Portugal cresce e fica hoje sem alguns travões de Bruxelas. E agora?

Portugal deverá sair nesta segunda-feira do procedimento por défice excessivo e a esquerda pensa o que fazer se o crescimento ajudar, mas deixa as exigências para 2018. Para já, não há exigências que obriguem a orçamento rectificativo este ano.

Foto
LUSA/TIAGO PETINGA

António Costa e Mário Centeno já tiveram problemas piores, agora têm a sua primeira crise de boas notícias: PCP e BE exigem mais e mais depressa, PS tem vontade, mas no discurso oficial vai tentando responder ao pedido do Presidente da República e não "embandeirar em arco". PCP e BE querem um alívio fiscal superior, comunistas falam em novo aumento de pensões e os socialistas não querem deixar os créditos de boas notícias nas mãos das exigências dos partidos que o apoiam. Neste jogo de forças que se joga até Outubro (mês de autárquicas e de Orçamento do Estado), os quatro (a que se juntam os Verdes) vão continuando a mostrar cá para fora que divergem mais no ritmo do que no conteúdo. Mas o ritmo mais acelerado à esquerda não os faz pedir para já medidas extra para este ano, que obrigaria a um orçamento rectificativo.

Alguns economistas defendem que Portugal costuma fazer mais erros quando está a crescer do que quando está em recessão, porque não aplica as medidas que amenizem a fase má do ciclo económico. O país acordou na semana passada para um crescimento económico homólogo a que não estava habituado e o Banco de Portugal disse na sexta-feira que o indicador da actividade económica estava a acelerar à entrada deste segundo trimestre de 2,1% para 2,4%. As boas notícias fizeram com que à esquerda do PS o discurso seja quase tirado a papel químico: se a estratégia de devolução de rendimentos está a animar a economia, então os ganhos do crescimento económico têm de ser para a prossecução de medidas no mesmo sentido com o IRS à cabeça.

Nas palavras oficiais, todos dizem que ainda é cedo para avaliar o impacto que o crescimento de 2,8% pode significar para as contas públicas, até porque será um ritmo difícil de conseguir no resto do ano, mas se nada acontecer, o crescimento poderá rondar os 3% no final do ano, longe da previsão de 1,8% do Governo. O economista Ricardo Cabral estima que a folga orçamental poderá andar em torno dos 1.500 milhões de euros. O que fazer? O economista defende que se devia aproveitar as benesses do crescimento quando ele acontece, ou seja, já este ano.

Mariana Mortágua do BE defende que para este ano não serão possíveis medidas extra de alívio fiscal, mas que este crescimento deveria ser aproveitado para ir mais longe no investimento público. "Tem de se fazer medidas para que o défice não fique abaixo do que tem sido estimado. Nós já não concordamos com as metas do défice e é impossível compreender uma meta abaixo do previsto. Terá de ser activado o investimento necessário para que não fique abaixo. As medidas fiscais precisam de ponderação e estudo, dificilmente seria possível para este ano", diz ao PÚBLICO. 

Nisto os parceiros não discordam. O PCP vai no mesmo sentido: "Achamos que o défice tem de ser instrumental e não um objectivo em si mesmo. É preciso gerir o défice em função das necessidades do país. Muito menos fazer o que foi feito que foi ter um défice mais baixo que o necessário”, defende ao PÚBLICO o deputado Miguel Tiago. Para o comunista, é preciso acelerar o investimento. Não se querendo pronunciar sobre outras medidas que possam ser equacionadas para este ano, porque "se não se fizer nada, assim este crescimento vai ser desbaratado".

Contudo, todos defendem que o crescimento do primeiro trimestre é ainda uma primeira notícia e duvidam que o ritmo se mantenha até ao final do ano, até porque este crescimento é homólogo e o mesmo período no ano passado já foi mais forte que o primeiro trimestre de 2016. "Essa folga orçamental que poderá resultar do crescimento económico acima do esperado não poderá ser totalmente encaminhada para o alívio fiscal, terá de ser direccionado para os serviços públicos, nomeadamente saúde e educação. Essa gestão desse caminho duplo que o governo está a preparar para o Orçamento de 2018", diz João Paulo Correia, deputado do PS e coordenador dos socialistas na comissão de Orçamento e Finanças.

Furar ou não a meta do défice para investimento público?

Já o ano passado, PCP, BE e PEV não pouparam nas críticas ao Governo por ter batido a meta do défice acordada com Bruxelas, dando primazia à consolidação orçamental. Mas há socialistas que defendem que, tal como em 2016, o Governo pode tentar superar a meta. "Se conseguirmos outra vez ter um défice abaixo do esperado e um crescimento acima do esperado, é uma questão de confiança muito grande e que abre novos horizontes numa perspectiva mais optimista par 2018", diz João Paulo Correia.

A esquerda teve agora uma ajuda na argumentação inesperada. O economista-chefe do Fundo Monetário Internacional do tempo da troika em Portugal, Olivier Blanchard, veio defender que a consolidação orçamental não "é a prioridade" e que "deveria ser mais lenta do que dizem as regras europeias”, dizendo que o país tem de pensar mais no crescimento e que os investidores entenderiam se Portugal falhasse as metas do défice desde que isso acontecesse por causa de projectos de investimento potenciadores da economia. “Até um neo-liberal já percebeu que a consolidação não pode ser a prioridade de um país com o défice já muito baixo”, diz Mortágua. Para Miguel Tiago as palavras de Blanchard mostram que o PCP tem razão quando diz quer "as imposições [de Bruxelas] são incompatíveis com o crescimento na medida em que este crescimento comece a fazer-se sentir na vida das pessoas".

A deputada usou os argumentos de Blanchard na audição com Mário Centeno na passada semana dizendo que de nada serve mostrar o défice mais baixo da democracia. Para este argumento, o ministro das Finanças tinha boa resposta, afinal, será esta segunda-feira anunciada a saída de Portugal do procedimento por défices excessivos. "A saída não vai apenas beneficiar as condições de financiamento do Estado, mas também das famílias e das empresas em Portugal".

Sugerir correcção
Ler 3 comentários