Trump já não confia na China para travar a Coreia do Norte

Presidente dos EUA critica relação comercial entre Pequim e Pyongyang. "Valeu de muito ter a China a trabalhar connosco", lamentou.

Foto
Kim Jong-un garantiu que o desenvolvimento do seu programa balístico e nuclear “não é negociável” KCNA/REUTERS

Não foi só a “paciência estratégica” de Donald Trump para as provocações de Kim Jong-un que se esgotou após o ensaio balístico que demonstrou que o regime norte-coreano já é capaz de atingir território norte-americano. Foi também a sua expectativa (ou esperança) de que o Presidente da China pudesse interceder para pôr fim à crise de segurança na península coreana. “Valeu de muito”, constatou o Presidente dos Estados Unidos, no Twitter, prenunciando uma nova fase no relacionamento entre Washington e Pequim depois da breve lua-de-mel na cimeira da Florida.

Com a situação a escalar, o Conselho de Segurança das Nações Unidas tinha marcada uma reunião de emergência, da qual deveriam resultar novas sanções para punir a Coreia do Norte – que já é um dos países mais sancionados do mundo. Dificilmente seriam adoptadas medidas mais drásticas: antes de se fechar a porta para o encontro, a China e a Rússia, dois países com poder de veto e aliados na questão norte-coreana, alertavam para a necessidade de se manter a contenção na resposta a Kim Jong-un.

“É perfeitamente claro, tanto para a Rússia como para a China, que qualquer tentativa de justificar o uso da força através de uma resolução do Conselho de Segurança é inaceitável, pois teria consequências imprevisíveis nesta região que faz fronteira com a Federação Russa e a República Popular da China”, explicou Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros de Moscovo. Considerou igualmente “inaceitáveis” tentativas de “estrangular economicamente” a Coreia do Norte – Moscovo, mas sobretudo Pequim, temem as consequências de uma possível vaga de refugiados.

Mas (mais) uma declaração de condenação internacional de nada servirá para arrefecer a fúria do Presidente norte-americano, que tinha garantido que consigo na Casa Branca, Pyongyang jamais desenvolveria um míssil capaz de atingir os EUA. “Não vai acontecer”, prometeu Trump. Os comentadores políticos dizem que Trump estará agora a perceber que a sua linguagem afirmativa e pose de “durão” não estão a intimidar Kim Jong-un. Pelo contrário, a agressividade retórica do líder norte-americano, e a sua reputação para agir impulsivamente, “terão levado o regime a acelerar os esforços para construir uma arma nuclear com capacidade de atingir os EUA”, notava o The Washington Post.

Manobras de resposta

Washington não demorou a responder à afronta de Kim-Jong-un no dia em que o país celebrou o 241º aniversário da sua independência. Numa demonstração de força, o Pentágono mobilizou os seus recursos na Coreia do Sul, e levou a cabo exercícios balísticos de alta precisão conjuntos ao largo da costa Leste do país. O Comando do Pacífico dos EUA descreveu as manobras  como uma “resposta directa às acções ilegais e desestabilizadoras da Coreia do Norte”. O Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, acrescentou que o exercício serviu para lembrar qee há um sistema de defesa em permanente estado de prontidão. “A nossa determinação em contrariar qualquer provocação do Norte prova-se com acção, não com discursos”, frisou.

O Presidente dos EUA, que esta quarta-feira viajou para a Europa, só “falou” pelo Twitter. E mais do que atirar-se a Kim Jong-un, as suas mensagens tiveram como alvo o Presidente Xi Jinping, em quem Donald Trump confiava para travar as ambições nucleares da Coreia do Norte. “Valeu de muito ter a China a trabalhar connosco”, lamentou Trump, assinalando um aumento de quase 40% nas trocas comerciais entre Pequim e Pyongyang, no primeiro trimestre deste ano.

Xi e Trump, que aparentemente se entenderam às mil maravilhas na sua primeira cimeira em Abril, voltam a encontrar-se em Hamburgo, à margem da cimeira do G20 (onde Donald Trump se encontrará pela primeira vez com Vladimir Putin). Os analistas são unânimes em antecipar uma reunião bastante mais tensa com Xi.

Esta quarta-feira, Pyongyang confirmou oficialmente oque os observadores internacionais especulavam desde a véspera – o ensaio militar envolveu o disparo de um Hwasong-14, um míssil balístico intercontinental (ICBM, na sigla em inglês), que alcançou uma altitude de 2802 km e voou durante 39 minutos, cumprindo uma trajectória de 933 km até cair no mar. A máquina de propaganda norte-coreana acrescentou que o míssil carregava uma “ogiva pesada” feita de um compósito de carbono, que atingiu o alvo previsto na água sem registar “quebras estruturais”. Peritos internacionais duvidam que o regime tenha meios para construir uma ogiva nuclear miniaturizada para armar um ICBM, mas notam que o seu desenvolvimento está a ser muiro rápido.

Foto
Imagens transmitidas pela televisão norte-coreana do lançamento do míssil Hwasong-14 Kim Hong-Ji/REUTERS

Ameaças de Kim

De acordo com as referências na agência estatal norte-coreana KCNA, Kim Jong-un terá explicado aos cientistas e técnicos da Academia de Ciências da Defesa que o “prolongado confronto com os imperialistas americanos chegou à fase final. Este é o momento da Coreia do Norte demonstrar o seu poder aos EUA”, cita a Associated Press. O líder norte-coreano também terá garantido que o desenvolvimento do seu programa balístico e nuclear “não é negociável”, sobretudo enquanto os EUA continuarem a ameaçar com as suas “políticas hostis”.

Numa trajectória-padrão, um míssil intercontinental como o testado pode viajar 7000 km: será o suficiente para atingir o estado do Alasca. Bastará alguma modificação para acrescentar mais 3000 km ao alcance do projéctil. Nesse caso, o grau de ameaça sobre os Estados Unidos seria praticamente total. "O regime pode não estar longe de desenvolver um ICBM capaz de atingir Nova Iorque”, disse Jeffrey Lewis ,director do programa de Não Proliferação no Leste da Ásia do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais. 

Sugerir correcção
Ler 15 comentários