O grande negociador ainda não fechou um único “negócio” na Casa Branca

Trump também fez o balanço dos seus primeiros 100 dias. "Um sucesso tremendo", disse à Reuters. Também se lamentou: “Eu adorava a minha vida antiga. Aqui vivo protegido num pequeno casulo sem poder ir a lado nenhum".

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Ao 99.º dia da sua presidência, Donald Trump decidiu abrir o coração e confessou que a sua vida na Casa Branca não está a ser exactamente como esperava ou previa. “Pensava que isto ia ser mais fácil. Aqui tenho muito mais trabalho do que tinha antes”, explicou o Presidente dos Estados Unidos numa grande entrevista à Reuters em que também não escondeu alguma nostalgia pela sua anterior existência como o mais famoso magnata do imobiliário que também era uma estrela da reality TV – um tempo no passado recente antes de se ter tornado o homem mais poderoso mas também o mais solitário do mundo. “Eu adorava a minha vida antiga. Aqui vivo protegido num pequeno casulo sem poder ir a lado nenhum”, lamentou, com pena de já não dispor da mesma liberdade para conduzir o seu próprio automóvel ou escolher a que restaurante ir jantar fora.

Além de revelar a sua insatisfação pessoal com o quotidiano na Casa Branca, Trump também respondeu pelo seu insucesso político da sua Administração. “Os primeiros cem dias de Trump foram muito mais convencionais e muito menos consequentes do que ele prometeu e do que muitos americanos antecipavam no dia a seguir à eleição”, notava Matthew Yglesias, no site Vox. A revolução política que a eleição de Trump, com a sua plataforma populista, nacionalista e racista, prenunciava para os Estados Unidos, ainda não se materializou. Apesar de repetir que o seu mandato está recheado de “sucessos tremendos”, a Administração Trump tem para já poucas conquistas e sucessos de que se gabar – têm sido mais as polémicas, os embaraços, os reveses ou os erros do que os êxitos e triunfos.

A casa (de família) ainda está por arrumar

Os primeiros meses de presidência ficaram marcados por fugas de informação comprometedoras, e por centenas de notícias de intrigas palacianas e guerras intestinas pelo poder e o favor do Presidente, protagonizadas pelas alas moderada, nacionalista, globalista e populista da Casa Branca. A Administração de Donald Trump também se distingue pelo seu funcionamento em formato de “empresa familiar”, com a contratação da filha Ivanka e do genro Jared Kushner para os cargos de assistente e conselheiro presidência, e ainda pela associação da presidência à marca registada Trump, com a reconversão das suas estâncias de golfe na Florida e Nova Jérsia em Casas Brancas de Inverno e Verão. “Trump é como um monarca, ele gosta de ter uma corte. A sua inclui todo o tipo de gente, incluindo cortesãos”, explicou o seu amigo e presidente da Newsmax Media, Chris Ruddy, ao Financial Times.

Olha para o que eu digo e não para o que eu faço

No primeiro dia na Sala Oval, Trump assinou uma série de decretos presidenciais, manifestando a sua intenção de desfazer o legado político de Barack Obama. Em cem dias, o Presidente assinou 30 directivas, memorandos e decretos administrativos, um “expediente” que nunca deixou de censurar ao seu antecessor: “Ele nem se esforço por negociar leis com o Congresso, o que ele quer é jogar golfe”. O governo por decreto não é o único exemplo de como Trump está a fazer exactamente aquilo que antes criticou, nem é a única contradição entre o que prometeu na campanha e o que está a fazer na presidência. O caso mais significativo até agora tem a ver com a ordem para bombardear alvos do regime de Bashar al-Assad na Síria, em retaliação por um ataque químico. Durante anos, Trump repetiu que qualquer intervenção militar americana na guerra da Síria seria nefasta para os interesses do país – e a sua acção determinada contra o Governo de Damasco foi interpretada como uma viragem no sentido da “militarização” da política externa americana que não constava na sua plataforma eleitoral. “As coisas estão a mover-se num sentido mais tradicional”, elogiou o senador republicano Bob Corker. Mas contrapõe o antigo embaixador que agora preside ao Council of Foreign Relations, Richard Haass, não se vislumbra nenhuma “coerência” ou “abordagem compreensiva” na política externa da Administração.

O grande negociador ainda não fechou um único “negócio”

Donald Trump foi capaz de convencer os norte-americanos que a sua experiência negocial poderia ser facilmente transposta da Trump Tower para a Casa Branca. Na presidência, manteve a abordagem que descreveu no seu livro “A Arte do Negócio”, mas a sua estratégia (uma postura de petulância, confronto ou bluff) não tem resultado em acordos com o Congresso para a aprovação de legislação.

Os legisladores já por duas vezes pagaram para ver a mão de Trump e o Presidente viu-se forçado a sair de jogo. Aconteceu com a proposta para a revogação da lei de saúde (Obamacare), cuja votação foi cancelada à pressa para evitar um fiasco político gravoso para a Casa Branca, ou com a sua exigência de incluir o pagamento do muro com o México no orçamento federal, sob risco de um shutdown do Governo federal. Um novo combate com os seus aliados adivinha-se, por causa do plano de reforma fiscal da Casa Branca que os conservadores já disseram não poder aprovar.

A Administração também arrepiou caminho, esta semana, ao deixar na gaveta os papéis de divórcio preparados para apresentar ao México e ao Canadá, os dois parceiros do Acordo de Livre Comércio da América do Norte que Trump prometeu denunciar.

Choque com o sistema

O primeiro grande choque de Trump com o sistema político norte-americano aconteceu com a assinatura do seu controverso decreto para travar a entrada de refugiados e imigrantes de países muçulmanos nos EUA, que foi suspenso por decisão judicial (tal como a directiva subsequente que pretendia corrigir os erros da primeira). O segundo grande choque foi contra o aparelho de espionagem e serviços secretos norte-americano, que repetidamente desmentiu as alegações do Presidente de que foi alvo de acções ilegais de vigilância com motivações políticas, e sucessivamente confirmou informações que apontam para ligações entre membros da equipa de Trump e o regime de Moscovo.

O Presidente também colidiu de frente com o sistema mediático, que o seu conselheiro Steve Bannon classificou como o inimigo: esta noite, Trump não estará no tradicional banquete dos correspondentes da Casa Branca. Para Trump, as críticas são fake news; os meios tradicionais são mentirosos e incorrectos e as sondagens estão erradas. A sua Administração quebrou com as convenções vigentes em Washington no acesso à informação, e inaugurou uma nova era de comunicação presidencial, com Trump a manter uma linha directa com o país e o mundo através do Twitter.

Credenciais conservadoras

Apesar de ser descrito como um homem pragmático e sem ideologia, livre de ortodoxias e fidelidades partidárias, o principal sucesso de Donald Trump na presidência passa pelo restabelecimento do domínio conservador no Supremo Tribunal dos Estados Unidos, com a nomeação do juiz Neil Gorsuch. Outras vitórias políticas reclamadas pela Administração dizem respeito a acções que eram exigidas pelo eleitorado republicano: a retoma da exploração petrolífera em parques naturais e áreas protegidas; o fim dos regulamentos que limitam as práticas mais agressivas de Wall Street; o combate à imigração ilegal e o fim do financiamento das organizações internacionais que aceitam a prática do aborto.

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