Schäuble, o homem no centro da opção europeia pela austeridade

Nos últimos oitos anos, foi a imagem da austeridade na zona euro. Mas desde os anos 1980 do século passado que Wolfgang Schäuble está no centro da política alemã em relação à Europa.

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Wofgang Schäuble é ministor das Finanças desde Outubro de 2009 LUSA/ARMANDO BABANI

Corria o ano de 2009, muitos dos Executivos europeus estavam ainda a ensaiar uma resposta à crise financeira e à recessão baseada em políticas keynesianas de expansionismo orçamental, e, em Outubro, Wolfgang Schäuble assumiu o cargo de ministro das Finanças alemão. A partir desse momento, a política económica seguida na Europa mudou.

A mudança poderia também ter acontecido sem Schäuble, é certo, mas é muito difícil minimizar o papel desempenhado pelo ministro alemão na arquitectura e na aplicação prática da política económica europeia dos oito anos seguintes. Foi um período em que os governos europeus, à medida que iam descobrindo as fragilidades da sua moeda única, aceitaram resgatar financeiramente os países em maior crise, mas impondo-lhes apertadas políticas de austeridade, e preferiram assistir ao apoio monetário dado pelo BCE, sem oferecerem um estímulo orçamental à economia.

Os apoiantes desta estratégia chamam-lhe política de estabilização e defendem que foi a melhor forma de assegurar um crescimento sustentável no futuro. Os mais críticos, dizem que foi uma receita para a subida do desemprego e para o surgimento de gerações perdidas nos países mais afectados pela crise.

O que é certo é que Wolfgang Schäuble esteve no centro de todas estas decisões europeias. Em primeiro lugar, pelo que fez na Alemanha. A maior economia da zona euro, com a força das suas exportações intacta e mesmo impulsionada pela depreciação do euro, foi a que resistiu de melhor forma à crise. O desemprego, em vez de subir, desceu, e o país foi acumulando excedentes com o exterior que até ultrapassavam os limites recomendados por Bruxelas.

Entidades como o Fundo Monetário Internacional começaram bastante cedo a recomendar que a Alemanha, em contraposto com o que tinham de fazer os países periféricos da zona euro, aplicasse políticas mais expansionistas, que impulsionassem o investimento e o consumo e ajudassem o resto da zona euro com mais procura.

Mas Wolfgang Schäuble – liderando a corrente de opinião prevalecente na Alemanha - não aceitou esses conselhos vindos do exterior e nunca viu razões suficientes para abdicar de uma política orçamental muito prudente que, pelo menos de momento, tem garantido resultados positivos na economia do país.

Depois, ao nível da política económica europeia, Schäuble assumiu como sua principal tarefa evitar que a União Europeia desse passos para se transformar na “união de transferências” que a Alemanha tanto teme. Fê-lo, ao influenciar grandemente a política europeia de Berlim, num equilíbrio nem sempre fácil com a chanceler Angela Merkel, e fê-lo pelo seu papel dominante no Eurogrupo. São vários os relatos que dão conta da grande capacidade de Schäuble para gerir maiorias e tendências dentro do grupo de ministros das Finanças da zona euro, não facilitando, nem as assinaturas de novos programas de resgate na Grécia, nem a entrega de novas tranches dos empréstimos. Ainda assim, quando se chegava a uma situação limite, era também ele que abria finalmente as portas para a concretização de um resgate.

Em 2015, com a Grécia, Wolfgang Schäuble deu sinais de estar mesmo disposto a forçar uma ruptura. No meio de mais uma cimeira de emergência para aprovar um novo programa de destaque, veio da Alemanha a ideia de suspender a participação da Grécia no euro. Foi um momento histórico em que uma proposta que deixava cair um dos Estados membros chegou mesmo a ser passada a escrito. Os outros países – e também Angela Merkel – reagiram, e Schäuble acabou por rapidamente recuar, mas ainda assim ainda hoje defende que essa solução teria sido a que mais rapidamente tiraria a Grécia da crise.

Na relação com Portugal, passou por diversas fases. Durante o Governo de Passos Coelho apresentou muitas vezes o país como um caso de sucesso, como uma prova de que é possível fazer bem melhor do que a Grécia. Quando o actual governo entrou em funções, e nos primeiros meses os mercados deram sinais de desconfiança, Schäuble acrescentou ainda mais dúvidas: “Portugal vinha tendo muito sucesso até [à chegada] de um novo Governo. As coisas estão a acontecer da forma para a qual eu alertei o meu colega português, porque eu lhe disse que se seguissem esse caminho iriam correr um grande risco”.

Mais recentemente, numa entrevista ao Expresso, já elogiou os “resultados impressionantes” conseguidos por Portugal nos últimos anos, mas fez questão de ligar esses sucessos, não à política nacional, mas à europeia. “Demonstra igualmente que a política de estabilização europeia funciona”, disse, assinalando que “os Estados que aplicaram e concluíram programas de assistência têm um crescimento acima da média”.

Não se pense contudo que foi só como ministro das Finanças no período da crise das dívidas soberanas da zona euro que Wolfgang Schäuble desempenhou um papel importante no rumo seguido pela Alemanha e pela Europa. Muito pelo contrário. Desde os anos 80 do século passado, quando foi um membro proeminente da CDU, e ocupou cargos nos governos de Helmut Kohl, sendo apontado como potencial sucessor, que é uma das referências mais influentes do pensamento político alemão, nomeadamente sobre a Europa.

Em 1994, quatro anos depois de ser alvo de um atentado à sua vida, publicou um ensaio – em conjunto com Karl Lamers, e Theo Waigel – em que propunha uma Europa a várias velocidades e em que um grupo de países (e que não incluía a Itália e a Espanha) caminhava rapidamente em direcção a uma união política muito mais avançada, a uma autêntica Europa federal. Esta é uma ideia que ainda hoje defende, afirmando frequentemente que é a favor da existência de um ministro das Finanças europeu.

Schäuble marcou com a sua proposta de 1994 o debate europeu da altura, mas as ideias que defendeu ficaram muito longe de passar à prática.

Agora que deixa de ser ministro das Finanças – e em que uma Europa a várias velocidades continua em discussão – Wolfgang Schäuble vai, com toda a probabilidade, continuar a querer dar razão aos que dizem que é a personalidade no activo que mais influenciou aquilo que é a Alemanha e a Europa. Ele é a figura de referência para muitos alemães e para a facção mais importante da CDU quando se discute a política económica e europeia do país. E, por isso, um novo Governo, mesmo sem Schäuble, vai ter sempre de continuar a ouvi-lo.

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