Corrupção na EDP – o fechar do circuito
Sim, a EDP é a peça que falta para fechar o circuito dos malfadados anos socráticos.
O mais espantoso nas suspeitas de corrupção na EDP é a ausência de qualquer espanto. Há anos sem fim que se falava nos privilégios inaceitáveis da eléctrica nacional e no facto de nenhum governo português se atrever verdadeiramente a beliscá-los. Depois da queda do BES, da destruição da PT, da falência da Ongoing e do quase desabamento do BCP, a EDP era a última grande empresa com ligações íntimas ao consulado de José Sócrates que ainda não tinha sido visitada pelo Ministério Público. Foi agora. As suspeitas incidem sobre a forma como foram negociados os chamados CMEC, Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual – uma compensação atribuída à EDP pela liberalização do sector eléctrico que a troika considerou ser uma renda desproporcionada, excessiva e incompreensível. Tentou, aliás, acabar com ela. Não conseguiu.
Mas tal renda só é incompreensível para quem não conhece o funcionamento do país. A EDP, tal como o BES, nunca teve problemas com a alternância de governos. António Mexia foi ministro das Obras Públicas do governo de Santana Lopes (altura em que foram criados os CMEC) e tornou-se o senhor todo-poderoso da EDP durante o governo de José Sócrates. Com a chegada ao governo de Pedro Passos Coelho, houve um secretário de Estado corajoso – Henrique Gomes –, que conhecia muito bem o sector mas muito mal as suas próprias limitações, que decidiu enfrentar a EDP. Dizia que era obrigação do Estado “impor o interesse público ao excessivo poder da EDP” e que se as negociações falhassem deveria ser tomada “uma decisão unilateral e soberana”. Henrique Gomes durou nove meses no Governo.
Comentou-se, na altura, que o próprio ministro das Finanças Vítor Gaspar não queria confusões com os chineses quando o Estado acabara de negociar a venda da eléctrica nacional por 2,7 mil milhões de euros. Além disso, com a eficácia habitual, a EDP continuava o seu trabalho de lobby. Ao mesmo tempo que Henrique Gomes andava a fazer voz grossa na comunicação social, a empresa afadigava-se a contratar Eduardo Catroga – representante do PSD nas negociações com a troika que acordaram a privatização da EDP, e coordenador do programa eleitoral de Passos Coelho – como presidente do seu Conselho Geral e de Supervisão, com um salário milionário em troca de uma agenda telefónica rechonchuda.
Novidade nisto? Nenhuma. A EDP nunca foi outra coisa, e aí pouco difere de outros grandes grupos, sejam eles do sector bancário, energético ou da construção. Todas as empresas que dependem dos negócios do Estado são portas giratórias do circuito público-privado. Há apenas um aspecto que sobressai no tempo de Sócrates – um despudor inabitual, que tem menos a ver com a EDP e mais com a falta de vergonha do governo socialista, e dessa figura tragicómica chamada Manuel Pinho. Desse despudor terão saído coisas tão originais quanto um curso sobre política da energia ministrado na Universidade de Columbia, EUA, para o qual Pinho foi contratado como professor convidado em 2010. Alegada doação da EDP para esse curso: três milhões de euros. Num excerto de escutas da Operação Marquês, Pinho é até apanhado a convidar Sócrates, no início de 2014, a ir dar aulas para Columbia como “visiting scholar”. Apetece rir e chorar ao mesmo tempo. Sim, a EDP é a peça que falta para fechar o circuito dos malfadados anos socráticos – e todos nós merecemos que se faça luz sobre a terrível época em que o país esteve à beira da destruição económica e moral.