Que estrada leva a um desenvolvimento regional mais equilibrado?
É irónico que os fundos europeus que pretendiam reduzir as disparidades regionais tenham sido os mesmos a promover uma maior concentração geográfica das atividades económicas no litoral urbano
A desigual distribuição geográfica da população e atividades económicas em Portugal é bem conhecida. Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que mais de um quarto da população e mais um terço do emprego e do produto interno bruto (PIB) se concentram em apenas 3% do território nacional: a Área Metropolitana de Lisboa (AML).
Uma das teorias económicas que visa explicar este padrão de localização nos centros urbanos é conhecida por “economias de aglomeração urbana” (ou “economias de urbanização”). Simplificando, o termo “economias de urbanização” refere-se à existência de vantagens produtivas decorrentes da proximidade geográfica entre pessoas e organizações que, por sua vez, torna mais eficientes as interações entre estes agentes. Estas vantagens resultam de uma maior troca de ideias e conhecimento (explícito e tácito), melhor acesso a mercados de bens e serviços especializados, e um melhor “matching” entre as competências dos trabalhadores e as necessidades das empresas. Tudo isto leva a uma produtividade superior das empresas e trabalhadores localizados nas grandes aglomerações urbanas. Os números falam por si: segundo dados do INE, a contribuição de um trabalhador na AML para o PIB do país é 37% superior à média nacional.
A concentração geográfica de pessoas e atividades nas principais áreas metropolitanas, dando origem a um desenvolvimento do tipo “centro-periferia”, não é em si um facto novo ou surpreendente. Pelo contrário, esta é uma realidade observável na maioria dos países. O que é mais surpreendente e menos consensual - especialmente após os sucessivos fundos e programas comunitários recebidos através da política regional europeia, cujas linhas orientadoras incluíem (agora e sempre) a redução das assimetrias regionais internas - é a existência, ou não, de um processo de convergência económica.
Os primeiros Quadros Comunitários de Apoio, em particular o segundo (1994-99) e o terceiro (2000-06), prioritizaram o investimento em infraestruturas de transportes, principalmente estradas, consideradas poucas e de má qualidade, inibindo o desenvolvimento regional do país. Esta carência já tinha de resto sido notada no Plano Rodoviário Nacional de 1985, onde se salientava a necessidade de promover o crescimento económico através da redução de custos de transporte entre as regiões do país ligando as sedes de distrito aos principais centros urbanos e dando acesso a esta rede a todas as sedes de concelho. A expansão da rede rodoviária, nomeadamente as auto-estradas, era vista como condição fundamental para a descentralização geográfica da atividade económica, contribuíndo desta forma para um desenvolvimento mais equilibrado. Entre 1985 (um ano antes da adesão à então CEE) e 2015, a extensão da rede de auto-estradas aumentou mais de 15 vezes, de 196 para 3065 quilómetros. Um estudo (*) recente realizado pelos economistas Alfredo Pereira e Rui Pereira indica que o investimento em auto-estradas saltou de 0.07% do PIB no período 1980-89, para 0.30% e 0.59% nos períodos 1990-99 e 2000-09 respectivamente. Segundo o Eurostat, Portugal tinha em 2015 uma das maiores dotações de quilómetros per capita, com um valor duas vezes superior ao da média da UE28!
Os modelos da “Nova Geografia Económica” (NGE), cujo fundador é o Nobel da Economia Paul Krugman, são pertinentes enquanto possível explicação da geografia económica portuguesa. Estes modelos descrevem analiticamente a persistente concentração geográfica na presença de custos de transporte reduzidos, mobilidade do trabalho e, as já mencionadas economias de aglomeração. A acentuada redução dos custos de transporte (resultante em grande parte da política regional europeia), aliada à crescente importância do capital humano e economia do conhecimento, privilegiaram a aglomeração de atividades nas regiões mais centrais em detrimento das mais periféricas.
A forte expansão da rede de auto-estradas veio acelerar o processo de concentração geográfica da população e atividades económicas sob a forma de (bi)polarização nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e litoralização entre estas duas. A expansão urbana das duas áreas metropolitanas (bem como de outras áreas urbanas de média dimensão) tem resultado em larga medida da suburbanização (“sprawling”) da população da cidade para a periferia.
Este modelo de ocupação do território tem, naturalmente, consequências no percurso do país rumo a um desenvolvimento equilibrado - e também - mais sustentável. No que diz respeito ao segundo, basta notar como “o carro se tornou Rei”. Entre 1991 e 2011, o peso dos movimentos pendulares (casa-trabalho) realizados por carro aumentou de 25% para 68%; ou seja, passámos de menos de três para quase sete em cada 10 trabalhadores a deslocar-se de carro, com consequências evidentes no congestionamento, estacionamento e poluição do ar no interior dos centros urbanos.
Não deixa de ser irónico - e daí talvez não, se nos lembrarmos da NGE - que os fundos europeus que pretendiam reduzir as disparidades regionais tenham sido os mesmos a promover uma maior concentração geográfica das atividades económicas no litoral urbano.
*Estudo citado: Pereira, Alfredo e Pereira, Rui (2017) Is All Infrastructure Investment Created Equal? The Case of Portugal. MPRA Paper No. 77369. https://mpra.ub.uni-muenchen.de/77369/