Sindicatos querem acções da TAP para aceder a mais informações
Os 5% do capital da empresa disponíveis na OPV foram adquiridos por 603 trabalhadores, com apoio dos sindicatos.
Com a procura a superar a oferta (em 17,5 vezes), os trabalhadores garantiram ontem a compra dos 5% do capital da TAP que estavam disponíveis na Oferta Pública de Venda (OPV). As acções, no entanto, ficaram nas mãos de 603 pessoas (número de ordens de compra), quando o universo de funcionários abrangido pela OPV era da ordem dos dez mil, e a tendência é para uma concentração ainda maior, através dos sindicatos.
Ao todo, estavam por colocar 75 mil acções, por 10,38 euros cada (com um desconto de 5% incluído), tendo o valor total angariado, de 778,5 mil euros, revertido para a holding estatal Parpública. Contas feitas, dá uma média de 124,4 acções por trabalhador, com um investimento de 1291 euros. E a cada 100 acções corresponderá um voto.
O apuramento dos resultados da oferta foi efectuado pelo BPI, banco que está também responsável pela liquidação física e financeira das acções - algo que acontecerá dia 16 de Maio, via Interbolsa.
Força concentrada
Neste momento, os sindicatos ainda têm dificuldades em perceber como ficará a distribuição de forças, mas um dos objectivos é deter títulos suficientes para participar de forma mais activa nos destinos da empresa.
André Teives, porta-voz da plataforma que reúne nove sindicatos, e que irá avançar com um veículo para concentrar acções e aumentar a representatividade -- muito provavelmente através de uma fundação --, afirmou ao PÚBLICO ter a convicção de que irá ultrapassar a fasquia de 1% do capital. E, com isso, conseguir o acesso a dados da empresa que vão além das informações preparatórias das assembleias gerais. No prospecto da OPV, refere-se a existência de “outras informações sobre a sociedade” a partir de um determinado patamar, mas que não é quantificado. O PÚBLICO questionou o Governo, mas não obteve resposta.
Além da plataforma sindical, também o sindicato dos pilotos, o SPAC, o SNPVAC (pessoal de cabine) e o SITAVA promoveram a compra de acções por parte dos seus associados. No caso do SPAC, os pilotos (que sempre mostraram o desejo de serem accionistas da TAP) desenharam uma estratégia em que não só defendiam a compra de acções, como também querem comprar títulos aos associados, com um bónus de 5% ou de 10%, conforme seja ou não o SPAC a avançar com o financiamento das acções.
Informação é poder
Nesta situação, o veículo a montar pelo sindicato será não só agregador, como terá também a propriedade de parte das acções. Também o SITAVA e o SNPVAC se propõem ficar com as acções que os trabalhadores não queiram manter após os 90 dias de indisponibilidade (tal como a plataforma de sindicatos, mas esta mais tarde).
Em respostas ao PÚBLICO, o SNPVAC diz que quer concentrar acções da TAP para ter “acesso às informações preparatórias das assembleias gerais e poder participar nas mesmas”. “A título de exemplo, caso tivéssemos tido acesso a toda informação durante o período da privatização, teria sido mais fácil provar e explicar aos portugueses que a TAP nunca esteve à beira da falência e que o concurso foi adulterado pelo Governo anterior”, refere o sindicato dos tripulantes de cabine.
“Desde a primeira hora que dissemos que o resultado desta OPV não seria como o das anteriores”, afirmou André Teives, porta-voz da plataforma sindical, referindo-se à ausência de interesse dos trabalhadores em anteriores operações de privatização como o dos CTT, ANA e BPN.
Para Nuno Cunha Rodrigues, professor no IDEFF e que tem acompanhado esta temática, o facto de a OPV da TAP ter tido agora uma forte adesão é explicado por circunstâncias como já ser conhecida a composição accionista “o que, conjugado com a circunstância de se saber que não há free float, permite antecipar que o capital social detido pelos trabalhadores pode permitir influenciar a gestão da TAP”. Depois, a actuação de parte dos trabalhadores, como o caso dos pilotos, “é tradicionalmente mais coordenada”, sustenta.
Risco de diluição
No entanto, e conforme estava expresso no prospecto da OPV, os trabalhadores arriscam-se a ver as suas posições serem diluídas quando houver reforços da capital. Isto pode acontecer por via da conversão de obrigações (emitidas no ano passado) em acções de categoria C (com mais direitos económicos), da “emissão de acções no âmbito de um plano de atribuição de acções a favor dos quadros superiores e membros dos órgãos sociais” ou da criação de novas acções que permitam “o investimento de terceiros no capital social” da transportadora aérea.
De momento, só há acções ordinárias na TAP, e o consórcio Atlantic Gateway, de David Neeleman e de Humberto Pedrosa, detém ainda 61% do capital.
Como o actual Governo quis ficar com 50%, os privados negociaram um reforço dos direitos económicos, com a criação de diferentes tipos de acções: A (com mais direitos), B (com menos direitos), e C (que se assumem como as mais relevantes, via conversão de obrigações emitidas no ano passado e compradas pela Azul, transportadora aérea brasileira de David Neeleman e do grupo chinês HNA, e pela Parpública). Isto além dos 5% dos títulos para trabalhadores, via acções ordinárias.
Com a reconfiguração accionista que se aproxima, o Estado terá no máximo 18,75% dos direitos económicos (como os lucros a distribuir ou o encaixe de venda de activos), entre acções B e C. Os restantes 76,25% ficam com o consórcio privado e 5% com os trabalhadores.
No entanto, com a conversão das obrigações em capital (acções C), a posição dos trabalhadores pode descer para 2,25%. E, depois, com a estratégia de um aumento de capital (175.439 acções ordinárias), a pensar num novo investidor (posição para a qual a HNA parece posicionar-se), essa fatia arrisca encolher anda mais.
Por parte do Estado, este terá sempre, mesmo com menos direitos económicos, 50% do capital, e pode influenciar as manobras da empresa através da nomeação do presidente do conselho de administração.
Reunião em Junho
O Governo, através do Ministério do Planeamento e Infra-estruturas, afirmou que o resultado da OPV, e a “forte adesão” reflecte a “confiança dos trabalhadores na recomposição da privatização da TAP”, assim como “no modelo de gestão que será desenvolvido”.
Nas próximas semanas, assegura o Ministério liderado por Pedro Marques, o Estado vai passar então a deter formalmente 50% do capital e “nomeará seis dos 12 membros do conselho de administração. Entre eles estará o presidente da transportadora, passando o Estado “a ter uma palavra decisiva nas orientações estratégicas da TAP”, que sofreu um prejuízo de 27,7 milhões no ano passado.
O nome de Miguel Frasquilho, ligado ao PSD e que estava até há pouco tempo na liderança da AICEP, tem sido o mais falado para ocupar cargo. A presidência executiva mantém-se a cargo de Fernando Pinto.
A expectativa é a de ter o processo fechado em Junho, através de uma assembleia-geral. Esta, ainda por convocar, irá agregar, pela primeira vez, os 605 accionistas da TAP.