Ministro da Cultura quer inquérito ao Convento de Cristo terminado em 20 dias

Castro Mendes disse aos deputados que não fará condenações em praça pública antes de apurados os factos sobre os danos causados pela rodagem de um filme neste monumento. E mostrou-se tranquilo em relação ao património.

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Luís Filipe Castro Mendes, ministro da Cultura Nuno Ferreira Santos

Dia preenchido com o património na agenda do ministro da Cultura para esta terça-feira. Luís Filipe Castro Mendes esteve mais de três horas a responder às perguntas do deputados na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, na Assembleia da República. A recente polémica em torno da rodagem de um filme do cineasta Terry Gilliam no Convento de Cristo, em Tomar, ocupou boa parte da discussão parlamentar, com os deputados da oposição e os dos partidos que sustentam a maioria a insistir em perguntas como: Que danos sofreu o monumento que é património mundial? Quem autorizou que se levassem para dentro do edifício dezenas de botijas de gás e que se fizesse uma enorme pira num dos claustros? O que vai acontecer aos responsáveis que o permitiram? O promotor da rodagem ultrapassou a autorização que tinha? O que está o Ministério da Cultura a fazer para que um cenário semelhante não se repita?

Castro Mendes, que começara a sua intervenção por dizer que o ministério tem vindo a “trabalhar mais e melhor”, em “diálogo permanente com o sector” na criação de um “conjunto de políticas estáveis e sustentáveis”, dando exemplo daquilo que são para o Governo “boas notícias” na área do património, garantiu que foi aberto pelos serviços competentes “um inquérito extraordinário e urgente” para apurar o que realmente aconteceu no Convento de Cristo.

Segundo uma reportagem do programa de informação da RTP Sexta às 9, o convento de Tomar terá sofrido alguns danos na sequência das filmagens que ali decorreram da co-produção The Man Who Killed Don Quixote, projecto que Gilliam tenta terminar há já 20 anos, e que envolveram a montagem de uma pira de 12 metros de altura encimada pela figura de uma santa (uma estrutura de aço forrada a madeira, precisou ao PÚBLICO a produtora portuguesa, a Ukbar Filmes) que terá ardido durante cinco minutos, com recurso a 42 bilhas de gás transportadas para uma das salas deste conjunto que é património mundial desde 1983.

“Não me vou pronunciar antes de concluído o inquérito: será o inquérito que melhor nos vai esclarecer sobre o que se passou no Convento de Cristo, se é que se passou alguma coisa”, disse o ministro, depois de revelar que os danos noticiados – seis telhas e quatro pedras partidas (na base de uma coluna e num degrau) – “ocorreram num “claustro diferente daquele em que foram feitos os efeitos especiais [a tal pira de 12 metros]”.

O inquérito, que se segue a um relatório de uma empresa de conservação e restauro que já detalhou os danos e fixou o preço dos trabalhos de reposição de telhas e cantarias em 3500 euros, foi iniciado esta segunda-feira e estará concluído num prazo de 20 dias, garantiu aos deputados Castro Mendes, sublinhando que o Estado nunca abdicará da sua missão de fiscalização do património e sem fechar a porta a novas concessões de espaços em monumentos nacionais para produção de filmes, desde que feitas “com um rigor extremo”.

“Sabemos que houve fiscalização e que não foi propriamente uma fogueira que ali foi erguida, mas não quero antecipar um inquérito que nós promovemos. Não queremos pôr responsabilidades em ninguém antes de as termos apurado. É assim que trabalhamos”, acrescentou, perante a insistência do deputado social democrata Hugo Costa, eleito por Santarém, distrito onde fica o monumento.

Indisponível para fazer “condenações na praça pública antes de ter um apuramento rigoroso dos factos”, Castro Mendes assegurou que não está a tratar o assunto com “ligeireza” – a acusação partiu do CDS –, mas garantiu que os testemunhos que lhe têm chegado “contradizem a imagem de uma tragédia catastrófica”.

Em causa, lembrava ao PÚBLICO Jorge Custódio, arqueólogo e historiador do património que dirigiu o convento entre 2002 e 2007, não está o que aconteceu, mas o que podia ter acontecido quando se instalaram dezenas de bilhas de gás num monumento e depois se permitiu que ali mesmo ao lado se ateasse fogo, seja com a presença de bombeiros ou não, seja por uma empresa especializada em pirotecnia ou não.

Jorge Campos, do Bloco de Esquerda, e Ana Mesquita, do PCP, parecem estar em sintonia com Jorge Custódio. “Eu não ficaria tranquilo com 42 garrafas de gás propano dentro do Convento de Cristo”, disse o primeiro, acrescentando mais tarde que “os seguros cobrem [a destruição de] prédios mas não há seguros que cubram a perda de obras de arte”. “Por lei é permitido ter 42 botijas de gás numa mesma divisão? Como é que ali foi permitido?”, questionou a segunda.

Arqueologia náutica em Xabregas

Mas nem só de Convento de Cristo se fez o debate à volta do património. Em cima da mesa estiveram também a gratuitidade dos museus públicos aos domingos e feriados até às 14h (para portugueses e estrangeiros residentes em Portugal), que Castro Mendes anunciou arrancar já a 2 de Julho, a transferência do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS) do armazém que ocupou nos últimos sete anos no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL), em Loures, para instalações definitivas em Xabregas, e a situação no Vale do Côa, assunto levado à discussão pelo PCP depois da recente vandalização de uma gravura com dez mil anos que está entre as mais icónicas deste parque arqueológico que também é património mundial.

“A decisão de Xabregas é final e a instalação em Xabregas será definitiva”, disse o ministro da Cultura, reconhecendo que no MARL as condições em que o CNANS funcionava não eram as melhores e que o edifício nesta zona oriental de Lisboa que agora o deverá acolher precisa de obras.

A deputada comunista Ana Mesquita lembrou a Castro Mendes que a adaptação do edifício em causa está orçada em um milhão de euros e que tem um prazo de conclusão previsto de um ano. “Estamos conscientes de que precisa de obras, mas elas serão feitas de forma faseada”, respondeu o ministro, revelando que pelo menos parte dos custos será assegurada por uma “verba muito significativa que vem da Noruega para a arqueologia subaquática”.

Castro Mendes refere-se a dinheiro do mecanismo financeiro do Espaço Económico Europeu (Fundo EEA Grants), destinado a reduzir as disparidades sociais e económicas na Europa e a reforçar a cooperação entre os países. Este regime de subvenções acessível a 15 países tem disponíveis 2,8 mil milhões de euros para o período 2014-2021, 98% dos quais financiados pela Noruega e os restantes pela Islândia e pelo Liechtenstein. Portugal deverá receber 102,7 milhões.

“Nunca o acervo do nosso património subaquático estará ao abandono”, disse Castro Mendes, sem falar em reforço de meios humanos no CNANS, sem referir custos da adaptação do espaço em Xabregas nem fixar uma data para a mudança.

Ainda no que toca ao património, pela discussão passou também, embora muito ao de leve, a investigação do Ministério Público às alegadas irregularidades no Mosteiro dos Jerónimos, outro dos monumentos classificados como património mundial sob tutela do Ministério da Cultura. Mas Castro Mendes não chegou a dar qualquer resposta ao único deputado que levantou a questão, o bloquista Jorge Campos.

A Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) não respondeu, esta terça-feira, a várias questões colocadas pelo PÚBLICO versando nomeadamente a auditoria interna que este organismo realizou a vários museus e que permitiu, segundo revelou o ministro da Cultura ao Diário de Notícias, a detecção de “irregularidades” que motivaram o envio do respectivo relatório ao Ministério Público.

O montante da comparticipação da World Monuments Fund (WMF) – Portugal no programa de conservação e restauro em curso no Mosteiro dos Jerónimos, e o controlo dos pagamentos pela utilização de espaços patrimoniais espalhados pelo país são outras questões às quais a DGPC não respondeu. “Não haverá hoje qualquer comunicação da parte da DGPC sobre as questões colocadas”, disse fonte do gabinete deste organismo.

Também não nos foi possível inquirir a directora do Mosteiro dos Jerónimos, Isabel Cruz Almeida – também vice-presidente da WMF –, sobre as questões levantadas pelo Diário de Notícias relativas à utilização dos espaços deste monumento nacional. “A senhora directora está em reunião”, respondeu repetidamente a sua secretária ao longo do dia.

O ICA e outros assuntos

Na agenda da comissão parlamentar que escapou ao património houve espaço para os apoios ao cinema e às artes, para a portaria que aprova o regime dos contratos de trabalho dos profissionais do espectáculo e do audiovisual e para os esforços no que toca ao eterno estatuto do bailarino, feitos a pensar sobretudo na Companhia Nacional de Bailado.

“Finalmente reconhece-se a especificidade destas carreiras”, disse o secretário de Estado Miguel Honrado por referência à portaria dos profissionais do espectáculo, muito antes de revelar que “os contratos-programa dos teatros nacionais estão fechados e foram já enviados ao Ministério das Finanças para validação”.

O novo modelo de apoio às artes também está no bom caminho, disse aos deputados Miguel Honrado, que prometeu mostrá-lo “em breve” às estruturas de representação do sector. O mesmo sector que recentemente se manifestou contra os atrasos nos apoios em Abril, entretanto recuperados: “Neste momento cerca de 90% do financiamento a atribuir na sequência da prorrogação dos apoios plurianuais já está realizado.”

A demissão da anterior direcção do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) mereceu apenas referência breve. Honrado fez questão de salientar que, com a nova direcção, se abre agora um ciclo de diálogo com o meio e que é necessário que todos trabalhem para fechar o decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema, documento que gostaria de ver concluído “até ao final do ano”.

Ainda no que toca ao ICA, Honrado fez por combater a ideia de que o financiamento ao cinema decresceu em 2017. O que houve, explicou, foi uma “distribuição diferente das verbas”. A abertura de concursos plurianuais no sector, uma novidade, fez com que o montante disponível para as primeiras obras diminuísse. Para o ano, prometeu, esse montante voltará a crescer porque não haverá plurianuais. “Este ano o cinema recebeu mais 125 mil euros do que em 2016”, assegurou. com Inês Nadais e Sérgio C. Andrade 

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