Só em 90 bancos de troca de manuais, famílias poupam 680 mil euros
Só nos 32 mil livros trocados em 90 bancos, nos 64 mil livros prontos a serem vendidos na Book in Loop e nos 50.500 redistribuídos pelo Governo dos Açores estão 3,1 milhões de euros que desaparecem do mercado editorial dos manuais.
Em todas as frentes, são cada vez mais os livros escolares reutilizados em Portugal, numa tendência cultural que não parece ter recuo. Entre a nova política pública do Governo, os bancos de troca geridos por voluntários, juntas de freguesia e autarquias e uma plataforma digital privada, há milhares de livros a “dar a volta” e a passar de mãos. Só nos 90 bancos de troca dos distritos do Porto, Braga e Setúbal, as famílias pouparam no ano passado 680 mil euros.
Em 2016, foram entregues nos 42 bancos de troca de manuais do distrito do Porto 22.402 livros, dos quais 4320 foram levantados por outras famílias. No mesmo período, foram doados aos 30 bancos de troca de Setúbal 120.500 livros, dos quais 23 mil foram reutilizados. E os 21 bancos de Braga receberam 16.352 doações, tendo 4668 livros sido reutilizados.
Em 2016, nestes 93 bancos de troca foram doados 159.254 livros e reutilizados 31.988, ou seja, uma taxa de reutilização de apenas 20%. Mesmo assim, a “volta” de 32 mil manuais permitiu às famílias do Porto, Braga e Setúbal pouparem 680 mil euros — se usarmos o valor médio de 21,27 euros por manual escolar nestes anos (5º ao 12º).
Em Portugal, há 155 bancos de troca de manuais promovidos por câmaras ou juntas de freguesia e, além desses, mais cerca de 50 geridos por voluntários, cidadãos como Henrique Trigueiros Cunha, que em 2011 fundou o Movimento Reutilizar para promover a criação e divulgação de bancos de partilha gratuita de livros escolares em todo o país. Comprados novos, os 159 mil livros doados nestes três distritos custariam 3,3 milhões de euros às famílias.
O facto de mais de 80% dos livros não terem sido reaproveitados evidencia de forma nítida algumas das fragilidades do sistema. As razões são conhecidas. Os livros estavam estragados e não tinham condições para serem usados outra vez (falta de capa, folhas ou muito riscados), o ISBN (número que serve de bilhete de identidade dos livros impresso na contracapa) não coincidia com o ISBN publicado no site oficial do ministério da Educação, o que acontece mesmo em casos de livros com alterações menores, ou o livro deixou de ser escolhido pela escola, ou terminou os seis anos de validade previstos na lei.
Braga permite fazer um micro raio-x pormenorizado, possivelmente replicável noutras regiões de Portugal. Dos 16.352 manuais doados no ano passado, 9065 “foram oferecidos a instituições de ensino básico e secundário da Guiné Equatorial e de Moçambique”, explica Maria Peixoto, da Biblioteca Lúcio Craveiro Lopes, que tem um banco de troca de livros desde 2011. Porquê? “Tinham sido descontinuados do ensino português.” Na sua perspectiva, os livros continuam a ser reutilizados, mas “agora no fomento do ensino e difusão da língua e cultura portuguesas. Alguns também foram encaminhados para o Banco Alimentar.” Interessante também ver que em Braga foram levantados quase 5000 manuais, mas 2619 livros — que estavam em bom estado e em vigor, ficaram “disponíveis”, ou seja, sem dono.
O mercado em 2021/22
Este “desperdício” é um dos argumentos que a Book in Loop apresenta em defesa do seu negócio. A plataforma digital de venda e compra de manuais usados que nasceu no ano passado, reúne todos os livros usados que compra numa central e redistribui-os em função dos pedidos de reservas feitos online, de modo a que nenhum livro fique na prateleira. Um livro que sobra em Braga poderia ser revendido em Faro.
Na Book in Loop os livros não são gratuitos, mas as famílias podem conseguir poupar 80% (se venderem os que têm por 20% e comprarem os que chegam à empresa com um desconto de 60% do preço de capa).
Este ano, as famílias portuguesas venderam à Book in Loop 74 mil manuais, mais 44 mil do que no ano de estreia da empresa. “Temos prontos para ‘fazer girar’ 64.500 manuais”, diz João Bernardo Parreira, o jovem de 19 anos que é co-fundador e CEO desta startup tecnológica. “O que significa que vamos conseguir reutilizar 90,92% dos manuais que recebemos das famílias." Os 10% de livros que ficaram de fora tinham o ISBN inválido, ou estavam riscados, incompletos, sem capa ou com falta de páginas. Nas próximas semanas, será feito o cruzamento entre reservas e livros em stock, mas no ano passado não houve sobras.
A juntar ao movimento de reutilização nacional há, para além dos 200 bancos de troca (gratuitos) e da Book in Loop (60% a 80% do preço de mercado), o próprio ministério da Educação. No ano lectivo de 2016/17, o Governo socialista de António Costa introduziu, pela primeira vez na democracia portuguesa, o conceito de gratuitidade e reutilização dos manuais escolares. Foram distribuídos pelo Estado, gratuitamente, manuais escolares aos 90 mil alunos do 1.º ano do ensino básico das escolas públicas e privadas, sendo os pais obrigados a devolver os livros às escolas no fim do ano, de modo a serem reutilizados por novos alunos no ano lectivo 2017/18. Neste primeiro ano, as expectativas eram baixas e a Secretária de Estado Alexandra Leitão sempre disse que o principal objectivo era dar início a uma mudança de mentalidade. Aos sete anos, as crianças têm menos cuidado com os livros e os próprios livros são concebidos para serem escritos e pintados em praticamente todas as páginas.
Os números provisórios do Ministério da Educação indicam, mesmo assim, que pelo menos 18 mil manuais do 1º ano vão ser reutilizados no ano lectivo de 2017/18, o que o Governo considera boas notícias tendo em conta que este foi “o ano zero da nova política”. Só no fim de Agosto a triagem estará terminada. Este ano, o Governo alargou a política de gratuitidade e reutilização a todo o primeiro ciclo do básico (do 1.º ao 4.º), mas excluiu as escolas privadas.
Um estudo de Setembro do ano passado da Universidade Católica encomendado pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) sobre o impacto desta nova política estimava que, no ano lectivo 2021/22, se a gratuitidade e o sistema de reutilização vigorarem em toda a escolaridade obrigatória, as editoras terão perdas acima dos 50 milhões de euros.
Só cinco exemplos — os 32 mil livros trocados em 90 bancos, os 64 mil prontos a serem vendidos na Book in Loop e ainda os 50.500 redistribuídos pelo Governo dos Açores — representam 3,1 milhões de euros que desaparecem do mercado editorial dos manuais.