“Reutilizar manuais escolares é um avanço da civilização, é difícil voltar atrás”

"Não podemos transformar a reutilização em juridiquês", diz secretária de Estado Adjunta e da Educação sobre a medida do Governo que visa a gratuitidade dos manuais escolares.

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"No Ministério da Educação, temos os professores como parceiros nesta medida", afirma Alexandra Leitão Rui Gaudêncio

Alexandra Leitão, secretária de Estado Adjunta e da Educação, diz que está por demonstrar que ter manuais novos se traduz em mais vontade de estudar.

Porque é que as duas grandes editoras de manuais, a Porto Editora e a Leya, são contra a reutilização?
A reutilização é algo que, em anos subsequentes à adopção do manual, vai ter um impacto no número de manuais novos adquiridos.

Se pensarmos a dez anos, estamos a caminhar para um mercado de manuais escolares muitíssimo mais pequeno?
De seis em seis anos, há adopção de novos manuais — aí poderá haver compra de livros em maior quantidade. Mas em tese, se há reutilização, há menos aquisição. Já agora, a reutilização não belisca nem viola minimamente os direitos de propriedade intelectual ou de actividade comercial. Porque, aqui, a reutilização é uma actividade não lucrativa e não comercial — é um fenómeno de comunhão social e de solidariedade, não tem nenhum elemento financeiro.

Há uma passagem no parecer de Gomes Canotilho [enviado ao Ministério da Educação pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros] onde se lê que a reutilização transmitirá ao “subconsciente dos alunos uma mensagem subliminar de conformismo, acomodação e consideração do ensino básico como um empreendimento estático, ultrapassado, repetitivo, de baixo-custo, recauchutado e empobrecido”. Pode comentar?
Vejo tudo exactamente ao contrário. Se o manual for novo haverá mais incentivo a estudar? Não está demonstrado.

E o contrário está? Não são os países que fazem reutilização dos manuais os que têm melhores resultados?
Digamos que não me importo de olhar para os resultados da Finlândia no PISA [estudo que avalia os alunos de 15 anos dos países membros da OCDE]. O que não podemos esquecer é que, em Portugal, já há muitas crianças a trabalhar com material reutilizado, porque além da Acção Social Escolar, há já muitas câmaras e escolas que reutilizam os manuais.

Esperava este cerco tão cerrado contra a reutilização?
Sim, esperava oposição de quem entende que a gratuitidade não deve ser para todos porque quem tem dinheiro para comprar manuais não os deve receber do Estado. E de quem pode temer que isto tenha um impacto negativo nas suas vendas.

Não é altura de tentar um acordo político amplo sobre a reutilização dos manuais?
Claro que é bom se conseguirmos esse acordo. É o que queremos. Mas há medidas que são difíceis de reverter — e esta é uma delas.

Porquê?
Estranha-se e entranha-se. Os mesmos pais que estranharam e disseram “Tenho de assinar um papel para receber os livros?!”, no dia em que alguém disser “Olhe, os manuais deixaram de ser oferecidos pelo Estado, tem de ir comprá-los”, vai protestar. Porque isto é um avanço do Estado social. Isto é um avanço da civilização. E sempre que há um avanço da civilização, felizmente, é difícil voltar atrás. Isto é dar um direito às pessoas. Deixar de dar manuais gratuitos será tirar-lhes este direito. Será difícil de fazer. Se só vigorasse um ano, seria mais fácil. Mas se vigorar dois ou três, atrevo-me a dizer que vai ser difícil reverter a medida.

Os professores estão a favor ou contra a reutilização?
Há mais de 100 mil professores. Não se pode dizer que não haja um único caso. Mas temos de ver a floresta e não a árvore. No Ministério da Educação, temos os professores como parceiros nesta medida.

A esmagadora maioria dos professores é a favor da reutilização dos manuais?
Sim.

As associações de pais ainda têm reservas?
Creio que no grupo de trabalho vamos chegar a consenso com a Confap [Confederação Nacional das Associações de Pais] e a Cnipe [Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação]. A ideia é o grupo apresentar um relatório final dentro de um mês e meio com indicações e recomendações desejavelmente consensuais. Se não conseguirmos, verter-se-á as posições de cada um no relatório. Mas em relação à Confap e à Cnipe tenho a certeza de que haverá consenso quanto à reutilização.

Isso significa que a APEL e a Porto Editora e a Leya ficam isoladas?
Esperemos que não. Temos esperança de que não.

Que posição têm essas duas editoras tomado no grupo de trabalho?
As editoras têm veiculado as dificuldades que vêem na reutilização; os efeitos ao nível do impacto pedagógico; têm chamado a atenção — e isso faz parte da sua posição institucional — para o efeito ao nível das livrarias e no próprio investimento que fazem na produção dos manuais. É a posição deles, não é a minha, e não vai obstar a que a medida avance.

Percebo que cada pessoa tem e defende as suas posições e os seus interesses. É legítimo.

Mas a nossa posição está legitimada politicamente e é uma opção política, é constitucional e não viola o direito. Não podemos transformar a reutilização em juridiquês. Esta é uma decisão política que há-de ser avaliada em eleições. Não acho que a defesa de um negócio e actividade profissional seja algo que devemos criticar, na linha do “Ah, só querem ter lucro”. Não. Simplesmente, há uma decisão política que foi tomada. As editoras não concordam e fazem chegar posições que consideram importantes para convencer o Ministério da Educação do contrário. O ministério não se convence do contrário e avança com a medida. Diabolizo quem defende a sua posição? Não. Mas essa é uma posição que resulta de interesses legítimos que são os das editoras e que não são nem os do Ministério da Educação nem os das famílias. É por isso que não mudaremos esta orientação.

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