes de conseguir sair do pavilhão para falar à comunicação social. Afinal, foi uma sessão com perguntas dos jornalistas. Também aqui marcou a diferença face a Rui Rio.