A Irlanda a um passo de ter um primeiro-ministro homossexual
O país onde só recentemente e Igreja Católica começou a perder influência política, pode ver em Junho Leo Varadkar, de 38 anos, na chefia do Governo. Uma ruptura geracional e social.
A Irlanda está à beira de uma enorme mudança geracional na sua vida política, com a provável eleição de Leo Varadkar como próximo primeiro-ministro – um acontecimento que daria ao país, outrora firmemente católico, o seu primeiro líder abertamente homossexual e o primeiro de ascendência asiática.
Varadkar alcançou uma vantagem quase insuperável na véspera das eleições da próxima semana para suceder a Enda Kennedy como líder do partido no governo, o Fine Gael, e como primeiro-ministro. Aos 38 anos, também seria a pessoa mais nova a ocupar o cargo.
Os seus apoiantes comparam o médico ao primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, e ao novo Presidente francês, Emmanuel Macron, na esperança de que um homem directo e membro da geração que foi mais atingida pelo colapso económico de há dez anos consiga transformar o panorama político.
“Honestamente, penso que em 1981 – quando fui eleita pela primeira vez –, não era capaz de imaginar uma altura em que um homem abertamente homossexual pudesse tornar-se Taoiseach (primeiro-ministro)”, disse à Reuters Nora Owen, antiga vice-presidente do Fine Gael, que ocupou o cargo de ministra da Justiça na década de 1990.
“Avançámos muito e o facto de uma pessoa como Leo Varadkar, que é abertamente homossexual e vive com o companheiro, poder candidatar-se a Taoiseach sem ninguém reagir é maravilhoso. Acho que é um grande dia para a Irlanda, por sermos capazes de fazer isso.”
Este marco praticamente não tem sido mencionado nos meios de comunicação locais nem referido na corrida à liderança, o que demonstra o avanço deste país de 4,6 milhões de habitantes, que durante muito tempo foi visto como o país mais socialmente conservador da Europa Ocidental.
A Irlanda só descriminalizou a homossexualidade em 1993 e introduziu o divórcio dois anos depois, mas tornou-se o primeiro país a adoptar o casamento entre homossexuais através do voto popular, em 2015, obtendo um apoio esmagador de todas as regiões do país.
Este referendo marcou mais um recuo no domínio da Igreja Católica na sociedade irlandesa - para o que contribuíu o facto de ao longo das últimas duas décadas ter sido arrasada pela descoberta de escândalos de abusos sexuais praticados por padres e de crueldade em instituições católicas.
A eleição de Varadkar também pode mostrar um novo lado da Irlanda moderna. O seu pai, Ashok, que também é médico, nasceu em Mumbai, na Índia. Conheceu Miriam, a mãe de Varadkar – que é enfermeira e filha de um agricultor do condado de Waterford, no Sul da Irlanda – quando trabalhava em Inglaterra durante a década de 1970. Casaram naquele país mas decidiram mudar-se para a Irlanda e criar a família em Dublin, onde nasceu Varadkar.
O próprio Varadkar desvalorizou a importância das suas origens e da sua vida pessoal.
“Não é algo que me define. Não sou um político meio-Indiano, nem um político médico nem mesmo um político homossexual. É apenas parte de quem sou, não me define. Suponho que faz parte do meu carácter”, disse ele à televisão estatal RTE numa entrevista em 2015, em que, pela primeira vez, afirmou publicamente que era homossexual.
"Transformador"
Varadkar obteve o apoio público de 46 dos 73 deputados do Fine Gael na corrida para suceder a Kenny, a 2 de Junho. Como os deputados constituem 65% do voto de selecção, o seu adversário Simon Coveney precisa que um número significativo destes mude de ideias – o que, segundo os analistas, é altamente improvável.
Quem assumir o poder, depois dos 15 anos de mandato de Kenny, será o único líder a ter nascido na década de 1970. Quando Kenny foi eleito pela primeira vez para a câmara baixa do Parlamento, em 1975, Coveney tinha três anos e Varadkar nem sequer era nascido.
As sondagens revelam que ambos são populares junto dos membros do Fine Gael, mas que Varadkar tem o potencial de conquistar uma percentagem significativa de votos vindos de outros partidos.
Este apelo deve-se ao facto de o actual ministro da Protecção Social representar aquilo a que o comentador político Noel Whelan chama “a história mais interessante contada às mesas da cozinha, nos escritórios e nos bares da Irlanda” em muito tempo.
“Leo Varadkar tornar-se primeiro-ministro é potencialmente transformador para os resultados eleitorais do Fine Gael e, talvez, para o sistema político em geral”, disse Whelan. “Ele é franco, arrojado e directo mas, por essas razões, também é mais autêntico. Numa era de anti-política, ele o mais perto que temos de um anti-político na política. Ele entusiasma partes do eleitorado a que o Fine Gael não costuma chegar.”
Whelen disse que o estilo de Varadkar vai ser testado pelo cargo, principalmente com a vulnerabilidade da Irlanda ao "Brexit" e com as finanças públicas que continuam em contenção – o que irá limitar os seus planos para equipar a economia em crescimento com melhores infra-estruturas.
Mas os deputados do Fine Gael – desesperados para recuperar a vantagem face aos rivais do Fianna Fail nas sondagens, antes de uma possível eleição no próximo ano –, parecem prontos para correr um risco calculado com um líder de quem os eleitores, independentemente das origens, gostam.
“As pessoas que encontrei de origens rurais mais conservadoras e que eu pensava que não iam apoiar Leo gostam muito dele”, disse Brendan Griffin, um deputado do condado de Kerry, no Sul do país.
“No fim-de-semana, estive com um grupo de amigos e o primeiro comentário foi: “Imagina um Taoiseach na casa dos 30”. O segundo foi: “E filho de um imigrante!” E só depois alguém disse “e também homossexual”. As pessoas estão espantadas com a maneira rápida como o país progrediu.”