O insustentável desafio da Catalunha
Contando com apoios que não teve, o governo catalão quis forçar o embate com o governo de Madrid. Sem sucesso.
A questão catalã é antiga. Já muito dela se falou, dos seus antecedentes históricos, de onde vêm as aspirações autonómicas até aos desejos independentistas e o que por entre eles entretanto surgiu de fervores nacionalistas ou demagogias oportunistas. Sim, há e haverá uma causa catalã, a questão maior é saber se ela ainda tem solução no interior de Espanha, altere-se o que se tiver de alterar nas leis, ou se forçará uma ruptura, com tudo o que tal ruptura poderá acarretar, quer para os espanhóis quer para os catalães. Mariano Rajoy, em defesa da integridade do Estado espanhol, veio dizer publicamente que este referendo na Catalunha é, “desde o início, radicalmente antidemocrático”, mas melhor faria se dissesse que é radicalmente anticonstitucional. Porque uma consulta popular, se for feita em liberdade e não violar as leis vigentes, não é antidemocrática. Ora neste caso, e daí a intervenção dos tribunais com as acções policiais dela decorrentes (detenções, apreensão de boletins de voto e de cartas a apelar ao voto), a violação constitucional é clara, e o governo catalão, ciente disso, quis forçar o embate com o governo de Madrid.
Este processo teve, recorde-se, um antecedente brando. Em 2013, após os nacionalistas terem reforçado o seu peso eleitoral em 2012, aprovaram um referendo para 2014. Este, apesar de proibido como tal, veio a ocorrer sob a designação (dada, à data, por Artur Mas) de “processo de participação cidadã”. O Tribunal Constitucional suspendeu tal consulta, é verdade, mas ela acabou por realizar-se enquanto “processo”, tendo 80,7% dos 2,3 milhões de votantes, num universo de 5,4 a 6 milhões de possíveis eleitores, dito “sim” à Catalunha como Estado e (era a segunda pergunta) como Estado independente.
O cálculo dos independentistas, depois deste teste, é que conseguiriam apoios para impor um referendo que tornasse efectivo tal resultado. Enganaram-se. De fora de Espanha, numa Europa onde, ainda que oportunisticamente, alguns lhes poderiam abrir os braços, não receberam qualquer apoio, antes o silêncio. A secessão não é tema que agrade a ninguém, pelos medos que concita. Por isso tentaram forçar um embate com Madrid, mesmo sabendo que perderiam no imediato. Mas o clima de animosidade criado, propício a reforçar sentimentos adversos (indignação e repúdio nos espanhóis extra-Catalunha e uma vitimização reforçada entre catalães, beneficiando as hostes independentistas), não é sustentável. Mesmo que volte, depois, o silêncio, há um tumulto escondido à espera.