Por duas vezes, as autárquicas fizeram cair governos
Em 1982, o governo da AD liderado por Pinto Balsemão caiu, apesar da direita ter ganho as eleições locais. Em 2001, António Guterres demitiu-se de primeiro-ministro para evitar o "pântano". Lembra-se disto?
Dois governos totalmente distintos, duas situações praticamente incomparáveis. Mas já por duas vezes houve eleições antecipadas na sequência de eleições autárquicas. Qualquer comparação com a situação actual é pura coincidência, mesmo. O que distingue estes casos com os do passado são a situação política, económica e social. Tanto em 1982 como em 2001 já havia no ar um fim de ciclo político. Hoje, a procissão ainda vai no adro.
1982: A vitória da AD que foi um “desaire”
A 12 de Dezembro de 1982, em plena noite eleitoral das autárquicas que a direita vence com 42% dos votos, Freitas do Amaral, vice-primeiro ministro e ministro da Defesa do governo da AD chefiado por Pinto Balsemão, demite-se. Segundo o próprio, só consideraria uma vitória se obtivessem mais de 45%. Como não aconteceu, foi à televisão anunciar a saída de cena nos seguintes termos: “Depois deste desaire eleitoral, abandono a política”. E assim foi, saiu do executivo e da liderança do CDS, num gesto irrevogável que levou à queda do governo.
Mas não de imediato. Apesar das pressões internas para se manter na liderança do Governo, Balsemão acaba por apresentar ao Presidente da República a sua demissão, embora dando a garantia que os dois partidos apresentariam uma nova solução de governo. Mas Carlos Mota Pinto e João Salgueiro, convidados para assumir o cargo de primeiro-ministro, recusaram e a terceira hipótese, Vítor Crespo, divide o CDS, que lhe dá um “apoio condicionado”. Com a situação política em acelerado apodrecimento e perante um governo frágil, Ramalho Eanes anuncia a 23 de Janeiro de 1982 a dissolução da Assembleia da República e eleições legislativas antecipadas.
Balsemão tinha chegado a primeiro-ministro, primeiro como interino, com a morte de Francisco Sá Carneiro, a 4 de Dezembro de 1980, e depois como chefe dos VII e VIII Governo. É este último que cai, após uma grande crise económica, social e sobretudo um período de turbulência política dentro da AD, já que nunca houve muita confiança entre Freitas e Balsemão.
2001: A derrota do PS e o risco do “pântano”
Foi uma pesada derrota a que o PS sofreu naquelas autárquicas de 16 de Dezembro de 2001: perdeu 14 câmaras, algumas das maiores – Lisboa, Porto, Coimbra, Sintra, Faro, Portalegre, Vila Nova de Famalicão e Setúbal -, e um total de 4% dos votos. Nessa mesma noite, na leitura dos resultados, António Guterres anuncia a sua demissão de primeiro-ministro, justificando a decisão com o facto de não querer deixar o país num “pântano político”.
Mas a desilusão de Guterres tinha começado dois anos antes, na noite das eleições legislativas de 1999. Apesar da vitória, o PS não alcançou a maioria absoluta por uma ‘unha negra’ e viu o parlamento dividido ao meio, com 115 deputados socialistas e outros tantos na oposição. Se no primeiro mandato tinha conseguido aprovar os Orçamentos do Estado com a abstenção do PSD ou do CDS, neste segundo mandato que ia a meio só o fizera graças à aprovação de uma nova fábrica de queijo limiano em troca do voto do presidente da Câmara de Ponte de Lima, que voltou ao parlamento para aprovar o designado ‘orçamento limiano’.
O governo acumulava sinais de fim de ciclo. Das viagens fantasma à queda da ponte de Entre-os-Rios, passando pelo escândalo da Fundação para a Prevenção Rodoviária, Guterres teve de fazer remodelações sucessivas e até o Presidente Jorge Sampaio o pressionava para ter um vice-primeiro-ministro. A dimensão da derrota nas autárquicas foi a gota de água. Com a demissão, Sampaio opta pela dissolução do Parlamento e as eleições que se seguiram dão a vitória ao PSD de Durão Barroso, que faz coligação com o CDS de Paulo Portas.