Quando percorremos a cronologia das publicações da filósofa belga Chantal Moufe, na área da teoria polítca, que é aquela que constituiu o domínio quase exclusivo da sua produção teórica, encontramos no início, em 1979, um livro sobre Gramsci. Dessa filiação gramsciana das origens ficou, pelo menos, e para abreviar, o conceito de hegemonia que está na base de um livro famoso que escreveu com o argentino Ernesto Laclau (1935-2014), um nome importante da teoria política, com quem Chantal Mouffe foi casada. Esse livro famoso, de 1985, que serviu para colar aos seus dois autores a etiqueta de “pós-marxistas”, chama-se Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratic Politics.
Chantal Mouffe nunca mais abandonou a ideia de uma “democracia radical” e chegou em 2013, num livro intitulado Agonistics: Thinking the World Politically, a uma formulação (na verdade, já ensaiada antes) que a concebe como “democracia agonística”. Contra a tendência para a despolitização e em luta contra a pós-política e a pós-democracia, Chantal Mouffe promove “o retorno do político”, advogando a necessidade de mobilizar para o campo político os afectos e as paixões.
Uma política agonística é aquela que se baseia nos conflitos e nos antagonismos, sem procurar a ilusão dos consensos e escapando à lógica deliberativa da democracia liberal. A ideia de que radicalizar a democracia implica “construir um povo” (porque este nunca é um dado, mas sim uma construção) leva Chantal Mouffe a uma difícil operação teórica nos tempos que correm: conceder ao populismo (mas não aquele que se alimenta de uma oposição xenófoba entre “nós” e “eles”) um papel de expressão agonística da democracia. Tal como Laclau, Chantal Mouffe obriga-nos a pensar o fenómeno do populismo, mas deslocando-o para fora dos medos e lugares-comuns que em torno dele se foram construindo e que o tornaram um lugar onde tudo cabe.