Eles estão apreensivos mas não vão desistir

Nove meses depois do referendo, voltámos a falar com quatro portugueses que residem no Reino Unido, o destino preferencial da emigração portuguesa desde o início da década. Incerteza sobre os direitos dos cidadãos europeus após o “Brexit” obriga-os a planear o futuro a curto prazo.

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Manifestação de apoio à Europa em Londres, no fim-de-semana passado ANDY RAIN/EPA

“Fomos dormir descansados e acordámos em choque.” É assim que Patrícia Marcelino, a viver há seis anos em Londres, recorda o dia a seguir ao referendo que decidiu a saída do Reino Unido da União Europeia. “Vi muita gente crescida a chorar.” Passaram quase nove meses e o “medo inicial abrandou”, dando lugar a “uma expectativa muito grande” sobre as negociações que agora se vão iniciar. Como outros portugueses que o PÚBLICO entrevistou em Junho e voltou a ouvir nas vésperas de Theresa May accionar o artigo 50, Patrícia quer continuar no país que escolheu para viver e trabalhar, mas admite que o futuro passou a ser planeado a curto prazo.

O Reino Unido é desde o início da década o principal destino da emigração portuguesa — só em 2015 foram 32 mil pessoas, quase um terço de todos os que deixaram o país para ir trabalhar, segundo os últimos números divulgados pelo Observatório das Migrações. E nem o “Brexit” que se avizinha nem a linha dura do Governo de Theresa May — disposta a sacrificar o acesso ao mercado único para poder controlar a imigração — parecem desincentivar os portugueses. Em 2016, inscreveram-se na Segurança Social britânica (obrigatória para quem quer trabalhar no país) 30.500 cidadãos nacionais, segundo os primeiros dados que já integram o pós-referendo.

“Não se vê o número de chegadas diminuir”, assegura Patrícia Marcelino, empresária envolvida há vários anos em iniciativas de apoio à comunidade portuguesa de Stockwell, bairro londrino onde se concentram emigrantes antigos e recém-chegados, numa área conhecida como Little Portugal.

Responsável por acções de formação e de guias de ajuda para quem quer emigrar para o Reino Unido, Marcelino assegura que muita gente quer tentar a sua sorte antes de a saída da UE se concretizar. Muitas empresas tencionam também usar o prazo de dois anos previsto para as negociações para tentar entrar no mercado britânico. “Não há dados sobre a taxa de sucesso, não sabemos quantas estão a voltar para trás”, admite, mas “as pessoas continuam a chegar”.

Também Pedro Antas, presidente da Associação Portuguesa de Investigadores e Estudantes no Reino Unido (PARSUK), diz que, apesar de algumas universidades terem apontado um decréscimo do número de alunos oriundos de outros países da UE, o efeito do “Brexit” ainda se sente pouco. “As candidaturas às bolsas nos institutos de investigação não diminuíram”, afirma, acrescentando que também na PARSUK “o número de inscrições não sofreu alterações”.

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O que mudou é a forma como se encara o futuro. “Nas universidades, o planeamento é feito mais a curto prazo” e a prioridade é estudar medidas para “limitar os danos que possam resultar do ‘Brexit’”, como a redução do financiamento a projectos de investigação, diz este doutorando do Instituto Francis Crick, prestes a começar a redigir a sua tese.

Em Junho, dias antes do referendo, Pedro Antas dizia ao PÚBLICO que queria continuar a fazer investigação no Reino Unido, um projecto que se mantém, até porque as certezas sobre o que vai mudar com a saída da UE são poucas. “É por ser tudo tão incerto que mantemos tudo na mesma.”

Martina Fonseca, aluna de doutoramento na University College de Londres e também dirigente da PARSUK, não tem dúvidas de que, a longo prazo, o Reino Unido vai continuar aberto aos imigrantes mais qualificados e continuará a ser um destino preferencial para quem, como ela, quer trabalhar nas áreas ligadas à Ciência. O que a preocupa é o que acontecerá no futuro mais próximo — os dois anos que demorarão as negociações de saída e o período seguinte, em que serão negociados novos acordos e definidas novas regras, a começar pelo sistema de imigração. “May vai ter que ceder nalguma coisa aos populistas”, diz. É por isso que, mesmo preferindo continuar em Londres após o doutoramento, incluiu nos seus planos uma possível mudança para outro país da UE.

Incerteza redobrada

Mas a incerteza do momento tem outros reflexos. Martina conta que “estava a planear vir para Portugal escrever a tese”, mas está a repensar a decisão, porque há informações de que o tempo passado fora do país é um factor tido em conta pelas autoridades no momento de pedir a residência permanente.

Esta é uma salvaguarda que milhares de europeus que vivem há anos (muitas vezes décadas) no Reino Unido estão agora a pedir, acabando por ver-se confrontados com um pesadelo burocrático de 85 páginas: um documento que, entre dezenas de outras exigências, obriga os requerentes a contabilizar todas as vezes que entraram e saíram do país.

Uma montanha de papéis que Patrícia Marcelino ainda não se decidiu a enfrentar, apesar de acreditar que cumpre todos os critérios para obter a residência permanente. “As condições que impõem assustam um bocadinho as pessoas”, diz, apesar de sublinhar que a lei britânica já estipula que “ao fim de cinco anos quem cá está tem o direito adquirido de viver no país de forma permanente”. “Com o ‘Brexit’ é aconselhado que façamos prova, mas quem cumpre certas condições tem esse direito garantido por lei”, diz, reforçando o conselho do Ministério dos Negócios Estrangeiros português para que todos os portugueses se registem também nos consulados.

Também Isabel Marques, professora há mais de dez anos a trabalhar na região de Londres, não avançou ainda com o processo, nem se mostra preocupada com o seu futuro. “Não sou pessoa de entrar em pânico e muito menos tenho uma natureza alarmista”, diz. Mas admite que se encontra numa “situação privilegiada”, quer pelo tempo que já passou no Reino Unido quer pelas suas habilitações. “O tempo médio que um jovem professor aqui permanece na profissão é de cerca de cinco anos. Eu sou um pouco mais teimosa do que isso”, ironiza.

Com a mesma certeza que critica as cedências de May ao discurso anti-imigração dos eurocépticos e populistas, Isabel Marques recusa acreditar que o “Brexit” lhe mudará a vida. “Não receio ter de deixar o país. Já havia milhares de portugueses a viver cá antes de Portugal ter sequer aderido à UE."

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