Juiz leva a julgamento 26 arguidos por tráfico de pessoas
Cidadãos romenos, búlgaros e portugueses entre os arguidos. Um é advogado.
Um juiz de instrução criminal (JIC) de Sintra decidiu levar a julgamento 26 arguidos por pertencerem a uma rede criminosa que traficava pessoas da Roménia e da Bulgária para Portugal, para fins de exploração sexual e laboral.
Os arguidos, onze homens e seis mulheres de nacionalidade romena, quatro homens e uma mulher búlgaros e quatro homens portugueses, um deles advogado, estão acusados, cada um, de um crime de associação criminosa e de 35 crimes de tráfico de pessoas.
O Ministério Público (MP) deduziu acusação em Novembro de 2016, mas alguns dos arguidos requereram a abertura de instrução, tendo o JIC decidido agora pronunciar todos os envolvidos para irem a julgamento nos exactos termos da acusação, a que a agência Lusa teve acesso.
Contudo, o advogado de um dos arguidos já interpôs um recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa a pedir a nulidade da fase de instrução, alegando que o JIC de Sintra não a poderia ter realizado, pois era "material e territorialmente" incompetente para liderar esta fase do processo, que, segundo Hélder Cristóvão, deveria ter decorrido em Torres Vedras.
Caso a Relação dê provimento ao recurso, a fase instrutória poderá ter de ser repetida.
A acusação do MP, reproduzida integralmente pelo JIC, sustenta que desde Setembro de 2011 até Novembro de 2015, um casal, com a ajuda de três filhos e de dois sobrinhos, "conceberam um plano com vista a aliciar, transportar, alojar e, posteriormente entregar pessoas de nacionalidade romena e búlgara em território nacional para fins de exploração sexual e exploração do trabalho", a troco de dinheiro.
"Os arguidos traziam as vítimas aliciadas para uma vida com melhores condições em Portugal, prometendo-lhes um bom salário e boas condições de trabalho, assim como alojamento digno para cada um dos trabalhadores e para as famílias, que por vezes os acompanhavam, incluindo crianças", descreve a acusação.
Quanto ao advogado, o MP frisa que o "arguido teve um papel fundamental na construção do tecido empresarial que serviu de fachada à actuação criminosa do grupo", acrescentando que "desenvolvia todos os contactos com os donos das explorações agrícolas, lidava com a Segurança Social, movimentava contas bancárias, recebia o dinheiro devido às empresas (por si criadas) e interagia com as vítimas". Tinha "pleno conhecimento das condições em que os trabalhadores romenos eram recrutados para Portugal, das condições de trabalho e das condições miseráveis em que os trabalhadores eram obrigados a sobreviver", salienta o MP.
"Condições degradantes"
Os arguidos organizaram uma estrutura humana e logística, estável e hierarquizada, com distinções de tarefas, de responsabilidades e de ganhos, visando trazer para Portugal pessoas de famílias com dificuldades económicas e com pouca formação escolar, para depois as alojarem em habitações no centro e sul do país "em condições degradantes e sub-humanas", havendo situações em que passavam fome.
Dois dos principais elementos da rede efectuavam a primeira abordagem junto das herdades para convencer os responsáveis a colocar os seus trabalhadores. Depois, os arguidos indicavam aos proprietários das explorações agrícolas qual a empresa que iria prestar aquele serviço e quais as contas bancárias para onde deveriam ser transferidos os montantes correspondentes às horas trabalhadas, pois o pagamento às vítimas era feito directamente pela organização criminosa.
Para possibilitar a relação contratual com as explorações agrícolas, nomeadamente na emissão de facturas, os arguidos criaram empresas em seu nome e em nome de trabalhadores/vítimas.
A maioria dos acusados apoiava esta associação criminosa, "quer no controlo dos trabalhadores, das mulheres que obrigavam a prostituir-se, quer na recepção das quantias monetárias que obrigavam a pagar, quer ainda exercendo sobre os mesmos violência física e psicológica para os obrigarem ao exercício daquelas actividades", refere a acusação.
A maioria dos acusados está em prisão preventiva desde 2015.