Há quatro vezes mais vítimas de tráfico de pessoas. Nunca foram tantas

Vítimas confirmadas passaram de 32 para 118, o maior número de sempre desde que a lei passou a incluir vários tipos de exploração. Três operações que apanharam redes em vários distritos explicam subida. Maioria é para exploração laboral.

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Só em 2007 é que a lei passou a incluir vários tipos de exploração no crime de tráfico de pessoas Helena Colaço Salazar (arquivo)

O número de vítimas de tráfico de seres humanos confirmadas em Portugal aumentou quatro vezes de 2015 para 2016, passando de 32 para 118. As sinalizações, ou seja, as vítimas sobre as quais recaem suspeitas de terem sido traficadas, também subiram de 193 para 261. Nunca, até agora, tinham sido confirmadas tantas vítimas em Portugal à data de produção dos relatórios pelo Observatório de Tráfico de Seres Humanos (OTSH), criado em 2008. Das 118 confirmadas, 22 são portuguesas. 

As vítimas sinalizadas têm de ser investigadas, as confirmadas são aquelas sobre as quais foi concluída a investigação policial. Estes dados estão no Relatório Anual de Segurança Interna 2016 (RASI), divulgado na semana passada, e no relatório anual do OTSH, que acaba de ser entregue ao Ministério da Administração Interna.

Só em 2007 é que a lei passou a incluir vários tipos de exploração no crime de tráfico de pessoas: antes era apenas a exploração sexual, depois passou a incluir outras, como a laboral, e só em 2013 é que incluiu também as actividades criminosas. Parte do aumento dos números é explicado por três operações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e da Polícia Judiciária, que permitiram confirmar a existência de dezenas de vítimas de tráfico: a Operação Pokhara e Operação Katmandu 1 e a Operação Katmandu 2.

A variação anual do número de vítimas de tráfico é algo normal, segundo a secretária executiva do Grupo de Peritos em Acção Contra o Tráfico de Seres Humanos, Petya Nestorova, já que muito pode depender de fenómenos circunscritos a uma rede específica que faz disparar os dados, como parece ser o caso. 

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Ainda de acordo com os dados do RASI, entre as 261 vítimas sinalizadas em 2016 há cidadãos de 23 países, dos quais três se destacam: Portugal (72 vítimas), Roménia (70) e Nepal (47) — a maior parte das confirmações são, de resto, de vítimas nepalesas.

Os dados corroboram duas tendências em Portugal: o número elevado de portugueses entre as vítimas sinalizadas, fazendo deste não só um país de destino mas também de origem de tráfico, e o facto de, independentemente da sua nacionalidade, a finalidade do tráfico ser a exploração laboral (58%).

Neste campo, a maioria das vítimas de exploração foi-o no sector agrícola, e é essa a razão também pela qual os portugueses entram nestas redes e acabam por ser explorados sobretudo no estrangeiro: foram sinalizadas 33, sobretudo para trabalhar na agricultura em Espanha, sendo que dez delas já estão confirmadas (o facto de não serem confirmadas pode significar que partiram para os seus países, que desistiram de queixas ou que voltaram às redes).

Santarém com mais casos

Confirmando o que algumas notícias sugeriam, as zonas do país em que houve um registo de mais casos foram Santarém, com 24 vítimas sinalizadas em Almeirim, para agricultura; Beja, com 23 registos, também para a agricultura; e Bragança, com 14, distribuídas por Carrazeda de Ansiães (nove) e Alfândega da Fé (cinco). As outras 22 vítimas sinalizadas referem-se a vários locais de exploração, esclarece o RASI.

Num dos casos, de Santarém, tratou-se de um recrutamento feito em Lisboa, com promessas de contrato de trabalho. As vítimas de tráfico foram identificadas como tal pelo excessivo número de horas de trabalho, por ameaças e coacção da entidade patronal, falta de pagamento, controlo de movimentos, explica ao PÚBLICO Rita Penedo, responsável pelo OTSH. “Continuamos a ser um país predominantemente de destino para exploração laboral no sector agrícola”, analisa. É nessa área “que as acções de monotorização têm incidido, além disso há um trabalho de formação no terreno”.

Sobre os menores, como apenas três das 26 vítimas sinalizadas se confirmaram até agora, Rita Penedo quer esperar pelos resultados da investigação dos outros casos para tirar conclusões. O RASI indica que as vítimas menores sinalizadas são de nacionalidade estrangeira, maioritariamente do sexo feminino, oriundas da Roménia e África, e quatro terão sido usadas para mendicidade forçada, mas a maioria indica que serão vítimas de exploração laboral.

Uma conclusão pode-se, porém, retirar dos dados: é que principalmente nos casos de exploração laboral há uma mobilidade interna dentro de Portugal, “as pessoas são levadas entre municípios”, de acordo com a sazonalidade dos produtos agrícolas, diz Rita Penedo. “Tem que continuar a haver um trabalho em rede e de fiscalização. Essa articulação é muito importante para combater o tráfico”, afirma.

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