Autárquicas: as consequências virão em câmara lenta

Se as eleições são locais, haverá sempre conclusões nacionais a tirar dos sufrágios de 1 de Outubro. A novidade é que, este ano, os resultados podem fazer-se sentir mais na oposição do que nos partidos que apoiam o Governo.

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António Costa em campanha eleitoral na Covilhã LUSA/PAULO NOVAIS

Até que ponto as eleições autárquicas podem influenciar a conjuntura política nacional? Se ninguém espera consequências como as de 1982 ou 2001, com demissões e quedas de governo, o certo é que todos os partidos farão uma leitura nacional dos resultados. E isso pode levar a mudanças, não de “banda larga”, mas de “banda estreita”, nas palavras de António Galamba, um dos coordenadores autárquicos do PS em 2001. Dessa vez, o primeiro-ministro demitiu-se na noite eleitoral. Agora, qualquer consequência na governação ou na oposição deverá acontecer ao ralenti. Até porque há congressos de todos os partidos em 2018.

“Há um grande peso das lógicas locais nas eleições autárquicas, mas também há efeitos nacionais dos seus resultados”, afirma ao PÚBLICO o politólogo André Freire, autor de um estudo sobre o impacto das eleições de segunda ordem (autárquicas e europeias) nos ciclos eleitorais. Nesse estudo, publicado em 2004 na revista Análise Social, Freire conclui que “os eleitores se servem das eleições de segunda ordem para expressarem o seu descontentamento com o governo nacional”. E que “a perda de apoio eleitoral do governo nacional entre eleições de primeira e de segunda ordem depende, não só da popularidade do governo, mas também da situação económica do país”.

Neste momento, sublinha ao PÚBLICO, “a conjuntura é favorável ao Governo, tanto a nível político, porque o executivo é recente, como a nível económico”, com o crescimento acima das previsões, a descida do desemprego e a subida do rating da República. Por tudo isso, “não é de esperar um grande refluxo dos partidos que apoiam a solução governativa”, prevê André Freire.

No máximo, acrescenta, “pode haver rearranjos no peso dos partidos que apoiam o Governo. E quem pode capitalizar mais é o PCP, dado o seu lastro autárquico”, já que a CDU governa 34 municípios e o BE perdeu o único que tinha em 2013. Por outras palavras, um bom resultado dos comunistas nas autárquicas tenderá a equilibrar o melhor resultado obtido pelo BE nas últimas legislativas.

Mas se o resultado for inverso, pode tornar-se um risco para a solução governativa, na opinião de António Galamba: “Se a CDU tiver um resultado muito abaixo daquele que tem agora, pode mudar a estratégia perante o Governo”, afirma, lembrando que, a nível local, “o PCP continua a falar como se não tivesse responsabilidades governativas”.

Em qualquer caso, o resultado do PCP conta para o PS, antevê este secretário nacional da direcção de António José Seguro: “Se o PS tiver um resultado fraco em número de câmaras, pode tentar uma solução tipo ‘geringonça’ para manter a governação da ANMP”, preconiza. Mas considera que “não há razão nenhuma para o PS ter menos” que as 149 presidências de câmara de 2013 e sublinha que “a vitória nas autárquicas mede-se pelo número de câmaras”.

Remodelação à vista?

Mais do que a filigrana da “geringonça”, os resultados das autárquicas podem determinar o timing e a extensão de uma futura remodelação governamental. Para o antigo líder do PSD Luís Marques Mendes, o primeiro-ministro será tentado a mexer no Governo para “ganhar élan” para a segunda metade do mandato, como fizeram alguns antecessores, em especial Cavaco Silva em 1989, a meio do mandato da primeira maioria absoluta.

Nesse ano, o PSD sofre uma pesada derrota nas autárquicas (o PS ganha em número de votos, de autarquias e de mandatos), o que, conjugado com a demissão de Eurico de Melo de vice-primeiro-ministro e a reeleição de Mário Soares como Presidente da República deixaram o Governo muito fragilizado. Mendes recorda que Cavaco fez uma profunda remodelação, substituindo pesos pesados como Miguel Cadilhe (Finanças), Álvaro Barreto (Agricultura) e Leonor Beleza (Saúde), Silveira Godinho (Administração Interna) e Fernando Nogueira (Justiça), além de Eurico de Melo.

“O governo estava a meio do mandato, a economia estava bem, mas o ambiente político deteriorara-se com o processo das autárquicas, que não foi muito bem gerido pelo PSD, e sobretudo na sequência de decisões em relação à função pública que caíram mal na opinião pública”, lembra. Com a remodelação e algumas medidas eleitoralistas (o anúncio do 14.º mês para reformados), menos de dois anos depois o PSD obteve a segunda maioria absoluta. E a meio desse novo mandato, voltou a remodelar após as autárquicas.

De regresso a 2017, tanto Mendes como Freire e Galamba vêem como natural que António Costa proceda a uma remodelação mais profunda do Governo no final do ano ou princípio do próximo, depois de aprovado o Orçamento do Estado. Uma mexida não tanto condicionada pelos resultados das autárquicas, mas pela necessidade de refrescar o Governo tendo em vista as legislativas. “António Costa já só pensa na maioria absoluta em 2019 e essa remodelação seria o relançamento da dinâmica do Governo para a parte final do mandato”, frisa Mendes.

Lideranças em risco à direita?

Nestas autárquicas, as sondagens e os opinion makers colocam a pressão sobretudo do lado da oposição. André Freire considera que a líder do CDS, Assunção Cristas, “joga o seu futuro político em Lisboa, e perde se ficar muito abaixo das médias históricas” de Paulo Portas. E Marques Mendes avisa que, “se as autárquicas correrem muito mal para o PSD, esse resultado pode influenciar a disputa interna” que se adivinha entre Passos Coelho e Rui Rio no congresso do próximo ano.

Não que Mendes espere uma grande surpresa dos resultados eleitorais de 1 de Outubro. Na análise do comentador, o PSD tem vindo a baixar as expectativas porque sabe que vai ter “resultados miseráveis nas grandes autarquias” – Lisboa, Porto, Gaia ou Gondomar –, mas alimenta a esperança de ganhar outras como Coimbra, Sintra e Funchal – e, se isso acontecer, “até sai benzinho”.

André Freire também não acredita numa hecatombe eleitoral para o PSD. “Há quatro anos o PSD teve uma derrota pesada sobretudo devido a factores locais: tinha muitos presidentes de câmara há muito tempo no poder e a direita dividiu-se em grandes centros, como Gaia, Porto e Sintra”, a que se somava o peso da austeridade no Governo. Este ano, o politólogo pensa que o PSD tenderá a subir face a 2013, “apesar da falta de entendimento com o CDS em Lisboa” e da candidatura fragilizada de Teresa Leal Coelho: “Chegou tarde, aparece pouco e não se percebe o programa.”

Para Marques Mendes, a situação que mais fragilizaria Passos Coelho seria Teresa Leal Coelho ficar em terceiro lugar, abaixo da líder do CDS, como apontava uma sondagem divulgada segunda-feira pelo JN. “Eu não acredito que isto vá acontecer em caso algum, mas a nível teórico seria o pior dos cenários”, sublinha ao PÚBLICO.

O “murro no estômago”, avisa, pode vir do número total de votos. Mendes admite que o PSD “corre o risco de não atingir os 20% de votos a nível nacional”, o limiar abaixo do qual os partidos são considerados médios. E as consequências disso é que já não se fariam esperar. 

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