Macron e Schulz, uma dupla para a Europa
Os dois políticos personificam um movimento de renovação sem antecedentes próximos nos dois principais países europeus e funcionam como antídoto ao contágio do populismo.
Há algumas semanas, escrevi aqui que Emmanuel Macron, inesperado mas possível vencedor da segunda volta das presidenciais francesas, em Maio, e "o mais europeísta de todos os candidatos à esquerda ou à direita (…), poderia dinamizar a reconstrução do motor franco-germânico, formando até uma dupla com o candidato social-democrata a chanceler, Martin Schulz, também surpreendentemente favorecido por algumas sondagens com vista às eleições do Outono na Alemanha". Ora, a previsão dessa dupla acabou por ser avançada no passado domingo por Sigmar Gabriel, antecessor de Schulz na liderança do partido social-democrata alemão. Apesar de o PS francês ser o partido-irmão do SPD e o seu candidato ao Eliseu se chamar Benoît Hamon, Gabriel terá deixado trair as suas preferências pelo candidato "centrista" Macron ou, muito simplesmente, reconhecido que este é a única alternativa viável a Marine Le Pen.
Macron não parece ter sido especialmente feliz no primeiro debate entre os cinco principais candidatos às presidenciais em França, realizado na passada segunda-feira. Os seus adversários, da extrema-direita à extrema-esquerda, escolheram-no aparentemente como alvo privilegiado dos respectivos ataques, tendo em conta o papel crucial que ele vem ocupando nas sondagens. E Macron, sendo o mais inexperiente do quinteto, não terá gerido da forma mais hábil o stress da prestação televisiva e algumas contradições mais óbvias do seu discurso, "entre a esquerda e a direita". Ainda assim, continua a ser surpreendente que um homem com menos de 40 anos e sem uma sólida máquina partidária a apoiá-lo permaneça como o mais bem posicionado para vencer Le Pen e renovar a anquilosada paisagem política francesa. Foi precisamente isso o que terá compreendido Sigmar Gabriel quando cometeu a gafe diplomática relativamente ao candidato do PS francês.
Martin Schulz é outro caso de estudo. Apesar da sua longa experiência como presidente do Parlamento Europeu, ele é quase um neófito na paisagem política germânica, o que tem jogado, porém, a seu favor quer dentro do seu próprio partido – em declínio acentuado desde os tempos da viragem à direita conduzida por Gerhard Schröder, abrindo caminho a Angela Merkel – quer perante a CDU da actual chanceler. Contra quase todos os prognósticos, Schulz recuperou da desvantagem inicial que ainda em Janeiro deste ano se traduzia em cerca de 15 pontos a favor de Merkel e do seu partido e, neste momento, CDU e SPD estão praticamente empatados. Cereja em cima do bolo, no último domingo Schulz foi eleito líder do SPD e candidato a chanceler com 100 por cento dos votos dos delegados ao congresso do partido, uma maioria sem precedentes na história dos sociais-democratas. A partir de agora tudo é possível, mesmo a hipótese até há pouco impensável de Angela Merkel não prolongar o seu já longo mandato na chancelaria de Berlim.
Se o fenómeno populista pôs à prova os equilíbrios políticos implantados há décadas na Europa, ameaçando fazer ruir os pilares tradicionais da esquerda e direita francesas, os casos Macron e Schulz traduzem um movimento de renovação sem antecedentes próximos nos dois principais países europeus – e funcionando assim como antídoto ao contágio do populismo que referi na crónica anterior. Macron impôs-se à margem dos dois grandes partidos – apesar das suas anteriores experiências como conselheiro de Hollande e ministro da Economia do Governo socialista – enquanto Schulz vem de dentro de um deles, embora seja, no fundo, quase um outsider. O cansaço com o sistema, acicatado pela febre populista, criou uma apetência por alternativas refrescantes e inovadoras às políticas do costume. Oxalá isso se confirme, para bem da Europa e dos europeus.