Eduardo Lourenço: finalmente uma mulher para manter “esta utopia cultural” chamada Gulbenkian
Para o ensaísta a nova presidente Isabel Mota “é uma europeísta convencida, que nos representou brilhantemente na Europa”.
O filósofo Eduardo Lourenço, que durante mais de dez anos foi administrador não-executivo da Gulbenkian, começa por dizer que “talvez o que mais surpreenda na eleição de Isabel Mota é que só tão tarde uma mulher tenha acedido à presidência desta fundação”.
“Isabel Mota ocupou já diversos cargos públicos reconhecidos, faz parte, como se diz, do establishment português actual e futuro. O seu pelouro fundamental é da área social. É uma pessoa muito implicada com as pessoas carenciadas.”
Para o ensaísta, que nos recebeu no seu gabinete que ainda mantém na fundação, a nova presidente “é uma europeísta convencida, que nos representou brilhantemente na Europa”. “Faz parte desta elite que circula entre os grandes decisores do nosso planeta em matéria económica e cultural. Ela tem uma experiência talvez até única dentro da casa nesse capítulo.”
O primeiro desiderato de um presidente é conservar uma parte da herança e da prática do que tem sido a fundação de há 60 anos para cá. “Sobretudo que a fundação não perca aquilo que a singulariza no panorama cultural português e mesmo europeu. Porque já há uma tradição.”
A Fundação Gulbenkian, que “começou por ser uma espécie de ovni que aterrou no nosso país numa altura muito carente”, “é hoje uma das referências no nosso panorama cultural enquanto portugueses e enquanto europeus”. Cada um dos presidentes, à sua maneira, “tem compreendido as intenções do fundador [Calouste Gulbenkian], que eram intenções culturais, mas sobretudo intenções cívicas”.
Se começou por ser um ovni, “é provável e normal", diz Lourenço, "que não tenha agora aquele apetite do período em que tinha de impor a sua presença e a sua acção num país que não contava com uma fundação que não é banal”.
Eduardo Lourenço sublinha que a fundação além de produzir cultura, ajuda também a criar cultura, através da sua actividade distributiva: “A Gulbenkian é condição para que as pessoas que recorrem a ela possam receber subsídios ou bolsas e ajam por si. A fundação não é actriz da cultura que ajuda a criar.”
Mas é uma actriz de primeira como proprietária do museu ou da orquestra: “Seria um buraco negro se não pudesse funcionar. A fundação é uma espécie de missa cultural permanente. Isso é uma coisa rara e sobretudo custa caro. O gestor que está à frente desta fundação continua a ter a possibilidade de manter esta espécie de utopia cultural.”
Mas isso só pode existir, sublinha, em função de uma gestão muito criteriosa: “Já não há as riquezas de onde saiu toda esta fundação, que vinham do monopólio do petróleo. Alguém que tem que manter uma gestão que permita que a fundação continue a ser o que foi até hoje.”