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O que queremos?

Falar sobre produtividade é uma discussão mais difícil e menos popular que propor medidas sobre redistribuição de rendimento, mas a prazo será crucial para que outros objetivos de políticas públicas também possam ser prosseguidos mais facilmente.

O ciclo para a criação do Orçamento do Estado para 2018 aproxima-se do fim. É por isso natural que comecem as discussões sobre o que conterá, e a discussão pública começa a refletir este momento, com o surgimento de várias noticias com as posições dos partidos políticos sobre as escolhas a fazer em termos de políticas públicas. É altura de perguntar: o que queremos?

As políticas públicas de natureza económica incluem políticas referentes à despesa pública, às receitas do Estado (sobretudo impostos) e aspetos de enquadramento geral, como as políticas de defesa do consumidor, de defesa da concorrência, regulação de atividades especificas e regras laborais. 

Os objetivos da intervenção pública são múltiplos, e consoante o contexto será mais relevante um ou outro objetivo. Pode-se querer colmatar “falhas de mercado” (situações em que o livre funcionamento da economia não gera os resultados pretendidos), pode-se querer atingir objetivos de redistribuição de rendimento, pode-se querer “ditar” as regras de comportamento ou apenas ajustar o contexto de decisão para os agentes económicos (pessoas e empresas).

A definição do Orçamento do Estado, que vai agora entrar, para o Orçamento de 2018, na sua fase final até à entrega no Parlamento para discussão e votação espelha muitas dessas opções em políticas públicas. Do que tem sido o debate público, é clara a tensão entre objetivos de redistribuição de rendimento e objetivos de promoção do crescimento económico ou estabelecimento das condições para que o mesmo possa ter lugar. Nos primeiros encontramos o combate à pobreza, a redução da exclusão social mas também a reposição de salários na função pública e o IRS mais progressivo, além da pressão de algumas profissões. No segundo caso, surgem na intervenção pública a definição de apoios a empresas, a política industrial (em sentido lato), criação de condições favoráveis ao investimento direto estrangeiro, investimento em infraestruturas, etc.

O crescimento económico nos últimos dois anos tem sido usado como argumento para a existência de espaço orçamental para mais redistribuição. Se mais crescimento económico e mais emprego leva a mais receitas fiscais e a menor despesa de apoio social, então é possível fazer mais redistribuição. Daí falar-se em revisão do IRS, em aumentos de (algumas) pensões e outras medidas de sentido similar. 

Mas convém olhar um pouco melhor para a natureza do crescimento económico – em particular, se há ou não há aumentos de produtividade na economia portuguesa. Se o crescimento observado resultar sobretudo de mais pessoas a trabalhar mas sem aumentos de produtividade, terá mais cedo ou mais tarde um travão natural.

Procurando uma primeira visão nos números publicados pelo Eurostat, conseguimos obter alguma informação adicional. Em primeiro lugar, e usando um habitual indicador de desigualdade de rendimentos, o coeficiente de Gini, sabemos que Portugal é um países europeus com maior desigualdade, mas que mesmo assim esta é menor nos anos 2011-2015 do que nos anos 2004-2009 (2010 foi o ano mais favorável – uma busca rápida via Google por Gini índex + Eurostat permite ao leitor confirmar). Portugal tem hoje uma situação muito parecida com a da Espanha neste campo. Há mecanismos de proteção social que têm funcionado, e os trabalhos de Carlos Farinha Rodrigues revelam o seu importante papel. Fica, porém, a pergunta de quanto mais se poderá ainda fazer com os mecanismos tradicionais de redistribuição de rendimento.

Por outro lado, quando se olha para a evolução do PIB por trabalhador (usando uma vez mais os dados do Eurostat), verifica-se que continua a haver uma grande diferença face aos principais países europeus (por exemplo, os participantes na zona euro), e mesmo comparando com Espanha está-se bastante abaixo (isto é, se em Portugal o PIB por trabalhador fosse similar ao espanhol, o rendimento médio em Portugal aumentaria mais de 30%). 

É desejável que a discussão sobre políticas públicas englobe de forma mais clara, mais explícita, mais informada, as opções sobre aumento da produtividade como gerador crescimento económico duradouro e permitindo, desse modo, outras formas de redução das desigualdades económicas que têm estado centrais na atenção política. O problema é que não há a possibilidade de decretar aumentos de produtividade, e esta depende de milhões de pequenas decisões tomadas todos os dias por muitos agentes económicos (pessoas, entidades diversas, empresas). A importância da internacionalização e das exportações para o crescimento da economia vem também da pressão que exerce para que as empresas tenham que continuamente melhorar o valor da sua produtividade. A importância de tentar novos produtos e serviços ou novos processos produtivos resulta de com eles se aumentar o valor produzido por trabalhador.

Mas politicamente falar de produtividade é uma discussão menos atraente – quando se fala em redistribuição, haverá um grupo claro que beneficia, o que favorece o apelo eleitoral (sobretudo se os custos estiverem muito diluídos de modo a não serem apercebidos pela maioria da população, ou se estiverem concentrados num grupo muito pequeno, irrelevante do ponto de vista eleitoral).
Falar sobre produtividade é uma discussão mais difícil e menos popular que propor medidas sobre redistribuição de rendimento, mas a prazo será crucial para que outros objetivos de políticas públicas também possam ser prosseguidos mais facilmente.

Pedro Pita Barros é Vice-Presidente da Direção do IPP e Professor da NOVA SBE

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição.

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