Limitação de mandatos travou “gestão eleitoralista” nas autárquicas
Estudo sobre os efeitos da lei mostra que “os municípios com presidentes de câmara impedidos de se recandidatar tendem a registar totais de despesa e de receita menores por habitante que os municípios presididos por autarcas reelegíveis”.
De Vila Nova de Cerveira, no Minho, a Albufeira, no Algarve, as últimas eleições autárquicas foram marcadas por uma profunda alteração: a entrada em vigor da lei que estabelece um máximo de três mandatos para os autarcas. Ficaram abrangidos por esta limitação 160 presidentes de câmara e 884 presidentes de junta de freguesia. No próximo dia 1 de Outubro, quando voltarem às urnas, os cidadãos de 41 concelhos não poderão reeleger os seus autarcas, pela mesma razão.
Alguns eram casos sérios de longevidade política. Mesquita Machado e Marta Soares eram presidentes das câmaras de Braga e de Vila Nova de Poiares, respectivamente, há dez mandatos, ou seja, desde 1976. Mas entre a extensa lista estavam alguns pesos-pesados, como Luís Filipe Menezes, António Capucho e Isaltino Morais. Como se verá adiante, a lei apenas os impediu de se candidatarem à mesma câmara, e não a outras.
O movimento gerado por esta alteração foi estudado por dois economistas da Universidade do Minho, Francisco Veiga e Linda Veiga (com a colaboração de Bruno Fernandes e João Martins), e o trabalho é publicado hoje pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Apesar de o estudo contar apenas com os efeitos da lei sobre uma eleição (a de 2013), uma limitação para que os autores advertem, já é possível concluir que teve efeitos positivos: a limitação de mandatos não só “levou a uma considerável renovação dos autarcas, como afectou a gestão das finanças municipais e a participação nas eleições autárquicas”.
A lei portuguesa é um caso raro no mundo, apontam os autores: “Tanto quanto saibamos, apenas no Brasil, em Itália, nas Filipinas, em Taiwan e em Portugal existem limites à renovação sucessiva de mandatos de autarcas.” Esta opção tem vantagens e desvantagens, “amplamente discutidas”. Se, por um lado, a limitação de mandatos pode “eliminar os incentivos dos governantes para implementar medidas eleitoralistas” e impedir a perpetuação da influência de “grupos de interesse que apenas visam o seu interesse próprio, com prejuízos para a população em geral” — isto são as vantagens —, por outro lado, e é uma das críticas mais frequentes, a imposição de um prazo de validade aos eleitos pode afastar “do poder indivíduos com experiência acumulada”.
Através de um inquérito realizado a 20 autarcas, os autores do estudo concluem que os próprios alvos da lei concordam com o princípio. “Dezasseis dos 20 inquiridos mostraram-se de acordo com a lei, e apenas quatro declararam discordar dela.” Mas a lei não impôs um período de nojo a todos os então chamados “dinossauros”. Dos 160 que a lei impediu de se recandidatarem à mesma câmara, dez procuraram ser eleitos noutra, e seis conseguiram ser eleitos. Alguns apostaram ainda mais alto, e conquistaram capitais de distrito: Ribau Esteves foi de Ílhavo, onde esteve 16 anos, para Aveiro; João Rocha da Silva passou 33 anos em Serpa e ganhou Beja; Carlos Pinto de Sá, que fora presidente de Montemor-o-Novo durante 19 anos, foi para Évora; Álvaro Amaro trocou Gouveia pela Guarda. Outros cruzaram a fronteira para o município vizinho: Francisco Amaral foi de Alcoutim para Castro Marim e Vítor Proença de Santiago do Cacém para Alcácer do Sal.
O primeiro efeito visível da lei é a renovação etária. “Em termos médios, a idade dos autarcas em 2010 era de 52,9 anos, e em 2014 era de 50,1 anos. Quer isto dizer que, em média, os autarcas em 2010 eram 2,8 anos mais velhos que os autarcas em 2014.”
O efeito mais surpreendente será outro: “Os presidentes de câmara impedidos de se recandidatar gerem as finanças municipais de forma menos eleitoralista do que os autarcas reelegíveis, gerando menor aumento da despesa e menores reduções das receitas fiscais em anos eleitorais.” Apesar das várias cautelas usadas pelos investigadores — que submeteram as suas provas a vários mecanismo de verificação —, o estudo “revela que os municípios com presidentes de câmara impedidos de se recandidatar tendem a registar totais de despesa e de receita menores por habitante do que os municípios presididos por autarcas reelegíveis”.
Mais participação
Os números “indicam que os autarcas que não se podem recandidatar tendem a registar, em média, despesas e receitas 6,6% e 4,1%, respectivamente, mais baixas do que os reelegíveis”. A explicação parece simples: “Menores despesas por parte dos presidentes impedidos de se recandidatar podem resultar do facto de não estarem preocupados com a sua reeleição. Gastando menos, necessitam de menos receitas, o que pode ajudar a explicar por que estas também tendem a ser inferiores.”
Mais complexa parece ser a terceira conclusão deste estudo. A limitação de mandatos faz aumentar a participação eleitoral. “Os resultados sugerem que a participação eleitoral foi ligeiramente superior nos municípios onde o presidente de câmara foi impedido de se recandidatar face ao que seria expectável, caso a lei não tivesse entrado em vigor.”
Com taxas decrescentes de participação eleitoral em todo o país, os municípios onde a lei obrigou a uma “renovação” tiveram uma subtil diferença. Os autores explicam-na desta forma: “O crescimento da participação eleitoral associado à limitação de mandatos pode resultar de um aumento na competição eleitoral nestes municípios. Antes da introdução da limitação de mandatos, em média, 83% dos presidentes de câmara recandidatavam-se e 86% dos mesmos eram reeleitos, o que sugere que a presidência da câmara dá uma vantagem na corrida eleitoral.”