A vida é o que acontece enquanto tomamos outras drogas
How to Murder Your Life são as memórias de uma escritora de 34 anos que sobreviveu às drogas e à indústria da beleza nas melhores revistas do mundo. Cat Marnell ainda está viva e também conta a história da obsessão dos media pelas histórias na primeira pessoa e por mulheres destruídas.
Cat Marnell é a ex-editora de beleza que agora só usa cabeleiras cor de algodão-doce porque, numa nuvem de drogas, deixou tintas para o cabelo queimar-lhe o couro cabeludo. Trabalhou nas melhores revistas femininas, foi um dos nomes mais lidos da febre da escrita na primeira pessoa, confessional e exibicionista, que a Internet alimentou nos últimos anos. É uma figura da Nova Iorque onde tudo é possível — nomeadamente devorar quem lá vive. Cat Marnell é dona de uma história trágica sem um final feliz, mas aos 34 anos, e sem deixar os fármacos que quase destruíram e lhe moldaram a vida, escreveu as suas memórias.
How to Murder Your Life, ou “como assassinar a nossa vida”, é um relato raro, mas não único, de uma mulher que passa pelo inferno flamejante do vício e sobrevive para contar a sua história. “Sempre quis ser editora de beleza”, enceta no primeiro capítulo de um livro cronológico, sem fôlego e de parca autocensura que a Simon&Schuster editou há três meses. Mas “não ia deixar de consumir. Não tinha condições para trabalhar”, diz quase no fim da história. É esse paradoxo — ser responsável pelas secções das revistas que doutrinam como ser jovem, saudável e impossivelmente bela e simultaneamente viver como uma toxicodependente frontal que se tornou um caso sério na Internet — que serve de isco para quem não a conhece. Depois vem a escrita, o género e a linhagem. “O mundo adora ouvir a história da mulher destruída”, nota Eva Wiseman no Guardian. “Mas é uma sensação bem diferente ouvir a história em primeira mão.”
As suas memórias, que lhe terão valido meio milhão de dólares, vêm na esteira de obras como Prozac Nation, de Elizabeth Wurzel, How to stop time: heroin de A a Z, de Ann Marlowe, Dear Diary, de Lesley Arfin, ou de Blackout: Remembering The Things I Drank To Forget, de Sarah Hepola. Mulheres que escrevem sobre as suas dependências. “Com a sua persona online, [Marnell] situava-se orgulhosamente na tradição de desastres ambulantes femininos que vai de Edie Sedgwick a Lindsay Lohan e Courtney Love”, descreveu Sarah Hepola, também editora de ensaios na primeira pessoa na Salon, no New York Times em 2012.
A sua fama atingiu o pico em 2012, mas o livro é um dos mais falados da colheita de não-ficção de 2017, suscitando não só referências a Brett Easton Ellis (pela forma seca e febril como mistura uma realidade de marcas de luxo, drogas e juventude abandonada) e ao ícone do jornalismo junkie Hunter S. Thompson, mas também a The Night of the Gun, de David Carr, viciado em crack que se tornaria jornalista do New York Times. É também um livro que ajuda a registar o que foi a alvorada da cultura das think-pieces, da Internet das coisas pessoais e dos analytics das intimidades de cada um.
Hoje, a crítica Kaitlin Phillips defende na Bookforum que “Marnell desafia, conscientemente ou não, as estruturas sociais que mantêm as mulheres bem comportadas em privado”. Tal como Hepola, Wurzel ou Marlowe, Marnell confessa-se uma adicta, no seu caso, “uma esquisitóide solitária que se sentia como se estivesse debaixo de água o tempo todo”. Um dos títulos do muito que se tem escrito sobre ela nos últimos meses, o da New York Magazine, celebrava – ou simplesmente constatava – que “Cat Marnell is still alive”.
Logo na introdução, a jovem beleza descreve a sua ficha técnica: qualquer coisa como uma “bulímica, insone, alcoólica em estágio, viciada em comprimidos, uma party girl da Baixa, putéfia e brochista que se odeia e que acelera para a desgraça”. Mas que ainda está viva. No epílogo — onde, alerta de spoiler, admite com a franqueza de sempre que continua a usar um cocktail controlado de drogas e álcool depois de uma overdose pouco depois de ter assinado o contrato para escrever How to Murder Your Life —, admite outro traço doloroso das suas memórias, por mais nubladas que sejam. “Uma das coisas mais difíceis sobre as quais escrever foi sobre quão mal deixei que os homens me tratassem”, admite então nessas últimas páginas. “Fui usada, degradada, roubada e atacada e não achei que merecesse melhor.” How to Murder Your Life não é bonito.
“Escrevi este livro para os mais jovens, para a rapariga que eu fui.” Que sofreu com a solidão e encontrou a luz da cena nocturna nova-iorquina. Que se viu rodeada de roupa de marca na Vanity Fair e se tornou “fluente em beauté”, dominando os nomes franceses e os títulos pomposos de cremes e sombras para os olhos. Marnel tem o dom da palavra, mesmo drogadíssima, e tem fãs, que partilham a sua leitura nas redes sociais ou que há anos comentavam fervorosamente os seus posts. “Não há uma maneira certa de se ser mulher”, escreve, agora de cabelo queimado mas com a mesma beleza de boneca de sempre. Dedica o livro “a todas as party girls”.
Geração Ritalina
Ela adora Britney Spears, outro caso de uma “espectacular catástrofe pública”, como diria Sarah Hepola. Também idolatra o músico Pete Doherty, um viciado crónico e público que só teve par na cultura pop dos primeiros anos do século XXI em Amy Winehouse — nas várias referências que faz a ídolos como Spears, Doherty ou o sobrevivente boémio Keith Richards, Marnell nunca menciona a cantora britânica, engolida pelas drogas em 2011. É descrita como uma socialite, embora depois de a lermos esse rótulo simplesmente não cole. A sua história é a de (mais) uma pobre menina rica, quase dolorosamente consciente do seu privilégio e que, apesar de quase 400 páginas que sugerem o contrário, não culpa os pais por aquilo em que a vida a tornou.
Caitlin Elizabeth Marnell nasceu em 1980 num subúrbio de Washington, a 20 minutos da Casa Branca. A certa altura era vizinha do pugilista Mike Tyson. A família tinha o que tantas famílias têm — singularidades. A mãe é uma psicoterapeuta obcecada por magreza e linhas agrestes, o pai o chefe de psiquiatria num grande hospital que tanto cita o poeta Robert Frost quanto dá largas ao mau génio; a irmã mais velha foi enclausurada num internato para adolescentes rebeldes. Caitlin acaba por pedir para ir para um colégio interno aos 15 anos para fugir ao controlo dos pais — não sem antes ver Kurt Cobain morrer, tomar como ídolo pré-adolescente a sua mulher, Courtney Love, e ter sido groupie da cena rock da época. Tudo sem sexo nem drogas, só mesmo rock ‘n’ roll.
Marnell interpela-nos, a espaços, no livro. A dor adolescente ainda pinga das páginas e ela expõe-se como uma narradora potencialmente pouco fiável. Mas uma coisa é certa: foi o pai que lhe receitou Ritalina pela primeira vez, a seu pedido e sob o pretexto de melhorar a concentração e as notas. Défice de atenção, dizia o diagnóstico. O metilfenidato, que já foi chamado “o doping dos estudantes”, é receitado para ajudar nessa condição reconhecida medicamente desde 1987. A Ritalina também provoca outras sensações. Há anos que se fala nos EUA da “geração Ritalina” e se debate se este fármaco foi e é ou não prescrito sem os testes multidisciplinares necessários. Cinco anos antes de Marnell ter tomado Ritalina pela primeira vez, 600 mil crianças tomavam este estimulante, de acordo com dados citados pelo New York Times. Em 2013, já eram 3,5 milhões e já não era só Ritalina, mas o fármaco Adderall, que tomavam. Mas lá iremos. Entretanto, em Portugal, o consumo de Ritalina aumentou 77% entre 2011 e 2015 e estará nos 7 mil comprimidos por dia, segundo o Infarmed.
Caitlin Marnell tornou-se parte da estatística e o fármaco vendido sob receita médica ajudou não só a sua vida de estudante mas também social. Torna-se na dealer dos colegas e na rapariga que, aos 15 anos, perde a virgindade num quarto de hotel cheio de rapazes mais velhos e várias perdas de consciência. As notas sobem e meses depois até foi uma namorada feliz que passa parte do Verão de 1999 nas praias portuguesas plenas de “rochas vermelhas e água púrpura”. A felicidade dura pouco. Engravida de uma criança que nunca nascerá, sempre sob o efeito da Ritalina, da solidão e da expulsão do colégio a seis semanas de terminar o liceu. No meio da turbulência, a mãe deixa-lhe uma caixa de Xanax na mesa de cabeceira.
Depois viriam outros medicamentos, sedativos, psicotrópicos, antipsicóticos, opióides, analgésicos, cocaína, heroína, marijuana e ecstasy, até um favorito recente, o pó de anjo (fenciclidina, um analgésico alucinogéneo) trazido pelos amigos do graffiti e das noites estreladas da cidade que nunca dorme. Mas o seu melhor amigo, nestes anos e décadas, é mesmo outro estimulante, a anfetamina Adderall. É o medicamento que até hoje a acompanha na secretária enquanto escreve e que ajudou outros autores, como o romancista Stephen Elliott, a escrever The Adderall Diaries.
Comprar médicos
How to Murder Your Life já esteve no top dos livros de não ficção mais vendidos do New York Times e chama a atenção da imprensa do mundo — Marnell vai-o relatando aos seus cerca de 30 mil seguidores no Twitter e no Instagram, enquanto partilha imagens de Marilyn Monroe ou textos que escreveu para a Cosmopolitan. O seu maior dom continua a ser a frontalidade quanto ao seu isolamento, que se mantém depois de anos de promotores de clubes nocturnos que forçavam sexo no final de tantas noites em que as irmãs Hilton ou Lindsay Lohan, raparigas privilegiadas que se portavam mal, dominavam as atenções. As suas memórias são também uma breve crónica do início do século XXI em Nova Iorque, do 11 de Setembro aos estágios nas revistas Vanity Fair, Nylon, Teen Vogue e Glamour. “Para mim, a Condé [Nast, o grupo editorial de revistas como a Vogue, Glamour ou Lucky] era o sítio mais feliz do mundo”, escreve, 15 anos depois, sobre a sua Disneylândia.
Durante o dia, o Adderall ajudava-a a trabalhar, durante a noite comia porcarias descontroladamente e vomitava em seguida. Cat Marnell também tem a vida da bulimia e descreve cada episódio de compulsão com o detalhe de uma rotina de maquilhagem. Mas cá fora, no mundo, Cat encena-se a si mesma e chega a assistente de beleza na então menina dos olhos da Condé Nast, a revista Lucky. É também uma perita em “doctor shopping”, outro lado do mundo do vício em comprimidos. Precisava de cada vez mais fármacos, além dos receitados pelo pai, e enganava vários médicos a prescrever-lhe mais e mais. Misturava calmantes, antipsicóticos, anfetaminas e comprimidos para dormir. Engana bem, com a sua aceleração metódica, a editora que idolatra, Jean Godfrey-June.
“Estava demasiado cansada para estar em pé no duche”, mas “punha autobronzeador como um vampiro que quisesse andar despercebido entre os vivos. Que, basicamente, era o que eu estava a fazer”. Nessa altura, porque nunca se tinha sentido tão doente, Cat Marnell admite aos pais que estava viciada em comprimidos. O pai gritou-lhe: “Não são adictivos!” A mãe sugeriu que talvez devesse voltar a tomar Ritalina. “‘O que é que acabaste de fazer?!’, gritou a minha adicção. ‘Sua idiota!’”, escreve a autora antes de relatar como passou o 26.º aniversário na reabilitação. Foi a primeira de várias tentativas de limpar corpo e mente.
É um périplo titubeante, o de Cat Marnell. Algum tempo depois, e com alguns desastres sociais e vergonhas várias pelo caminho, “de repente era editora de beleza na Condé Nast”. Foi promovida na Lucky e How to Murder Your Life leva-nos a uma nova fase, a das viagens glamorosas, dos jantares Gucci, das festas Dolce e Gabbana, da chuva de prendas na redacção — “malas Marc Jacobs da Revlon, carteiras YSL da YSL, jóias da Shiseido. Abri presentes a manhã toda”. Mas, no dia de Natal propriamente dito, a sua prenda era a heroína; nas viagens vivia aos tropeços, drogada e alcoolizada. Em plena crise pós-2008 e seu impacto nos media, sai da Condé Nast depois de mais excessos que o livro detalha de forma humilhante.
Esta história de dor e euforia junkie cruza-se com um capítulo da história dos media de então. Algumas mulheres, como Cat Marnell, começavam a ocupar um espaço online e na indústria livreira com as suas histórias de dependência. Como Leslie Arfin, com quem Marnell se cruza por acaso, descobrindo que escreveu sobre ser heroinómana na revista Vice e depois sobre a recuperação no livro Dear Diary. Arfin hoje assina a série Love (Netflix) e assinou guiões de outra série, a recém-terminada Girls, de Lena Dunham — que, por seu turno, abraçou a franqueza destruída de Marnell e que empunha agora How to Murder Your Life no Twitter. Para Marnell, a oportunidade de escrever este livro surgiu depois de uma morte.
Whitney-fucking-Houston
Jane Pratt foi uma editora essencial para as jovens leitoras de revistas americanas dos anos 1990 através da Sassy, onde as histórias na primeira pessoa se misturavam com moda de rua e rock. Era “a lenda, a Anna Wintour dos nineties alternativos, a mulher que tinha posto Courtney e Kurt na capa da Sassy”, elogia Cat Marnell. Em 2011, Jane Pratt reaparecia no mundo editorial para lançar o seu site, xoJane, em que Marnell começou a assinar crónicas com títulos como estes: “Passei duas semanas num hospital psiquiátrico mas saí com um cabelo melhor”; “A arte de ser crack-traente: como parecer e sentir-se gira sem dormir”; “Experimento tudo uma vez: comer Kleenexes para suprimir o apetite”; ou o preferido de Sarah Hepola, “Abomino o meu pai assustador mas adoro os meus olhos negros: os meus três eyeliners preferidos de todos os tempos”. Escrevia sobre beleza apoiando-se nas histórias de drogas e dor pessoal mais ruinosas e, numa altura em que todas as publicações procuravam aumentar as suas visitas online, Marnell conseguia fazer ouvir a sua voz.
Foi um momento em que “os ensaios na primeira pessoa se tornaram a forma mais fácil de abanar a atenção de uma internet cada vez mais desgastada, à medida que os limites da provocação subiram cada vez mais”, analisa Laura Bennett, editora de cultura e livros na revista online Slate. Eram também uma forma de abordar certos temas de forma mais barata, com grande potencial de leitura e sem o tempo e os meios que exige a reportagem jornalística, por exemplo.
Jane Pratt admitiu há alguns anos no Guardian que quando contratou os seus jornalistas fez “um casting de pessoas” que achava “que o público vai adorar, ou adorar odiar”, como se fosse um elenco “para um reality show, ou para uma ópera”. Marnell estava algures entre o amor e o ódio que se adora. O xoJane, que fechou no final de 2016, era um dos mais conhecidos exemplos de sites confessionais, em que jornalistas ou anónimos com dotes de escrita e histórias para contar vertiam a alma para o teclado. É um traço tão vincado dos últimos anos que é o tipo de desafio que é feito, por exemplo, a várias jovens autoras na ficção televisiva recente que tem como público-alvo ou tema os millennials, de Girls a Awkward. Escrevam sobre vocês, ganhem cliques, espelhando em parte o que sites como o BuzzFeed, The Hairpin, Jezebel, Salon, Rookie ou jornais de referência como o Guardian procuram nas suas secções de relatos na primeira pessoa.
“Os dias eram para escrever. As noites eram para PCP [pó de anjo] e festa.” A prosa de Marnell era inebriada e crua, com defeitos mas radicalmente honesta e com potencial viral. Sem glorificar o que fazia, mas também sem pedir desculpa, admitia o doctor shopping e inscrevia-se como membro da geração Adderall, para gáudio dos fãs e horror dos críticos. “Senti verdadeiramente que mostrar a escrita dela sobre o que ela estava a passar foi útil para outras pessoas”, justificava Jane Pratt ao Guardian.
A 11 de Fevereiro de 2012, Whitney Houston morria numa banheira de um hotel em Beverly Hills na sequência de uma overdose de comprimidos. Um texto saiu dos dedos de Cat Marnell com a urgência da experiência.
Fala de mulheres e drogas e da sua própria verborreia sob(re) influência. “Tantos de vós expressaram a vossa repugnância sobre o muito que eu falo de drogas. Tentei parar durante um bocado, mas sabem? Mais ninguém nas revistas femininas e nos sites está a escrever sobre isto, por isso não há onde uma comunidade feminina possa lê-lo”, justifica. “Podem chamar-lhe partilha em excesso, eu chamo-lhe um instinto de sobrevivência. Porque vejam só. Vejam quão fácil é, mesmo quando se é a Whitney-fucking-Houston, retirar a nossa voz e fingir que se é a rapariga boazinha e não mencionar que se está a consumir. Escorregar silenciosamente água dentro. Desaparecer.”
A droga como emprego
É deste artigo, viral e sintomático, que surge a primeira proposta para um livro. Entretanto, a vida continua, e a heroína, nova reabilitação e o desemprego também. A atenção dos média sobre Marnell atinge o pico. Afinal, “ela era a versão da blogosfera de um vilão da reality TV”, como a descreve Sarah Hepola. É quando profere aquela que será a sua frase mais citada, num email que mandou ao tablóide New York Post depois de ter bebido, como sempre, um pouco demais. Justificava a sua saída do xoJane e, no fundo, a vantagem que as drogas tinham sobre as obrigações laborais. “Não podia passar outro Verão a cumprir prazos atrás de um computador à noite quando podia estar no telhado do Le Bain à procura de estrelas cadentes e a fumar pó de anjo com os meus amigos e a escrever um livro.”
Foi uma altura estranha, essa. “Recebi emails de produtores de reality shows, agentes e editoras - tudo quando estava de baixa por toxicodependência. Surreal.” E ela sabia que tinha de aproveitar. “Tinha trabalhado nos media durante tempo demais para não lucrar com o momento.” Como num sonho febril, passa a assinar a coluna Amphetamine Logic para a Vice. O meio milhão que a Simon & Schuster lhe pagou para escrever o que viria a ser How to murder your life esfumou-se e teve nova overdose. Foi “a primeira combustão pública high profile dos anos Twitter”, postularia o Guardian na altura. Mas, como Marnell disse ao mesmo diário britânico, “ninguém usaria drogas se não houvesse um monte de lados bons”.
Uma reabilitação de luxo na Tailândia que a deixou não sóbria, mas muito mais sóbria, permitiu-lhe escrever este livro e salvou-lhe a vida. É altura de nova lista, desta vez do que Cat Marnell deixou para trás. “Deixei de beber, heroína, PCP [pó de anjo], cocaína e ecstasy. Não toco em benzodiazepinas - xanax, klonopin ou analgésicos. Deixei o tabaco e até deixei os writers de graffiti. Já não vou a discotecas”, garante no epílogo. “Rezo todos os dias.” E corre. “Com um bocadinho de Adderall.” Continua à procura de médicos que lhe passem receitas a mais - um dos méritos atribuídos ao livro é a sua exposição desta realidade -, está mais próxima da família e não aceita que culpem o pai pelo que lhe aconteceu. “A maior parte do viciados não tem as hipóteses que eu tive.”
Às vezes, como na ficção, as drogas nem parecem o pior inimigo da protagonista. O que causa medo são os (des)humanos que a rodeiam. Que a tentam, roubam, perseguem, pisam. Há vilões evidentes e muitas mais personagens em tons de cinzento, mas How to murder your life também é um caso de uma dependência que se tornou um emprego e um traço identitário. As drogas levaram muitas estrelas, desde sempre e recentemente, de Michael Jackson a Prince passando por Philip Seymour Hoffman. Cat Marnell gosta das estrelas cadentes, mas não é uma estrela. “Os drogados - e o uso de drogas - são chatos; são as vidas que eles vivem que criam uma história.” Mas quem lucra com ela?
Há poucas semanas, a propósito da publicação de How to murder your life, a sua antiga editora admitia: “Preocupava-me constantemente se a estava a ser uma facilitadora, particularmente mais perto do final do tempo dela na xoJane quando estava mais consciente dos seus comportamentos auto-destrutivos”. Mas Cat Marnell não se sente usada, nem por Jane Pratt nem pela Vice. “Os viciados exploram as pessoas. Eu explorei todas as oportunidades.” A Vice, por exemplo, pagou-lhe a ida para a Tailândia.
A sua ficha técnica mudou desde que terminou o livro e passou à ronda de entrevistas sobre ele, de cabeleira rosa chiclete ou azul celeste posta, sempre de vestidos justos e maquilhagem impecável. Fala à New York Magazine do seu novo regime. Adderall para se focar, uns copos e cheirinhos de cocaína, ginásio, legumes e comprimidos para dormir não-narcóticos. A sua história não só não acabou como não tem o final feliz, da cura redentora, da limpeza total. “Eu preferia muito mais ter esse arco narrativo”, diz a autora a quem falam frequentemente da sua coragem por ser tão franca. Ou “notavelmente honesta”, como aplaudiu a New Yorker. Mas, “para mim, ser corajosa seria estar num programa e limpar-me, em vez de ‘encontrei uma maneira de falar sobre os meus problemas até à náusea e ser paga por isso’”, diz ao New York Times. “Não que queira minorar o que consegui.”