O museu está vivo (e a performance também)
Durante este fim-de-semana, vários espaços de Serralves são activados pela terceira edição de O Museu como Performance, com o olhar focado em reflexões do presente.
Activar o corpo, tornar o museu vivo – e, à boleia, lançar a discussão sobre o que podem ser hoje as instituições museológicas na sua relação com os artistas, os públicos, o mundo.
Resumidamente, são estas as linhas mestras do programa O Museu como Performance, cuja terceira edição chega este fim-de-semana a Serralves com uma série de artistas nacionais e internacionais, entre eles o colectivo Teatro Praga, Projecto Teatral, Germaine Kruip ou Francesca Grilli. A performance é aqui elevada a protagonista, em intersecção com as artes visuais e a música. E este ano é levada para todo o lado: das galerias do museu ao parque, da capela ao campo de ténis.
“Nesta edição há a multiplicação dos espaços utilizados”, nota Pedro Rocha, um dos curadores de O Museu como Performance, a par de Cristina Grande e Ricardo Nicolau, todos eles programadores residentes em Serralves. “Um dos nossos princípios é pensar uma programação que se relacione com a arquitectura, portanto faz sentido que as propostas ocupem vários espaços e sejam site-specific”, acrescenta Cristina Grande. Isso também é cumprir a história da instituição, em que os projectos performativos têm estado presentes desde a inauguração do museu. “O desafio a artistas para utilizarem vários espaços da fundação é algo que pertence muito a Serralves, algo muito marcante no nosso percurso”, lembra Pedro Rocha.
Tudo isto acontece num momento em que a performance está a entrar cada vez mais em força nas programações e colecções dos museus, e em que os próprios artistas procuram ocupá-los, fazendo deslizar definições e as fronteiras instituídas entre performance, teatro, dança, leitura, música e artes visuais (nomes como Juliana Huxtable, Isabel Lewis, Adam Linder ou Trajal Harrell, estes dois últimos já programados por Serralves, são exemplos disso mesmo). Contudo, não é uma novidade: nos anos 60 e 70 já Trisha Brown, Merce Cunningham ou Meredith Monk andavam nesse transitar. “Toda a história da performance passa pelos museus”, assinala Pedro Rocha. “Entretanto houve um processo de reivindicação da performance como uma área que não é menor.” E houve também uma “migração interesseira”, aponta o programador. “Isto passa também por uma vontade das equipas dos museus em torná-los [espaços] vivos, atrair novos públicos e estabelecer uma relação mais fluída e presente com o tempo.”
Para Pedro Rocha e Cristina Grande, neste contexto actual “não é tão óbvio” o espírito de rebelião “contra as instituições” semeado na década de 60. Contudo, a performance não perdeu o pensamento crítico. “Continua a ser uma forma de reflectir sobre a esfera pública e a contemporaneidade”, considera Cristina Grande. Muitos dos projectos apresentados neste terceiro round de O Museu como Performance passam por aí. Como a proposta do Teatro Praga, intitulada ( ), que “é bastante crítica sobre o que pode ser um museu hoje e sobre toda a produção cultural gerada dentro e fora dele”, adianta Cristina Grande. Uma criação que se desenrola este sábado nas galerias do museu durante cinco horas e “que pensa e inclui o que é invisível e desconsiderado”, acrescenta a programadora – porque também o circuito artístico instituído é dominado por um cânone branco, patriarcal e cisgénero.
O presente está a passar por aqui
Contra a normatividade surge também Raúl de Nieves com La Mosca, domingo na Casa de Serralves. Um artista transdisciplinar que tem marcado presença em espaços de referência como o MoMA e o Museu Whitney, e cujo trabalho – feérico e uma verdadeira demonstração de joalharia pop – é alimentado “por uma ideia de um amanhã melhor”, segundo palavras do próprio. Outro acontecimento especial é a performance Arca, do Projecto Teatral, que resultou de uma co-produção entre Serralves e a sala francesa La Ferme du Buisson. O colectivo monta a tenda (literalmente) no palco do auditório, este sábado, durante três horas: tal como na proposta dos Praga e no concerto-instalação de Ricardo Jacinto, o público pode entrar e sair quando quiser. “Arca remete-nos para um tempo que contraria a velocidade do presente, para um tempo de observação”, descreve Cristina Grande.
O objectivo de dar um batimento cardíaco ao museu parece convergir na proposta de Germaine Kruip, A Possibility of An Abstraction: Square Dance, na qual a artista holandesa evoca formas visuais elementares “e as raízes da abstracção” para as activar num corpo de um bailarino (sábado e domingo em vários locais). Na capela da Casa, durante os dois dias, instala-se The Forgetting of Air, de Francesca Grilli, um trabalho “sobre aquilo que nos faz viver: a respiração”, diz Cristina Grande. Esta performance partiu de uma investigação de Grilli sobre a crise das migrações contemporâneas, “materializada aqui sob uma perspectiva sensorial e uma enorme subtileza”.
De resto, há ainda Acqua Sfocata, de Alessandro Bosetti, que no domingo traz o quotidiano para dentro do museu através de “instalações conversacionais”, postas em prática por performers não profissionais. “Ele vai modelando conversas casuais entre grupos e, através desse jogo de linguagem, reflecte sobre as fragilidades da comunicação de hoje, ao mesmo tempo que explora outras possibilidades”, enquadra Pedro Rocha.
O presente está a passar por aqui. “O que propomos são reflexões actuais, do ponto de vista social, político e económico, feitas por artistas de hoje”, conclui Cristina Grande.