Erguido monumento aos heróis da avaliação prévia pelos pares
Quando um artigo científico sai, eles mantêm-se nos bastidores. Mas a verdade é que também contribuíram para o resultado final. Por isso, na Rússia, um sociólogo teve a ideia de fazer uma homenagem aos avaliadores das publicações científicas.
São aqueles que passam horas a rever artigos científicos. São os que garantem a credibilidade das publicações e que, muitas vezes, são anónimos. A todos aqueles que se dedicam à avaliação prévia pelos pares, ou peer review, ergueu-se um monumento em sua homenagem na Escola Superior de Economia de Moscovo, na Rússia.
É um bloco de pedra com cerca de 1,5 toneladas. Tem a forma de um dado, mas em vez de pintinhas tem inscrito em cinco dos seus lados os possíveis resultados da revisão: “Aceite”, “Pequenas Alterações”, “Grandes Alterações”, “Revisto e Ressubmetido” ou “Recusado”. O resultado do monumento de pedra foi desvendado no final de Maio, numa cerimónia em que estiveram cerca de 100 estudantes, investigadores e um representante do ministro da Educação e da Ciência da Rússia.
Tudo começou no ano passado quando o director daquela instituição russa, Isak Froumin, pediu ideias para que se fizesse algo “atractivo” e “interessante” num bloco de pedra. A ideia partiu de Igor Chirikov, sociólogo da Escola Superior de Economia de Moscovo e da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. “Quando comecei a trabalhar no mundo académico, percebi que há um papel importante da parte da avaliação prévia pelos pares, e que a sua contribuição nem sempre é reconhecida”, disse à revista Nature. “Ao mesmo tempo, vesti a pele dos investigadores – é difícil lidar com as cartas de rejeição e, por vezes, com os comentários desagradáveis dos revisores.”
Para que se pudesse concretizar o projecto no bloco de pedra, Igor Chirikov lançou uma campanha de angariação de fundos. Uma das suas estratégias foi a divulgação de um vídeo, no qual, com algum sentido de humor, fez uma pergunta: quem são os verdadeiros heróis no laboratório? E nem as cobaias sobreviveram à sua questão. Afinal, como Igor Chirikov respondeu no vídeo, os heróis não são os ratinhos nem as moscas-do-vinagre, são aqueles que “vivem em segredo” e “os mais odiados”: os revisores.
Ao todo, o sociólogo conseguiu angariar cerca de 2200 euros para que o Monumento a Um Revisor Anónimo da Avaliação Prévia pelos Pares, como lhe chama, fosse erguido. Além dos cinco resultados possíveis de uma revisão, o monumento tem inscrito o título de 21 artigos científicos, a maioria de trabalhos de investigadores que contribuíram para a campanha. Dois laureados com Prémio Nobel também fizeram donativos: o norte-americano Eric Maskin, que em 2007 venceu o Nobel da Economia; e o russo Andre Geim, que em 2010 ganhou o Nobel da Física.
Os revisores de artigos científicos são encarados com “amor/ódio” no mundo académico, realçou ainda Igor Chirikov ao site da sua instituição russa. São os revisores, que também são cientistas, que fazem comentários e sugerem melhorias aos artigos científicos.
Uma estátua aos ratinhos
E se são uma garantia de credibilidade e qualidade do trabalho científico publicado, a verdade é que esta actividade apenas foi reconhecida em Inglaterra durante o século XIX, segundo um artigo na Nature sobre a avaliação prévia pelos pares.
A Nature tornou obrigatória a arbitragem externa (como também é conhecida a avaliação prévia pelos pares) das suas publicações em 1973, por exemplo. E se os revisores, na maioria dos casos, são anónimos, entre 2007 e 2011, a revista EMBO Journal, as revistas da série Frontiers ou a BMJ Open começaram a experimentar publicar também o nome dos avaliadores dos artigos.
Para se perceber a dimensão do trabalho dos avaliadores, Michail Kovanis, um físico computacional no Instituto Nacional Francês de Investigação Médica e da Saúde (em Paris), juntamente com alguns colegas, examinou os artigos publicados na base de dados Medline, entre 1990 e 2015. Perceberam então que as revisões precisavam de múltiplas etapas e que, só em 2015, das cerca de 1,1 milhões de publicações, foram necessárias nove milhões de revisões. Os resultados desta investigação vêm publicados na revista Plos One em Novembro de 2016.
E os avaliadores não são os únicos heróis anónimos que mereceram uma homenagem. Em 2013 foi erguida uma estátua aos ratinhos de laboratório, também na Rússia. O escultor foi Andrew Kharkevich, um artista russo, e a estátua está perto do Instituto de Citologia e Genética, em Novosibirsk, a terceira cidade mais populosa da Rússia e a mais populosa da Sibéria, onde se localiza a instituição. A estátua representa um ratinho com óculos a tecer o ADN e simboliza todos os ratinhos mortos em laboratório.
Se pensarmos um pouco mais, não faltarão homenagens para fazer aos heróis, muitas vezes esquecidos e anónimos, da ciência.