A centenária Fábrica Confiança, que Braga comprou para usufruto da cidade, pode ir parar às mãos de privados

Ricardo Rio assumiu a possibilidade de alienar o edifício em caso de reeleição, justificando a decisão com a ausência de fundos comunitários para a sua reabilitação e com ofertas já recebidas. Oposição fala em traição ao consenso entre forças políticas e associativismo que ditou a compra do imóvel.

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Nelson Garrido

O edifício que acolheu a Fábrica Confiança entre a década de 1920, altura em que a produção de sabonetes se distribuiu por cerca de 150 marcas diferentes, e 2002, quando a empresa deixou de operar ali — esta está hoje sediada num parque industrial em S. Mamede d’Este, nos arredores da cidade —, pode ser vendido pela Câmara Municipal de Braga em hasta pública caso o actual presidente se mantenha no poder após as eleições de 1 de Outubro.

O cenário de reabilitação com base nos fundos do anterior quadro comunitário, no final de 2012, quando a câmara, na altura ainda liderada pelo socialista Mesquita Machado, comprou o imóvel por 3,5 milhões num acordo com a então proprietária, a empresa Urbinews, modificou-se, disse o autarca bracarense, realçando que, neste momento, não há “meios” para uma intervenção dessa natureza. Isto porque a autarquia direccionou o “volume de recursos disponível para a reabilitação urbana”, para a requalificação do mercado municipal — que deve avançar no final do ano ou no início de 2018 — e do Parque de Exposições de Braga, a seu ver, “projectos mais prioritários”.

A Câmara de Braga tem, na perspectiva do autarca, de fazer uma “gestão responsável dentro das suas necessidades, das suas prioridades e dos recursos que tem”, considerando mais importante investir os “quatro a cinco milhões de euros” estimados para a requalificação da Confiança no projecto de reabilitação do Parque das Sete Fontes, que guarda um antigo sistema de abastecimento de água à cidade.

Ricardo Rio confirmou ainda ter recebido durante “todo o mandato” várias propostas para a aquisição do exemplar industrial quase centenário, que incluíam “extensões de áreas comerciais”, “valências comunitárias de natureza social” e “projectos na área do apoio ao acolhimento de jovens universitários”, todas elas visando o rendimento económico e por valores superiores ao da compra do imóvel pelo município. A alienação, caso vá avante, explicou, vai ditar a realização de uma hasta pública para a venda do imóvel, com a salvaguarda de condições como a “criação do núcleo museológico da Confiança” e a “manutenção da componente arquitectónica do edifício”.

A abertura às ofertas de entidades privadas e aos respectivos projectos deve anular “o que foi desenvolvido em sede de concurso de ideias”, reconheceu o autarca bracarense. Depois da primeira aprovação da compra do edifício em reunião de câmara, em Novembro de 2011, foi lançado um concurso que reuniu 77 propostas e determinou a selecção de quatro — um hostel, uma incubadora de empresas de base tecnológica, um centro de Ciência Viva e espaços de comércio e restauração —, que, à partida, vão ficar sem efeito.

A propriedade da antiga fábrica não vai ser alvo de qualquer decisão até ao final do presente mandato, mas instado pelo vereador da CDU, Carlos Almeida, a fazer um compromisso para, no caso de ser reeleito, “não desrespeitar o sentido político” do consenso obtido para a compra do imóvel, Ricardo Rio disse que o programa eleitoral da coligação Juntos por Braga (PSD e CDS/PP) prevê a alienação, uma “opção política de quem governa” e que pode resolver o problema da falta de fundos.

Oposição fala em traição

Os vereadores do PS e da CDU salientaram, no rescaldo da reunião do executivo municipal, que a venda da antiga fábrica Confiança pode desfazer, em breve, um processo que juntou a sociedade civil e os meios políticos na tarefa de devolver o edifício à cidade, traindo o envolvimento de muitas das forças vivas da cidade.

A socialista Liliana Pereira frisou que, depois de um processo que levou o antigo edifício industrial a ficar sob alçada municipal e mobilizou a sociedade civil para um concurso de ideias destinado a dar-lhe um novo uso, a possível venda de “instalações que tanto dizem e tanto revelam sobre a história e o património de Braga deve preocupar a todos os bracarenses”. A vereadora sugeriu ainda que se fala de uma eventual alienação numa altura em que “há um interesse por parte da grande superfície anexa à Fábrica Confiança”.

Já Carlos Almeida vincou que Ricardo Rio “assinou a sentença da Fábrica Confiança numa traição absoluta a todos os que estiveram comprometidos na sua aquisição, aos que participaram no concurso de ideias, a todo o movimento associativo cultural que se empenhou na valorização daquele património industrial, a todas as forças políticas que se reuniram em consenso e até a si próprio, lembrando que o então vereador da oposição defendeu a instalação do museu da cidade no imóvel e que o actual vice-presidente da câmara e, na altura, presidente da Junta de Freguesia de S. Vítor, Firmino Marques, falou no edifício como “alavanca para o desenvolvimento das indústrias criativas”.

Recorde-se que a compra do imóvel foi também rodeada de polémica, pois considerou-se que a autarquia estava a adquiri-lo por um valor superior ao que na altura valia.     

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