O Out.Fest vai à igreja
A 14.ª edição do Festival de Música Exploratória do Barreiro arranca esta quarta-feira com uma actuação de Jonathan Uliel Saldanha na Igreja de Santa Maria.
As luzes da Igreja de Santa Maria, um edifício modernista do início dos anos 1960 na Praça Paulo VI, no Barreiro, estão apagadas. Os focos azuis que se vão ligando iluminam as estátuas de madeira laterais, como a de Santo António. O cheiro de incenso litúrgico ainda paira no ar. Numa gravação que sai das colunas ouve-se aquilo que parecem moedas a cair. Barreirenses, uns mais velhos, outros mais novos, agarrados uns aos outros, vão andando pela igreja, divididos em grupos, a cantar em coro, sustendo “ooohs”, “aaahs” ou “eeehs”.
É segunda-feira à noite e viemos ao penúltimo ensaio de Plethora, o espectáculo que o portuense Jonathan Uliel Saldanha preparou em conjunto com os coros locais TAB (Trabalhadores da Autarquia do Barreiro) e B-Voice, ambos dirigidos pelo maestro Manuel Gonçalves, que momentos antes dava as últimas indicações aos seus cantores, chamando-lhes a atenção para a importância da actuação e pedindo-lhes para não terem medo das explosões sonoras que vão ouvir na gravação. “Vem na sequência de outras coisas que tenho andado a fazer com voz, espaço e a subtracção de elementos, entre eles a linguagem ou a palavra. Essencialmente, a construção a partir da ressonância, a partir do excesso ou daquilo que fica se retirarmos o que é estrutural”, conta Saldanha, que se refere também ao seu interesse pelos espaços e pelo carácter de câmara de eco da igreja.
Esta quarta-feira, Plethora abrirá, às 21h, na mesma igreja onde foi ensaiado, a 14.ª edição do Out.Fest, o Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro. Este é, diz Rui Pedro Dâmaso, da direcção, “o 30.º espaço diferente que o Out.Fest usa em 13 anos”: “Estimula-nos trabalhar novos espaços. Se a música é pouco convencional na maior parte dos casos, nós tentamos que o nosso trabalho acabe por não ser sempre a mesma coisa todos os anos. A ideia é programar os concertos onde são mais adequados”, explica, referindo os espaços abandonados que existem por todo o concelho.
Até sábado, a já mencionada igreja, o Museu Industrial da Baía do Tejo (quinta-feira), o Auditório Municipal Augusto Cabrita (sexta) e a ADAO – Associação Desenvolvimento Artes e Ofícios (sábado) servirão de palco para vários concertos. No caso de terminarem mais tarde, quando já não houver barcos, um autocarro estará à espera para levar quem assim o tiver solicitado previamente para a outra margem do Tejo.
O cartaz desta 14.ª edição inclui nomes que vão do lendário músico experimental e minimalista nova-iorquino Charlemagne Palestine à compositora italiana radicada em Berlim e adepta dos sintetizadores modulares Caterina Barbieri, ambos na quinta-feira, passando, um dia depois, por Lolina, a nova designação pela qual a russa Inga Copeland, outrora metade dos Hype Williams, lança agora canções, e The Pere Ubu Moon Unit, uma variação de Pere Ubu, a banda pioneira do pós-punk que David Thomas começou em Cleveland em 1975.
No sábado, na ADAO, 12 concertos, alguns em simultâneo, invadirão o festival. Entre eles, destacam-se Black Dice, o ruidoso agora trio de Brooklyn dado à electrónica e a encontrar o belo dentro do aparentemente feio; This is Not This Heat, o nome que foi dado à reunião de Charles Bullen e Charles Hayward, que na segunda metade dos anos 1970 começaram, em Londres, a seminal banda de pós-punk This Heat; Simon Crab, fundador da banda experimental underground britânica Bourbonese Qualk; Nocturnal Emissions, o projecto multifacetado de sound art iniciado pelo londrino Nigel Ayers nos anos 1980; bem como a música de dança de Bookworms, vindo de São Francisco.
Já para não falar nos outros portugueses além de Jonathan Uliel Saldanha: Sei Miguel apresenta-se em quarteto na quinta-feira, Casa Futuro, trio que une o saxofonista Pedro Sousa e o baterista Gabriel Ferrandini ao contrabaixista sueco Johan Berthling, actua na sexta, enquanto no sábado o mesmo Ferrandini toca em trio com o teclista David Maranha e Alex Zhang Hungtain, o canadiano nascido em Taiwan que antes lançava música sob o nome Dirty Beaches (e que neste caso toca saxofone), havendo ainda espaço para Putas Bêbadas, DJ Problemas, DJ Nigga Fox, Gyur, Coletivo Vandalismo e Jejuno.