O Novo Banco foi despachado como um carro velho
Podemos ter despachado o Novo Banco — mas não nos despachámos dos problemas do Novo Banco.
O pensamento que presidiu ao negócio do Novo Banco, fechado pelo governo na passada sexta, tem muitas semelhanças com a maneira com que lidamos com um carro velho: despachá-lo, não para dar lucro, mas para que deixe de dar problemas. Numa analogia deste tipo, o carro velho é aquele ativo do qual ignoramos se nos dará mais problemas ou soluções. Nunca sabemos se cada reparação que temos de pagar é mesmo a última nem se a despesa de manter o carro compensa. Nessa situação, o que muita gente faz é procurar alguém que fique com o carro velho em troca de lhe pagar o seguro e lhe fazer a inspeção, de lhe encher o tanque com combustível, e de o levar para onde não incomode.
Não admira muito que, depois de anos em que os problemas da banca nacional nos puxaram sempre para baixo, haja quem olhe para o Novo Banco assim. Mas é um erro sério que o governo tenha decidido desta forma. Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, é óbvio que o Novo Banco não é um carro velho. O antigo BES, de que o Novo Banco saiu, era um banco com uma enorme presença na economia portuguesa, grande prestador de crédito às empresas e destinatário de uma boa parte da poupança nacional. O banco foi sugado por dentro pelos negócios da família Espírito Santo, que no processo ainda conseguiu afundar a Portugal Telecom, e tem sido muito difícil separar a parte saudável da parte doente do BES. No entanto, aquilo que sobra tem um papel a desempenhar no desenvolvimento do país e seria decisivo que o governo estribasse no Novo Banco uma parte das suas ações no relançamento económico de Portugal. Isto aconselharia à nacionalização do banco, tendo em vista a sua reconversão e uma eventual venda num período de completo restabelecimento da economia pós-crise.
O segundo problema não é só o da privatização em geral, mas desta privatização em particular, em que o novo dono do Novo Banco passa a ser John Grayken, da Lone Star. Escrevi em janeiro que “países avisados não deixam John Grayken entrar no seu sistema bancário”, e mantenho. John Grayken enriqueceu a comprar bancos falidos, a desfazê-los e a vender os pedaços lucrativos. O estado português sabe isso, e a Lone Star sabe que sabemos. Por isso ambos se precaveram contra o outro numa teia de obrigações que permanece para lá da privatização.
Como é evidente, a nacionalização teria um custo orçamental e um custo político. O custo orçamental imediato não se sabe se contaria para o défice mas contaria certamente para a dívida pública. E o custo político seria interno e externo, ao que poderemos acrescentar a dificuldade de encontrar uma gestão estratégica para o Novo Banco complementar à da Caixa Geral de Depósitos (e enfermando de todos os problemas que esta tem: todas as decisões de gestão, do fecho de balcões aos possíveis despedimentos, passam a ser também decisões políticas). Mas convém não esquecer as vantagens da nacionalização: o estado manteria mais poder sobre o setor bancário nacional, o Novo Banco poderia tornar-se lucrativo a prazo e teríamos mais certeza de que o seu papel na economia nacional não seria desvirtuado.
Se tivéssemos tratado o Novo Banco como um ativo de que valeria a pena cuidar, ele daria trabalho no presente mas seria útil no futuro próximo e lucrativo lá mais para a frente. Se, por outro lado, tratamos o Novo Banco como um carro velho, o seu novo dono vai querer o habitual: que nos responsabilizemos por qualquer avaria que apareça enquanto ele desmonta as peças e vende pelo melhor dinheiro. Sendo assim, podemos ter despachado o Novo Banco — mas não nos despachámos dos problemas do Novo Banco.