Entre marido e mulher...
Sai-se a suspeitar que este filme, Paris Pode Esperar, é uma grande piada entre marido e mulher - Eleanor Coppola, esposa de Francis - e, como diz o povo, não havemos de ser nós a meter a colher.
Diane Lane está de costas para a câmara, numa varanda com uma bela vista sobre o Mediterrâneo, e a câmara recua enquanto se ouve, no interior, uma voz de homem ao telefone, a tratar de assuntos relacionados com a produção de um filme. Aparece então o título, Paris Pode Esperar, mas percebemos logo não é só Paris que espera, é também esta personagem, a "mulher do grande cineasta". Como Eleanor Coppola, mulher de Francis Ford, que esperou até aos 80 anos (nasceu em 1936) para se estrear na realização de uma ficção, depois de uma vida profissionalmente passada a colaborar nos filmes do marido (conheceram-se mesmo no princípio da carreira dele, durante a rodagem de Dementia 13 em 1963), e por vezes a documentá-los, como sucedeu em Hearts of Darkness, o filme co-realizado por Eleanor, Fax Bahr e George Hickenlooper com base em documentos e memórias dela da alucinante rodagem de Apocalypse Now!.
Paris Pode Esperar não é nenhuma autobiografia, não é sequer mais do que uma historiazinha contada em modos de comédia romântica, mas a chave alusiva está lá, disseminada em milhentas pistas - o meio do cinema (é em Cannes que o filme arranca), o marido cineasta, interpretado por Alec Baldwin, ausente mesmo quando está presente (ocupado com uma super-produção em Marrocos que, como o Apocalypse, parece uma rodagem insana), as referências à filha, que não se chama Sofia mas podia chamar-se e até gosta dos Phoenix, a lembrança de um filho morto prematuramente (como na vida real sucedeu a Gio, grande desgosto do clã Coppola). Nomes e cronologias baralhadas, porque tudo se passa na época contemporânea e todas as personagens são mais jovens do que os seus correspondentes na vida real, mas qualquer pessoa que saiba duas ou três coisas sobre a família Coppola percebe a que ponto a história de Paris Pode Esperar está, desde a raiz, "coppolizada". E aquilo que verdadeiramente mantém a curiosidade do espectador vem daí, como num romance(zinho) "à clef".
Claro que a figuração da personagem feminina, remetida à modesta posição de "mulher do grande cineasta", não é a mais progressista que já se viu. Mas, por outro lado, ninguém pode saber com certeza à custa de quem se faz a piada do filme. É que ele também pode ser contado como a história de uma mulher negligenciada pelo marido que descobre que há outros homens. Um homem (Arnaud Viard), sócio francês do "grande cineasta", que se oferece para a levar de Cannes a Paris, de automóvel. Sempre em ziguezagues França acima, param em todas as capelinhas, catedrais, restaurantes, mercadinhos e museus (o Museu Lumière em Lyon, mais significativamente) que há pelo caminho, incluindo alguns "déjeuners sur l'herbe", num roteiro que podia ter o patrocínio do turismo francês, tantas são as liçõezinhas de história e gastronomia contidas no filme. Viard encarna na perfeição a caricatura (quase woodyalleniana) do "homem francês", sedutor, refinado, culto e ligeiramente irritante. E as perguntas do espectador vão-se resumindo a uma: "será que eles vão...?".
Nâo vamos responder, mas o certo é que Eleanor Coppola teve uma boa ideia para arrancar o filme e também tem uma boa ideia para o acabar, com aquele olhar de Diane Lane para a câmara (pouco depois do cameo de Aurore Clément, a mais coppoliana das actrizes francesas), a fitar o espectador num esgar malicioso e "dégueulasse", no sentido Jean Seberg do termo, quanto baste. Sai-se a suspeitar que este filme é uma grande piada entre marido e mulher e, como diz o povo, não havemos de ser nós a meter a colher.